A recente carta apostólica Traditiones Custodes, que veio a lume em 16/7/2021, praticamente extingue o chamado "rito tridentino". De fato, o sucessor de são Pedro proíbe a realização do referido rito nas igrejas paroquiais (artigo 3.º, § 2.º) e ordena que os bispos não autorizem a criação de novos grupos afeitos à aludida tradição (artigo 3.º, § 6.º).
Quem lê a carta apostólica, bem como a missiva anexa dirigida aos bispos, percebe com clareza a motivação da nova lei, que revoga a norma Summorum Pontificum: por trás da "pomposa" celebração da forma extraordinária da missa, homizia-se a cabal desprezo pelo caráter vinculante do Concílio Vaticano II; mais: dissimula-se o descontente com a atual sé petrina! Com efeito, desabafa o santo padre:
"Uma oportunidade oferecida por são João Paulo II e com maior magnanimidade ainda por Bento XVI, para restaurar a unidade do corpo eclesial, respeitando as diversas sensibilidades litúrgicas, fo i aproveitada para aumentar as distâncias, perdurar as diferenças e construir oposições que ferem a Igreja e dificultam seu progresso, expondo-a ao risco da divisão" (epístola aos bispos).
Realmente lamentável! Parece que não está lidando com católicos, mas com criptorrevolucionários, tamanha a arrogância de quem ousa contestar o próprio Espírito Santo. "Duvidar do Concílio [Vaticano II] é duvidar das próprias intenções dos padres, que exercem solenemente seu colegial potestade (...) no concílio ecumênico e, em última análise, duvidar do próprio Espírito Santo, que guia a Igreja" (papa Francisco, epístola endereçada aos bispos).
Acredito, contudo, que o verdadeiro motivo do apreço excessivo pela "missa tridentina" não se encontra nem no menoscabo pelo vigésimo primeiro concílio ecumênico, nem tampouco no desamor pelo papa reinante. Ocorre que determinados irmãos não toleram uma Igreja "em saída", uma Igreja que, a exemplo de seu divino, fundador opta pelos pobres (Lc 4, 18), em suma, não suporta a essência da religião católica. Por acaso, alguém já viu algum grupo tradicionalista propugnando a doutrina social da Igreja? Não, muito pelo contrário, encontraro-los na Internet a discorrer acerca de questõ es doutrinais. E só! No fundo, agrilhoados na gnose celebrativa, os desditosos irmãos enclausuraram-se no subjetivismo, "onde apenas interessa determinada experiência ou uma série de raciocínios ou conhecimentos que supostamente confortam e iluminam, mas, em última instância, prende-os na imanência da própria razão ou dos sentimentos" (Gaudete et Exsultate, n. 36).
O papa Francisco pôs os pingos nos é: "Os livros litúrgicos promulgados pelos santos pontífices Paulo VI e João Paulo II, em conformidade com os decretos do Concílio Vaticano II, são a expressão única do lex orandi de rito romano" (artigo 1.º da carta apostes Tradições Guardiões).
Por fim, é preciso enaltecer, entre tantos outros, os Arautos do Evangelho, porquanto esses diletos sacerdotes atendem aos rogos do bispo de Roma e celebram a missa com o máximo "decoro e fidelidade aos livros litúrgicos" do missal de são Paulo VI, conforme solicitação Francisco na epístola ora remetida aos bispos. Eu acrescentaria outro ponto relevante, já enfocado alhures pelo papa: a necessidade de os presbíteros prepararem as homilias e não falarem de improviso (Evangelii Gaudium, 135 e ss.). Edson Luiz Sampel
Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo (da Arquidiocese de São Paulo).