Entre as funções que são atribuídas a este Supremo Tribunal[1], sobressai o dever de velar para que a justiça seja rectamente administrada em toda a Igreja. 

Este dever é salientado pela Constituição apostólica Regimini Ecclesiae universae promulgada pelo Beato Paulo VI, que decidiu reunir unicamente na Assinatura Apostólica a solicitude por todas as causas judiciais e Tribunais[2]. Para que a nova competência fosse executada, logo no ano de 1970 este Supremo Tribunal emanou uma carta circular sobre o estado e actividade dos Tribunais eclesiásticos (AAS 63 [1971] 480-486), à qual se anexava um esquema onde elaborar o relatório anual sobre o estado e actividade de cada Tribunal. 

Passados cerca de cinquenta anos da promulgação das normas sobre o estado e actividade dos Tribunais, e tendo ocorrido tantas mudanças e inovações na Igreja, na sua lei e na sua organização, pareceu oportuno submeter a uma revisão aquelas normas e o esquema, e publicá-las de novo. 

Tais normas têm presente, antes de mais, a recente reforma dos cânones de ambos os Códigos acerca da declaração de nulidade do matrimónio introduzida pelas duas Cartas Apostólicas dadas sob motu proprio: Mitis Iudex Dominus Iesus e Mitis et misericors Iesus. 

Entre os critérios fundamentais da nova reforma do direito processual destaca-se o novo e antigo princípio sobre o nativo exercício do ofício judicial do Bispo na Igreja particular: «A fim de que seja finalmente traduzido na prática o ensinamento do Concílio Vaticano II num âmbito de grande importância, estabeleceu-se evidenciar que o próprio Bispo na sua Igreja, da qual está constituído pastor e chefe, é por isso mesmo juiz no meio dos fiéis a ele confiados»[3]. 

O que se diz acerca do múnus judicial deve igualmente entender-se quanto ao múnus do Bispo de vigiar pela recta administração da justiça na Igreja particular[4]: com efeito, sobre este dever, os Romanos Pontífices não hesitaram, repetidas vezes, em recordálos em importantes documentos, especialmente por ocasião das habituais alocuções ao Tribunal da Rota Romana [5]. 

Em virtude do inato e íntimo vínculo de comunhão entre os Bispos e o Romano Pontífice, Sucessor de Pedro, o múnus judicial dos Bispos nas Igrejas particulares está indissoluvelmente ligado ao múnus petrino, que na sua origem se destina a confirmar e auxiliar os Bispos no seu ofício. Na verdade, os Bispos, como se afirma nas duas cartas apostólicas acima referidas, juntamente com o Romano Pontífice «partilham com ele esta tarefa da Igreja, isto é, tutelar a unidade na fé e na disciplina relativamente ao matrimónio, centro e origem da família cristã»[6]. 

Deste múnus petrino tem origem o ministério desta Assinatura Apostólica de prover para que a justiça seja rectamente administrada em toda a Igreja; a partir deste múnus que lhe foi confiado, o Supremo Tribunal sempre aspirou e continua a aspirar cumprir a sua missão, «não com a intenção de que todas as coisas sejam deferidas unicamente a si, mas de modo a ser um auxílio fraterno aos Tribunais dos Bispos dispersos pelo mundo e prestar um serviço aos mesmos para o bem das almas, através da recta administração da justiça»[7].

II 

Para exercer com solicitude a administração da justiça requer-se, como é natural, o conhecimento ou informação acerca do estado e actividade dos Tribunais, quer por parte dos Bispos Moderadores, quer por parte da Assinatura Apostólica[8]. A este respeito, todos e cada um dos Tribunais, quer diocesanos ou eparquiais quer interdiocesanos ou 

intereparquiais, sejam da Igreja latina ou das Igrejas orientais, devem elaborar todos os anos uma relação sobre o estado e a actividade do Tribunal, assinada pelo Vigário judicial, segundo o exemplar ou esquema apresentado em anexo. 

O esquema deve ser preenchido atenta e acuradamente, redigido em três exemplares, sendo que o primeiro deles deve ser entregue ao Bispo Moderador, o segundo remetido a este Supremo Tribunal e o terceiro, por sua vez, deverá ser conservado no arquivo do Tribunal. 

O exemplar destinado a este Supremo Tribunal deverá ser enviado todos os anos no mês de Janeiro, conforme o caso, por correio electrónico, pelos correios públicos, através dos Legados Pontifícios ou ainda entregando-o na Chancelaria da Assinatura Apostólica. 

