Dentro do Vaticano, não a chamem de língua morta. É verdade, a língua de Cícero praticamente não é mais falada, e estão distantes os tempos em que, no Concílio, bispos de todas as partes do mundo tomavam a palavra usando o latim.

Mas um escritório da Santa Sé continua atualizando o léxico, compondo neologismos que os antigos romanos e os antigos cristãos não conheciam, para poder traduzir as encíclicas e os documentos papais.

A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no jornal Il Giornale, 17-12-2009.

Isso aconteceu também com a nova encíclica social de Bento XVI, "Caritas in Veritate", que foi publicada em julho passado (com texto original em italiano) e agora traduzida ao latim. A revista La Civiltà Cattolica, importante publicação dos jesuítas, aborda isso analisando a qualidade do texto em latim da carta papal, dedicada às emergências sociais, ao desenvolvimento e à crise econômico-financeira.

Percorrendo o documento, encontram-se principalmente termos hoje muito difundidos que são idênticos ou quase idênticos em latim e em italiano, por exemplo crisis, que também é traduzido com as variáveis angustia, difficultas, discrimen. Outros termos não encontrados no latim clássico e julgados "discutíveis" pela revista são, por exemplo, delocalizatio, anticonceptio, sterilizatio. Para a La Civiltà Cattolica, ao invés, parecem mais aceitáveis expressões formadas com perífrases, como "fanatico furor" (fanatismo), "plenior libertas" (liberalização), "absolutum reddere" (absolutizar).

Na encíclica em latim, existem depois vocábulos que não têm um correspondente preciso em latim, mas que podem ser traduzidos com termos latinos de significado análogo, como por exemplo "operis vacatio" (desemprego), "operis subvacatio" (subemprego) ou "natorum imminuitio" (desnatalidade).

Encontram-se ainda expressões modernas com um correspondente em latim de significado afim formadas por substantivos e adjetivos, como "consociationes inter se oppositae" (blocos contrapostos)

Outras curiosidades: a expressão "fontes alterius generis" foi traduzida do original "fontes alternativas", enquanto a "visão produtivista" foi traduzida por "sensus productionis". "Fontes energiae qui non renovantur" são os "recursos energéticos não renováveis", e "bona quae omittere non licet", os "valores irrenunciáveis".

Causa uma particular curiosidade, enfim, segundo a revistas dos jesuítas, o uso de termos latinos muito raros como os adjetivos meracus (puro) e ergolabicus (do substantivo ergolabus, empreendedor), que aparecem em "meracus mercatus" (mercado em estado puro) ou "ergolabica actio" (vida empresarial).

Entre os termos mais usados, está globalizatio (globalização), palavra que não existe no latim clássico, mas que é construída a partir de globus