Esclarecimento da Congregação para a Doutrina da Fé

(Tradução feita pela Agência Zenit do texto italiano publicado na edição cotidiana de L'Osservatore Romano de 11 de julho de 2009)

Sobre o aborto provocado
Recentemente chegaram à Santa Sé várias cartas, inclusive da parte de altas personalidades da vida política e eclesial, que informaram sobre a confusão que se criou em vários países, sobretudo na América Latina, após a manipulação e instrumentalização de um artigo de sua excelência Dom Rino Fisichella, presidente da Academia Pontifícia para a Vida, sobre o triste caso da "menina brasileira". Nesse artigo, publicado no "L'Osservatore Romano" a 15 de março de 2009, apresentava-se a doutrina da Igreja, levando em consideração a situação dramática desta menina, que -como se pôde constatar posteriormente- tinha sido acompanhada com toda delicadeza pastoral, em particular pelo então arcebispo de Olinda e Recife, sua excelência Dom José Cardoso Sobrinho. A esse respeito, a Congregação para a Doutrina da Fé confirma que a doutrina da Igreja sobre o aborto provocado não mudou nem pode mudar. Esta doutrina foi exposta nos números 2270-2273 do Catecismo da Igreja Católica nestes termos:
"A vida humana deve ser respeitada e protegida, de modo absoluto, a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento da sua existência, devem ser reconhecidos a todo o ser humano os direitos da pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo o ser inocente à vida (cf. Congregação para a Doutrina da Fé, instrução Donum vitae 1, 1). «Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi: antes que saísses do seio da tua mãe, Eu te consagrei» (Jr 1, 5). «Vós conhecíeis já a minha alma e nada do meu ser Vos era oculto, quando secretamente era formado, modelado nas profundidades da terra» (Sl 139, 15)".
"A Igreja afirmou, desde o século I, a malícia moral de todo o aborto provocado. E esta doutrina não mudou. Continua invariável. O aborto direto, isto é, querido como fim ou como meio, é gravemente contrário à lei moral: «Não matarás o embrião por meio do aborto, nem farás que morra o recém-nascido» (Didaké 2, 2; cf. Epistola Pseudo Barnabae 19. 5; Epistola a Diogneto 5, 6: Tertuliano, Apologeticum, 9, 8). «Deus [...], Senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com extrema solicitude, desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis» (Gaudium et spes, 51).
"A colaboração formal num aborto constitui falta grave. A Igreja pune com a pena canônica da excomunhão este delito contra a vida humana. «Quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito («effectu secuto») incorre em excomunhão latae sententiae (CIC can. 1398), isto é, «pelo fato mesmo de se cometer o delito» (CIC can. 1314) e nas condições previstas pelo Direito (cf. CIC can. 1323-1324). A Igreja não pretende, deste modo, restringir o campo da misericórdia. Simplesmente, manifesta a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao inocente que foi morto, aos seus pais e a toda a sociedade".
"O inalienável direito à vida, por parte de todo o indivíduo humano inocente, é um elemento constitutivo da sociedade civil e da sua legislação: «Os direitos inalienáveis da pessoa deverão ser reconhecidos e respeitados pela sociedade civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem nem dos indivíduos, nem dos pais, nem mesmo representam uma concessão da sociedade e do Estado. Pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa, em razão do ato criador que lhe deu origem. Entre estes direitos fundamentais deve aplicar-se o direito à vida e à integridade física de todo ser humano, desde a concepção até à morte» (Donum vitae, 3). «Desde o momento em que uma lei positiva priva determinada categoria de seres humanos da proteção que a legislação civil deve conceder-lhes, o Estado acaba por negar a igualdade de todos perante a lei. Quando o Estado não põe