A este exemplar podem ser acrescentadas as observações que o Vigário judicial considerar oportunas, sobretudo acerca dos seguintes pontos: 

  1. investigação preliminar ou pastoral de que tratam os artigos 2-5 das Regras de procedimento (Rationis procedendi) anexadas às duas referidas Cartas Apostólicas; 
  2. instituição de secções instrutórias e o seu funcionamento; 
  3. eventuais mudanças introduzidas no funcionamento dos Tribunais; 
  4. normas dadas e observadas quanto às despesas processuais, aos honorários dos advogados e às que regulam o gratuito patrocínio[9]; 
  5. ministros do Tribunal que devem ser formados e as iniciativas realizadas localmente quer sobre a formação permanente deles, quer sobre os títulos académicos que esses ministros devem obter; 
  6. questões mais significativas que aconteceram em matéria judicial no Tribunal. No esquema abaixo proposto também se devem referir as sentenças dadas nos processos matrimoniais mais breves diante do Bispo (processus brevior coram Episcopo), o qual exerce por meio de tais sentenças o seu ministério judicial, já que o próprio processo matrimonial mais breve – segundo as normas recentemente promulgadas – está vinculado de modo inextricável ao Tribunal diocesano ou eparquial, interdiocesano ou intereparquial[10]. 

III 

Recebido e examinado o relatório sobre o estado e a actividade do Tribunal, a Assinatura Apostólica exprimirá as suas observações relacionadas com cada um dos Tribunais, enviando-as aos Bispos Moderadores para que, se for caso disso, as estudem, tomem as providências necessárias e, conforme o caso, refiram à Assinatura Apostólica. Enceta-se, assim, um diálogo entre o Bispo Moderador, que é o primeiro garante da recta administração da justiça, e a Assinatura Apostólica, que representa a própria solicitude do Sumo Pontífice na recta administração da justiça. 

As observações acima referidas poderão ainda conter, consoante o caso: louvores, aprovações, recomendações, conselhos, sugestões, persuasões, advertências, exemplos, informações, votos e exortações, tudo o que, numa palavra, pode servir de ajuda ou assistência aos Tribunais, salvaguardando sempre a liberdade dos Juízes nas decisões que devem tomar. 

Através destes relatórios sobre o estado e actividade dos Tribunais, a Assinatura Apostólica pode desempenhar o seu ofício com maior competência, de forma particular considerar mais razoavelmente a concessão de dispensas dos títulos académicos para os ministros dos Tribunais; dar sugestões no que concerne à preparação de normas apropriadas; pedir sentenças ou autos das causas para as submeter a um exame e tutelar, assim, a recta jurisprudência[11]; preparar encontros com os Bispos Moderadores, quer conjuntamente por ocasião das visitas periódicas ad limina, quer individualmente, todas as vezes que for necessário ou parecer útil; favorecer a cooperação entre os Tribunais dispersos pelo mundo em prol dos fiéis; fornecer as informações necessárias ou solicitadas aos Dicastérios da Cúria Romana sobre a existência, a organização e a actividade dos Tribunais. 

A vigilância que o Supremo Tribunal exerce segundo as normas promulgadas, segundo o prudente princípio da subsidiariedade e, sobretudo, segundo a constituição divina da Igreja, realiza-se, habitualmente, através dos Bispos Moderadores. 

Se urge uma intervenção por parte da Assinatura Apostólica – informando sempre do facto os Bispos Moderadores – isso acontecerá, geralmente, quando a intervenção se estender a vários tribunais, ou for pedido pelos próprios Bispos Moderadores, ou enfim, se não puder ser diferida uma sua intervenção. 

Esta acção de vigilância, seja em que forma se concretizar, supõe a cooperação dos Bispos Moderadores e dos ministros dos Tribunais, para o bem dos quais é realizada. 

A comunhão vive-se na comunição e a comunicação serve a comunhão: neste remoto princípio reside a razão de ser do relatório sobre o estado e actividade dos Tribunais. É nosso desejo que estes relatórios possam ser de grande benefício para os Bispos 

Moderadores e para a Assinatura Apostólica no exercício das suas funções. 

Dado em Roma, na Sede do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, dia 30 de Julho de 2016. 

Dominique Card. Mamberti 

Prefeito 

+ Frans Daneels, o.praem. 

Arcebispo tit. de Bita 

Secretário 

+ Giuseppe Sciacca 

Bispo tit. de Fondi 

Secretário adjunto 


[1] Cf. cân. 1445, § 3 CIC; João Paulo II, Constituição apostólica Pastor bonus, 28 de Junho de 1988, arts. 121 e 124, in AAS 80 (1988) 891, 892; Bento XVI, Carta apostólica dada sob motu proprio Antiqua ordinatione, 21 de Junho de 2008, Lex propria do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, arts. 32; 35 e TítuloV: O modo de proceder administrativo, in AAS 100 (2008) 521, 522, 535-538. 

