(Artigo do prof. dr. E. L. Sampel,
publicado no site da Folha de São Paulo em 8/9/2022)


            Em 2022 comemora-se o septuagésimo ano da fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O sodalício que congrega os bispos brasileiros contou com o protagonismo de homens como dom Hélder Câmara, em processo de canonização. De fato, há um famoso dito desse eminente prelado que caracteriza a trajetória da conferência episcopal de nosso país: “Quando dou alimento aos pobres, chamam-me de santo, mas, se pergunto porque os pobres passam fome, chamam-me de comunista”. Com efeito, a chamada evangélica opção preferencial pelos pobres, não exclusiva nem excludente, tem sido a mar ca da CNBB. E não poderia ser diferente, porquanto o próprio divino fundador da Igreja católica, Jesus Cristo, Senhor nosso, optou preferencialmente pelos pobres. Eis suas sacrossantas palavras: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4, 18-19). Diante de assertivas tão claras, como poderia a CNBB preocupar-se com quinquilharias?
            Na condição de leigo (membro da Igreja que não é clérigo), decidi escrever este artigo, primeiro porque, conforme o adágio popular, elogio em boca própria é vitupério; isto eventualmente ocorreria caso um antístite encomiasse a conferência episcopal; segundo, e principalmente, porque há muitíssimos católicos leigos que hostilizam a CNBB, apodando-a exatamente de comunista, esquerdista, marxista etc.
            A CNBB pauta seus pronunciamentos e ações na denominada Doutrina Social da Igreja, encetada por Leão 13, com a magistral encíclica Rerum Novarum. São João Paulo 2.º ensinou que a doutrina social é parte integrante do evangelho. Sem embargo, certos grupos de leigos tradicionalistas envolvem os católicos incautos em uma liça injusta contra a CNBB, atacando a própria entidade, o Concílio Vaticano II, o Papa Francisco e – pasmem! – a missa dominical de sempre, uma vez que só aceitam a liturgia em latim. Agem sobretudo pela Internet, disseminando vídeos e sites inoculadores de ódio. Tais pe ssoas desditosas, genuínos gnósticos coevos, que se posicionam perigosamente na fronteira do cisma, fecham-se em luciferino subjetivismo, “no qual apenas interessa determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que supostamente confortam e iluminam, mas, em última instância, a pessoa fica enclausurada na imanência de sua própria razão e de seus sentimentos” (Papa Francisco, Gaudete et Exsultate, 36). Vale dizer, os algozes da CNBB encaram a religião como mero diletantismo, fazendo dicotomia entre fé e vida. 
            A CNBB, desde os albores, inculca na política, na economia, no mundo do trabalho, na cultura, enfim, em todos os setores, inclusive nas instâncias governativas, os princípios éticos hauridos do cristianismo. É sua missão! Não apresenta nenhuma “solução católica”, que inexiste. Desta feita, a prestigiosa instituição septuagenária não se calou diante dos arbítrios da ditadura militar, como não se aquieta em face de quaisquer posturas atuais que vulnerem a democracia e outros bens da sociedade. Em suma, a CNBB é uma voz na consciência dos católicos, com portentosa admoesta&c cedil;ão aos que, alienados em doutrinarismos, deixam de colocar a questão social em primeiro lugar e, destarte, fazem ouvidos moucos aos ensinamentos de Jesus Cristo que, identificando-se com os excluídos da sociedade, pontificou: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e para seus anjos, porque tive fome a não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, fui forasteiro e não me recolhestes; estive nu e não me vestistes, doente e preso e não me visitastes” (Mt 25, 41-43).

Edson Luiz Sampel
Advogado. Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico da OAB-SP.  

Ler o texto no jornal Folha de São Paulo:,
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/09/70-anos-da-cnbb.shtml