a sua força ao serviço dos direitos de todos os cidadãos, em particular dos mais fracos, encontram-se ameaçados os próprios fundamentos dum «Estado de direito» [...]. Como conseqüência do respeito e da proteção que devem ser garantidos ao nascituro, desde o momento da sua concepção, a lei deve prever sanções penais apropriadas para toda a violação deliberada dos seus direitos» (Donum vitae, 3).
Na encíclica "Evangelium vitae", o Papa João Paulo II afirmou esta doutrina com sua autoridade de Supremo Pastor da Igreja: "com a autoridade que Cristo conferiu a Pedro e aos seus Sucessores, em comunhão com os Bispos - que de várias e repetidas formas condenaram o aborto e que, na consulta referida anteriormente, apesar de dispersos pelo mundo, afirmaram unânime consenso sobre esta doutrina - declaro que o aborto direto, isto é, querido como fim ou como meio, constitui sempre uma desordem moral grave, enquanto morte deliberada de um ser humano inocente. Tal doutrina está fundada sobre a lei natural e sobre a Palavra de Deus escrita, é transmitida pela Tradição da Igreja e ensinada pelo Magistério ordinário e universal" (n. 62).
No que se refere ao aborto provocado em algumas situações difíceis e complexas, é válido o ensinamento claro e preciso do Papa João Paulo II: "É verdade que, muitas vezes, a opção de abortar reveste para a mãe um caráter dramático e doloroso: a decisão de se desfazer do fruto concebido não é tomada por razões puramente egoístas ou de comodidade, mas porque se quereriam salvaguardar alguns bens importantes como a própria saúde ou um nível de vida digno para os outros membros da família. Às vezes, temem-se para o nascituro condições de existência tais que levam a pensar que seria melhor para ele não nascer. Mas estas e outras razões semelhantes, por mais graves e dramáticas que sejam, nunca podem justificar a supressão deliberada de um ser humano inocente". (Evangelium vitae, 58).
Pelo que se refere ao problema de determinados tratamentos médicos para preservar a saúde da mãe, é necessário distinguir bem entre dois fatos diferentes: por um lado, uma intervenção que diretamente provoca a morte do feto, chamada em ocasiões de maneira inapropriada de aborto "terapêutico", que nunca pode ser lícito, pois constitui o assassinato direto de um ser humano inocente; por outro lado, uma intervenção não abortiva em si mesma que pode ter, como consequência colateral, a morte do filho: "Se, por exemplo, a salvação da vida da futura mãe, independentemente de seu estado de gravidez, requerer urgentemente uma intervenção cirúrgica, ou outro tratamento terapêutico, que teria como consequência acessória, de nenhum modo querida nem pretendida, mas inevitável, a morte do feto, um ato assim já não se poderia considerar um atentado direto contra a vida inocente. Nestas condições, a operação poderia ser considerada lícita, igualmente a outras intervenções médicas similares, sempre que se trate de um bem de elevado valor -como é a vida- e que não seja possível postergá-la após o nascimento do filho, nem recorrer a outro remédio eficaz" (Pio XII, discurso "Frente à Família" e à Associação de Famílias Numerosas, 27 de novembro de 1951).
Pelo que se refere à responsabilidade dos agentes sanitários, é necessário recordar as palavras do Papa João Paulo II: "a sua profissão pede-lhes que sejam guardiãs e servidores da vida humana. No atual contexto cultural e social, em que a ciência e a arte médica correm o risco de extraviar-se da sua dimensão ética originária, podem ser às vezes fortemente tentados a transformarem-se em fautores de manipulação da vida, ou mesmo até em agentes de morte. Perante tal tentação, a sua responsabilidade é hoje muito maior e encontra a sua inspiração mais profunda e o apoio mais forte precisamente na intrínseca e imprescindível dimensão ética da profissão clínica, como já reconhecia o antigo e sempre atual juramento de Hipócrates, segundo o qual é pedido a cada médico que se comprometa no respeito absoluto da vida humana e da sua sacralidade". (Evangelium vitae, 89)

 

 


Publicação em l'Osservatore Romano, edição cotidiana de 11/07/2009
Chiarificazione della Congregazione per la Dottrina della Fede

Sull'aborto
procurato

 