[2] Paulo VI, Constituição apostólica Regimini Ecclesiae universae, 15 de Agosto de 1967, n. 105, in AAS 59 (1967) 921. Quanto ao dever de vigilânciaanteriormente confiadoà Sagrada Congregação da Disciplina dos Sacramentos, cf. Carta circular In Plenariis, 1 de Julho de 1932, in AAS 24 (1932) 272-274; a constituição do ofício de vigilância no mesmo Dicastério, 24 de Maio de 1939. 

[3] Francisco, Carta apostólica dada sob motu proprio Mitis Iudex Dominus Iesus, 15 de Agosto de 2015, proémio, III, in AAS 107 (2015) 959-960; Francisco, Carta apostólica dada sob motu proprio Mitis et misericors Iesus, 15 de Agosto de 2015, proémio, in AAS 107 (2015) 947. 

[4] Cf. Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, Carta circular Visis actis, 24 de Julho de1972; Instrução Dignitas connubii, 25 de Janeiro de 2005, art. 38, § 4; Congregação para os Bispos, Directorium ministerii pastoralis Episcoporum «Apostolorum Successores», 22 de Fevereiro de 2004, ns. 68 e 180. 

[5] Cf., por exemplo, João Paulo II, Allocutio ad Rotae Romanae Tribunal anno iudiciali ineunte, 29 de Janeiro de 2005, n. 4, in AAS 97 (2005) 165. 

[6] Francisco, Carta apostólica dada sob motu proprio Mitis Iudex Dominus Iesus, 15 de Agosto de 2015, proémio, in AAS 107 (2015) 959; cf. também Francisco, Carta apostólica dada sob motu proprio Mitis et misericors Iesus, 15 de Agosto de 2015, proémio: «o qual, em virtude do seu cargo pastoral, é, com Pedro, o maior garante da unidade católica na fé e na disciplina»(AAS 107 [2015] 948). 

[7] Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, Carta circular Inter cetera, 28 de Dezembro de 1970, n. 5, in AAS 63 (1971) 482. 

[8] Cf. Bento XVI, Allocutio ad Plenariam Sessionem Supremi Tribunalis Signaturae Apostolicae, 4 de Fevereiro de 2011, in AAS 103 (2011) 116: «Isto comporta, entre outras coisas, como a Lex propria indica, a colectânea actualizada de informações sobre o estado e a actividade dos tribunais locais, através do relatório anual que cada tribunal deve enviar à Assinatura Apostólica; a organização e a elaboração dos dados que deles derivam; a definição de estratégias para a valorização dos recursos humanos e institucionais nos tribunais locais, assim como o exercício constante da função de orientação dirigida aos Moderadores dos tribunais diocesanos e interdiocesanos, aos quais compete institucionalmente a responsabilidade directa pela administração da justiça. Tratase de uma obra de coordenação e paciente, destinada sobretudo a oferecer aos fiéis uma administração da justiça recta, pronta e eficaz». 

[9] Cf. câns. 1649 CIC e 1334-1336 CCEO. 

[10] Cf. Francisco, Carta apostólica dada sob motu proprio Mitis Iudex Dominus Iesus, 15 de Agosto de 2015, cân. 1676 e art. 19 das Regras de procedimento, in AAS 107 (2015) 962-963, 970; Francisco, Carta apostólica dada sob motu proprio Mitis et misericors Iesus, 15 de Agosto de2015, cân. 1362 e art. 19das Regras de procedimento, in AAS 107 (2015) 950, 957. 

[11] Cf. Bento XVI, Allocutio ad Plenariam Sessionem Supremi Tribunalis Signaturae Apostolicae, 4 de Fevereiro de 2011, in AAS 103 (2011) 117: «A vigilância sobre a recta administração da justiça seria, porém, carente se não compreendesse inclusive a função de tutela da recta jurisprudência (cf. Lex propria, art. 111 § 1). Os instrumentos de conhecimento e intervenção, que a Lex propria e a posição institucional garantem a esta Assinatura Apostólica, permitem um trabalho que, em sinergia com o Tribunal da Rota Romana (cf. Const. Apost. Pastor bonus, art. 126), revela-se providencial para a Igreja. As exortações e as prescrições com as quais esta Assinatura Apostólica acompanha as respostas aos Relatórios anuais dos tribunais locais não raro recomendam aos respectivos Moderadores o conhecimento e a adesão, quer às directrizes propostas nas anuais alocuções pontifícias à Rota Romana, quer à comum jurisprudência rotal sobre aspectos específicos que se revelam urgentes para os tribunais individualmente».