Queridíssimos confrades da SBC. Neste comenos, disserto mui laconicamente sobre a harto equivocada nota da CNBB a propósito da PEC 241. Não vou dizer quase nada! Darei a palavra ao meu querido amigo, subprocurador da república, dr. Jacobina, que se expressa logo abaixo (entre aspas).   

Desejo, todavia, deixar claro que todas as minhas convicções transmitidas, sem respeito humano, neste foro democrático dos canonistas, sempre com argumentação ad rem (jamais ad hominem), surdem como corolário do amor imane que nutro pela santa madre Igreja católica, fundada por nosso Senhor Jesus Cristo. É só isso que me move! Ajo, outrossim, juridicamente arrimado na chamada “cidadania eclesial”, que me outorga o direito de comunicar meu pensamento, com toda caridade, aos bispos e aos católicos correntes (cf. cânon 212, §3.o do Codex Iuris Canonici). 

No meu modo de ver, a nota da CNBB vai de encontro ao ensinamento do Concílio Vaticano II e a tantos documentos dos recentes vigários de Cristo, porquanto é defeso à hierarquia emitir pareceres relativamente a assuntos opináveis. Cabe aos leigos este mister! Os pastores, ao lume da doutrina social da Igreja, têm de externar os princípios éticos gerais. É competência dos leigos, e não dos prelados, exarar soluções técnicas específicas. Demais, o pensamento dos membros do conselho permanente da conferência episcopal não reflete, necessariamente, a posição dos mais de 400 bispos acerca do assunto em pauta. Data maxima venia, a nota usurpa o direito dos leigos e dos próprios antístites que discordam dos integrantes do conselho permanente. Os bispos podem e devem se posicionar, por exemplo, contra projetos legislativos que autorizem o aborto ou mesmo contra o casamento entre homossexuais. 

O Catecismo da Igreja Católica esclarece lapidarmente a problemática: “Não cabe aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na organização da vida social. Essa tarefa faz parte da vocação dos fiéis leigos, que agem por própria iniciativa com seus concidadãos. A ação social pode implicar uma pluralidade de caminhos concretos. Terá sempre em vista o bem comum e se conformará com a mensagem evangélica e com a doutrina da Igreja. Cabe aos fiéis leigos animar as realidades temporais com zelo cristão e comportar-se como artesãos da paz e a justiça.” (n.o 2442, grifos meus). 

Não faz muito tempo, outra nota inadequada da CNBB deixava os católicos atônitos. Refiro-me à tese expendida pelo egrégio sodalício episcopal (parcela dele) contrária à redução da maioridade para os crimes. Sem ao menos explicar aos leigos que aquela nota não era moralmente vinculante, o conselho permanente, em temática discutível e opinável, se punha veementemente contrário à redução da maioridade penal, tema que admite variegadas interpretações e alternativas concorrentemente válidas do ponto de vista da moral católica. 

E. L. Sampel 

(Associado) 

“A autoridade de um pronunciamento político da CNBB 28/10/2016”  

Paulo Vasconcelos Jacobina (subprocurador da república) 

Quando o Magistério se pronuncia, sobre assuntos de fé e de moral – mesmo de moral social, é variável o grau de assentimento dos fiéis. Não quero discutir aqui quais são estes raus, nem sequer em que situação se empenham. 

Mas quero falar da nota política que a CNBB lançou ontem, sobre o projeto de emenda à Constituição chamado de “PEC do teto”. A nota inicia citando São João Crisóstomo, e em seguida se manifesta firmemente contra o projeto, clamando a lutar pela sua não aprovação. Alega que os critérios usados para limitar os gastos em educação e saúde não limitam os gastos com juros, o que sobrecarrega os mais pobres com o sacrifício para reequilibrar as contas do país. 

Esta posição coincide, de cima a baixo, com a posição dos mesmos partidos de esquerda, recentemente apeados do poder, que levaram o país ao descalabro financeiro que gerou a crise de desemprego que atingiu tão duramente os mais pobres. A nota escamoteia ainda o fato de que juros são fixados pelo mercado, e que despesas são fixadas pelo governo – e portanto não podem ter mesmo tratamento igual num projeto assim. Todo raciocínio se baseia em meias verdades e em falácias, já que não explica, com fundamentos econômicos, nem quais seriam exatamente as consequências na educação e na saúde, nem faz uma proposta alternativa para reestruturar as contas do governo. 

A nota não surge de uma postura de prudência. Empenhar a instituição “CNBB” com uma posição que nem de longe representa a reflexão dos leigos católicos mais qualificados, em matéria de política, finanças públicas e economia, num momento de profunda crise nacional, e em realidade temporal, opinável e contingente, constrange a maior parte dos leigos católicos. Usar o nome dos mais pobres, citando padres da Igreja, para manifestar a posição de um grupo de partidos de esquerda, ignorando a leitura dos melhores economistas leigos de que o equilíbrio das finanças é essencial para a recuperação destes mesmos pobres não é reafirmar nem a doutrina social da Igreja, nem o amor pelos pobres, mas apenas expressar preferência partidária. 

A prudência exigiria que os Bispos, mesmo quando agem como uma ONG civil a mais, ouvissem o laicato – não somente a parte do laicato que instrumentaliza os pobres para seus próprios fins políticos - em matéria secular e opinável. Portanto, parece bem claro que a autoridade da nota não é eclesial; é uma autoridade de ONG, e expressa apenas a opção partidária dos Bispos brasileiros, como cidadãos e eleitores, no jogo político pátrio. Não traz, portanto, nenhuma obrigação de submissão religiosa, mas apenas o respeito devido a qualquer ONG no jogo partidário. Somente empenha os próprios Bispos como categoria sociológica. 

Não se pode negar, no entanto, que o coração dos leigos fica destroçado quando a CNBB faz duas coisas que o Papa Francisco já alertou como inconvenientes – 1) faz prevalecer sua própria opinião com se fosse vinculativa para o leigo, consolidando uma postura “clericalista” de superioridade opinativa, como se os leigos fossem meros vassalos e delegados dos clérigos, sem cuidar da necessária autonomia das realidades temporais (o que o Papa chamou de “clericalismo latino-americano, aqui: https://pt.zenit.org/articles/o-papa-denuncia-o-clericalismo-e-a-criacao-de-uma-elite-laical/), e 2) Posiciona-se no mundo partidário como uma ONG, o que o Papa Francisco já advertiu como inconveniente aqui: http://papa.cancaonova.com/francsco-destaca-que-a-igreja-e-uma-historia-de-amor-nao-uma-ong/ 

É sempre bom ver os bispos preocupados com os problemas políticos. Isto foi essencial, por exemplo, na Venezuela falida e dominada. Mas a prudência é sempre necessária, para evitar que, de tanto gritar apressadamente “é o lobo”, os nossos clérigos não acabem com a credibilidade do menino Pedro naquela famosa fábula.”