Recentemente sono pervenute alla Santa Sede diverse lettere, anche da parte di alte personalità della vita politica ed ecclesiale, che hanno informato sulla confusione creatasi in vari Paesi, soprattutto in America Latina, a seguito della manipolazione e strumentalizzazione di un articolo di Sua Eccellenza Monsignor Rino Fisichella, Presidente della Pontificia Accademia per la Vita, sulla triste vicenda della "bambina brasiliana". In tale articolo, apparso su "L'Osservatore Romano" del 15 marzo 2009, si proponeva la dottrina della Chiesa, pur tenendo conto della situazione drammatica della suddetta bambina, che - come si poteva rilevare successivamente - era stata accompagnata con ogni delicatezza pastorale, in particolare dall'allora Arcivescovo di Olinda e Recife, Sua Eccellenza Monsignor José Cardoso Sobrinho. Al riguardo, la Congregazione per la Dottrina della Fede ribadisce che la dottrina della Chiesa sull'aborto provocato non è cambiata né può cambiare. Tale dottrina è stata esposta nei numeri 2270-2273 del Catechismo della Chiesa Cattolica in questi termini:
"La vita umana deve essere rispettata e protetta in modo assoluto fin dal momento del concepimento. Dal primo istante della sua esistenza, l'essere umano deve vedersi riconosciuti i diritti della persona, tra i quali il diritto inviolabile di ogni essere innocente alla vita. "Prima di formarti nel grembo materno, ti conoscevo, prima che tu uscissi alla luce, ti avevo consacrato" (Ger 1, 5). "Non ti erano nascoste le mie ossa quando venivo formato nel segreto, intessuto nelle profondità della terra" (Sal 139, 15).
"Fin dal primo secolo la Chiesa ha dichiarato la malizia morale di ogni aborto provocato. Questo insegnamento non è mutato. Rimane invariabile. L'aborto diretto, cioè voluto come un fine o come un mezzo, è gravemente contrario alla legge morale: "Non uccidere il bimbo con l'aborto, e non sopprimerlo dopo la nascita" (Didaché, 2, 2). "Dio, padrone della vita, ha affidato agli uomini l'altissima missione di proteggere la vita, missione che deve essere adempiuta in modo degno dell'uomo. Perciò la vita, una volta concepita, deve essere protetta con la massima cura; e l'aborto come pure l'infanticidio sono abominevoli delitti" (Concilio Vaticano II, Gaudium et spes, 51). "La cooperazione formale a un aborto costituisce una colpa grave. La Chiesa sanziona con una pena canonica di scomunica questo delitto contro la vita umana. "Chi procura l'aborto, se ne consegue l'effetto, incorre nella scomunica latae sententiae" (Cic, can. 1398), "per il fatto stesso d'aver commesso il delitto" (Cic, can. 1314) e alle condizioni previste dal diritto (cfr. Cic, cann. 1323-1324). La Chiesa non intende in tal modo restringere il campo della misericordia. Essa mette in evidenza la gravità del crimine commesso, il danno irreparabile causato all'innocente ucciso, ai suoi genitori e a tutta la società.
"Il diritto inalienabile alla vita di ogni individuo umano innocente rappresenta un elemento costitutivo della società civile e della sua legislazione: "I diritti inalienabili della persona dovranno essere riconosciuti e rispettati da parte della società civile e dell'autorità politica; tali diritti dell'uomo non dipendono né dai singoli individui, né dai genitori e neppure rappresentano una concessione della società e dello Stato: appartengono alla natura umana e sono inerenti alla persona in forza dell'atto creativo da cui ha preso origine. Tra questi diritti fondamentali bisogna, a questo proposito, ricordare: il diritto alla vita e all'integrità fisica di ogni essere umano dal concepimento alla morte... Nel momento in cui una legge positiva priva una categoria di esseri umani della protezione che la legislazione civile deve loro accordare, lo Stato viene a negare l'uguaglianza di tutti davanti alla legge. Quando lo Stato non pone la sua forza al servizio dei diritti di ciascun cittadino, e in particolare di chi è più debole, vengono minati i fondamenti stessi di uno Stato di diritto... Come conseguenza del rispetto e della protezione che vanno accordati al nascituro, a partire dal momento del suo concepimento, la legge dovrà prevedere appropriate sanzioni penali per ogni deliberata violazione dei suoi diritti" (Congregazione per la Dottrina della Fede, Istruzione Donum vitae, III)".
Nell'Enciclica Evangelium vitae Papa Giovanni Paolo II ha riaffermato tale dottrina con la sua autorità di Supremo Pastore della Chiesa: "Con l'autorità che Cristo ha conferito a Pietro e ai suoi Successori, in comunione con i Vescovi - che a varie riprese hanno condannato l'aborto e che nella consultazione precedentemente citata, pur dispersi per il mondo, hanno unanimemente consentito circa questa dottrina - dichiaro che l'aborto diretto, cioè voluto come fine o come mezzo, costituisce sempre un disordine morale grave, in quanto uccisione deliberata di un essere umano innocente. Tale dottrina è fondata sulla legge naturale e sulla Parola di Dio scritta, è trasmessa dalla Tradizione della Chiesa ed insegnata dal Magistero ordinario e universale" (n. 62).
Per quanto riguarda l'aborto procurato in alcune situazioni difficili e complesse, vale l'insegnamento chiaro e preciso di Papa Giovanni Paolo II: "È vero che molte volte la scelta abortiva riveste per la madre carattere drammatico e doloroso, in quanto la decisione di disfarsi del frutto del concepimento non viene presa per ragioni puramente egoistiche e di comodo, ma perché si vorrebbero salvaguardare alcuni importanti beni, quali la propria salute o un livello dignitoso di vita per gli altri membri della famiglia. Talvolta si temono per il nascituro condizioni di esistenza tali da far pensare che per lui sarebbe meglio non nascere. Tuttavia, queste e altre simili ragioni, per quanto gravi e drammatiche, non possono mai giustificare la soppressione deliberata di un essere umano innocente" (Enciclica Evangelium vitae, n. 58).
Quanto alla problematica di determinati trattamenti medici al fine di preservare la salute della madre occorre distinguere bene tra due fattispecie diverse: da una parte un intervento che direttamente provoca la morte del feto, chiamato talvolta in modo inappropriato aborto "terapeutico", che non può mai essere lecito in quanto è l'uccisione diretta di un essere umano innocente; dall'altra parte un intervento in sé non abortivo che può avere, come conseguenza collaterale, la morte del figlio: "Se, per esempio, la salvezza della vita della futura madre, indipendentemente dal suo stato di gravidanza, richiedesse urgentemente un atto chirurgico, o altra applicazione terapeutica, che avrebbe come conseguenza accessoria, in nessun modo voluta né intesa, ma inevitabile, la morte del feto, un tale atto non potrebbe più dirsi un diretto attentato alla vita innocente. In queste condizioni l'operazione può essere considerata lecita, come altri simili interventi medici, sempre che si tratti di un bene di alto valore, qual è la vita, e non sia possibile di rimandarla dopo la nascita del bambino, né di ricorrere ad altro efficace rimedio" (Pio xii, Discorso al "Fronte della Famiglia" e all'Associazione Famiglie numerose, 27 novembre 1951).
Quanto alla responsabilità degli operatori sanitari, occorre ricordare le parole di Papa Giovanni Paolo II: "La loro professione li vuole custodi e servitori della vita umana. Nel contesto culturale e sociale odierno, nel quale la scienza e l'arte medica rischiano di smarrire la loro nativa dimensione etica, essi possono essere talvolta fortemente tentati di trasformarsi in artefici di manipolazione della vita o addirittura in operatori di morte. Di fronte a tale tentazione la loro responsabilità è oggi enormemente accresciuta e trova la sua ispirazione più profonda e il suo sostegno più forte proprio nell'intrinseca e imprescindibile dimensione etica della professione sanitaria, come già riconosceva l'antico e sempre attuale giuramento di Ippocrate, secondo il quale ad ogni medico è chiesto di impegnarsi per il rispetto assoluto della vita umana e della sua sacralità" (Enciclica Evangelium vitae, n. 89).

(©L'Osservatore Romano - 11 luglio 2009)