O STJ, analisando recurso especial impetrado pela associação chamada Católicas pelo Direito de Decidir, acaba de declarar que o Centro Dom Bosco (CDB) não tem legitimidade para postular em nome da Igreja. Assim, perde efeito o veredicto do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, deferindo a petição do CDB, proibiu que as abortistas usassem o nome “católicas”, haja vista a cabal incompatibilidade entre o aborto e o catolicismo.
            Pelo que sei, o aborto ainda é crime no Brasil (Artigo 124 do código penal). Decidir o quê, então, podem essas “católicas”? Existem três excludentes de antijuridicidade, nas quais o delito de abortamento não é punido; duas legais (“aborto sentimental” e “aborto terapêutico”; artigo 128, I e II do código penal) e uma jurisprudencial (aborto do feto anencefálico). Porém, o ato perpetrado jamais perde o caráter infracional. O legislador, numa ótica pragmática, ao excluir a antijuridicidade, não pensou apenas nas hipóteses em que, psicologicamente falando, não se consegue de jeito nenhum manter a gravidez? Não vou aprofundar esta nuança! Fiquemos com o problema da alegada ilegitimidade processual do CDB.  
            Infelizmente, o egrégio tribunal superior não se ateve ao Codex Iuris Canonici (código canônico), reconhecido pelo direito civil como espécie de estatuto da Igreja católica. Aliás, tudo indica que os eminentes julgadores confundem Igreja com hierarquia eclesiástica. Ora, o cânon 207, parágrafo 1.º, reza que a Igreja é composta de clérigos e leigos; não só clérigos. Eis a tradução do referido dispositivo legal: “Por instituição divina, entre os fiéis há na Igreja ministros sagrados, que no direito se denominam clérigos; os demais se chamam leigos.” Desta feita, o Centro Dom Bosco (CDB), malgrado o vezo tradicionalista, ainda assim, a meu ver, teria o que no p rocesso civil se intitula “interesse de agir” e, por conseguinte, fruiria de legitimidade para figurar no polo ativo da demanda judicial.
            Nada obstante, há algumas perguntas pendentes. Ajuizou-se a ação contra a entidade Católicas pelo Direito de Decidir na Comarca de São Paulo. Por que, então, a Arquidiocese de São Paulo não postulou como coautora ou não interveio na fase recursal no Tribunal de Justiça? Este expediente atenderia ao quesito da legitimidade processual. De qualquer maneira, o CDB chegou a interpelar as autoridades eclesiásticas, invitando-as e concitando-as para uma liça jurídica que visava a coibir o uso absurdo do termo “católicas” em empresa tão antagônica à moral? Afinal de contas, qualquer diocese do país poderia encetar o processo. Há decerto bispos que não titubeariam um instante em integrar lid e tão honorável. Por que a conferência episcopal (CNBB) não participou do feito já que, em uma nota pública veiculada em 2008, exprobra tal associação feminista?

Edson Luiz Sampel
Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico da 116.ª Subseção da OAB-SP.   
Professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina.