Autor: Pe. Dr. José Donisete

* Este artigo faz parte da TESE de DOUTORADO intitulada

O Sacramento do Matrimonio segundo o Cânon 1055, § 1 e
sua Aplicabilidade Pastoral no Brasil.

As mudanças que vêm acontecendo em quase todas as sociedades modernas exigem que não só a família, como também a sociedade e a Igreja se comprometam no esforço de preparar convenientemente os jovens para as responsabilidades de seu futuro[1].

Para que isto aconteça é necessário uma preparação ao matrimônio dentro das diretrizes de uma pastoral matrimonial e fundamentada nos textos do magistério[2].

A preparação para o matrimônio se concebe de forma ordinária e extraordinária as quais devem englobar os diferentes elementos que as configuram neste projeto, no qual toda atuação eclesial é fundamentalmente pastoral, por isso é preciso distinguir, ao preparar, as diferentes atuações previstas para que o matrimônio se realize e se celebre digna e frutuosamente.

A forma essencial para a validade do matrimônio consiste na presença ativa do Ordinário, do Pároco ou de um delegado deles (o qual pode ser sacerdote, diácono e inclusive leigos segundo uma ultima inovação instruída pelo CIC de 83), de uma parte, e na presença de duas testemunhas, de outra. Junto a esta forma ordinária, o regulamento atende também os casos de urgência ou necessidade onde estão impossibilitados de cumprir esta forma, prevendo a validade do matrimônio celebrado só na presença de duas testemunhas, regulamentando a forma extraordinária da celebração[3].

O Sínodo dos Bispos de 1980 e a Exortação apostólica Familiaris Consortio[4], sublinham a importância da preparação prévia à celebração do matrimônio.

O cânone 1063 estabelece uma obrigação de prestar aos fieis a assistência para que o estado matrimonial se mantenha no espírito cristão e progrida para a perfeição.

O autor R. L. Cifuentes afirma que: «Existe uma obrigação dos pastores de dar um direito correspondente aos fiéis de receber a assistência pastoral. Entretanto, a falta deste preparo pastoral não representa um impedimento para contrair o matrimônio nem faculta a autoridade eclesiástica a obstruir o direito de casar. A esta conclusão se chega através do ius connubii (can. 1058), que outorga o direito de casar àqueles a quem a lei não o proíbe; e também da norma geral estabelecida no can. 10, que só considera invalidante ou inabilitante as leis em que expressamente se indique esse caráter»[5].

Por outro lado, a Familiaris Consortio, precedente do Código neste cânone, indica que: “Muito embora o caráter de necessidade e de obrigatoriedade da preparação imediata não seja de menosprezar-se, o que aconteceria se concedesse facilmente a dispensa, todavia, tal preparação deve ser sempre proposta e realizada de modo que a sua eventual omissão não seja um impedimento à celebração do matrimônio”[6].

O autor Fornés, muito oportunamente adverte que: «o esforço pastoral para formar os noivos é absolutamente necessário e louvável por todos os motivos; mas há de tornar-se compatível»[7].

É importante destacar que nesta matéria, o Código dá amplas faculdades às Conferências Episcopais e aos Bispos diocesanos, para que em cada lugar se organize coerentemente a pastoral pré-matrimonial de acordo com as possibilidades concretas, em união e em comunhão com as Igrejas mais próximas e com a Igreja Universal.

1 - Etapas de Preparação ao Matrimônio

É de singular importância à preparação para o matrimônio, como já ensinava Pio XII na Encíclica Casti Connubii, dizendo que uma boa preparação é o resultado fundamental de uma união feliz[8].

A preparação para o matrimônio e a vida familiar é um processo abrangente e globalizante, não podendo reduzir-se apenas ao tempo que precede imediatamente à celebração do matrimônio, e que, não obstante, há de ser um tempo forte e especial de preparação[9].

A preparação ao matrimônio deve abrir-se a uma perspectiva mais ampla entre os batizados como uma vocação cristã especifica, que não só contraem valida e legalmente, mas se abrem à graça especifica do sacramento[10].

As etapas preparatórias à celebração do matrimônio são importantes porque compreendem normas a cerca da relevância jurídica da promessa do matrimônio de maneira que venham garantidas as condições de legalidade e validade requerida para a celebração do matrimônio canônico[11].

Os pastores devem adquirir uma adequada competência na questão matrimonial (sobretudo jurídica) para ajudar amorosamente a vocação do casal, na sua vida conjugal e familiar, com os vários meios pastorais como através da Equipe da Pastoral Matrimonial[12]. No discurso inaugural do ano judiciário para os Oficiais e Advogados do Tribunal da Rota Romana em 1999, o Pontífice João Paulo II sublinha «la grave responsabilità che incombe ai Pastori della Chiesa di Dio di curare una adeguata e seria preparazione dei fidanzati al matrimonio: solo così, infatti, si possono suscitare nell’animo di coloro che si apprestano a celebrare le nozze le condizioni intellettuali, morali e spirituali, necessarie per realizzare la realtà naturale e sacramentale del matrimonio»[13].

A finalidade desta preparação pastoral pré-matrimonial não pode limitar-se a um mero enfoque negativo, ou a completar algumas formalidades nas semanas que antecede o casamento. É necessária uma catequese orientada à atualização da fé, à preparação consciente do matrimônio. Diz o Pontifício Conselho para a Família que esta preparação não pode reduzir a uma mera informação sobre o que é o matrimônio para a Igreja, mas deve ser um verdadeiro caminho de formação das pessoas, fundamentado na educação e na fé e na educação das virtudes[14].

1.1 - Preparação Remota

A preparação remota como diz o cânone 1063, § 1, se inicia na infância, na adolescência e desenvolve, sobretudo na família, e também na escola e nos grupos de formação como uma ajuda válida.

A Exortação Apostólica Familiaris Consortio diz que a preparação remota tem inicio desde a infância, naquela sábia pedagogia familiar orientada, a conduzir as crianças a descobrirem-se a si mesmas como seres dotados de uma rica e complexa psicologia e de uma personalidade particular com as forças e fragilidades próprias[15].

É na família, a Igreja domestica[16], que os pais cristãos são as primeiras testemunhas e formadores dos filhos ao longo do seu crescimento na “fé-esperança-caridade”, seja na escolha da própria vocação deles[17] e neste sentido os pais mesmo têm necessidade de adequar-se e ajudá-los.

Em linhas gerais, considera-se como preparação para o matrimônio tudo o que contribui à maturidade da pessoa.

1. 2 - Preparação próxima

A preparação próxima desenvolve-se durante o período de namoro, com cursos específicos, a qual concentra-se nos últimos meses do namoro através de encontros entre os namorados e a equipe de preparação do matrimônio, levando os jovens namorados a descobrirem o amadurecimento dos valores humano que são próprios do relacionamento da amizade que caracteriza o namoro. Esta preparação certamente prevê que os namorados terão elementos fundamentais de caráter, psicológico, pedagógico, legal e médico, concernente ao matrimônio e a família. Especialmente quando se trata da doação total e da procriação responsável, a formação teológica e moral deverá ter um particular aprofundamento. Portanto, o amor conjugal é amor total exclusivo e fecundo[18].

O programa de preparação para os namorados compreende uma recuperação dos sacramentos com um papel particular dos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia[19]. Estimulados a aprofundar os problemas da sexualidade conjugal, que são inerentes e usados para adquirir métodos adequados na educação dos filhos e, ao mesmo tempo, terem elementos básicos para uma difusão ordenada da família[20].

O Pontifício Conselho para a Família, quando fala da preparação para o matrimônio, diz que estes cursos não devem ser breves ou reduzidos a uma mera formalidade, mas deveriam ser um tempo de preparação significativa com uma série de temas e questões importantes sobre o matrimônio[21].

Esta preparação, na atual circunstância em que vivem os nubentes, é preciso formá-los nos valores que concernem à defesa da vida. De tal modo, que eles tornarão a Igreja domestica, “Santuário da vida”[22], e terão parte do novo titulo do povo da vida e pela vida. Esses poderão um dia, contribuir com a vida das novas famílias a criar e a desenvolver a cultura da vida respeitando e acolhendo, no interior do seu amor, a nova vida como testemunha e expressão do anuncio, da celebração a serviço para cada vida[23].

1.3 - Preparação imediata[24]

A finalidade da preparação imediata pode consistir nos seguintes pontos: 1) – Uma síntese do programa do itinerário precedente especialmente nos conteúdos doutrinais, morais e espirituais, suprindo assim as eventuais carências da formação de base; 2) – Realizar experiências de orações (retiros espirituais, encontros para os nubentes) onde possam descobrir a profundidade e a beleza da vida sobrenatural; 3) – Realizar uma côngrua preparação litúrgica que preveja também a participação ativa dos nubentes, buscando especialmente o sacramento da Reconciliação; 4) – Valorizar, os conhecimentos de cada um mais profundamente, nos colóquios com o padre.

Esta finalidade se conseguirá com encontros especiais em um modo mais intensivo nos meses e semanas precedentes à cerimônia do casamento. O cânone 1063, § 2, diz que esta preparação deve ser pessoal, com a qual os noivos se disponham para a santidade e deveres do seu novo estado de vida.

A preparação dos namorados seja acompanhada da sincera e profunda devoção a Maria, Mãe da Igreja, Rainha da família; os mesmos namorados sejam educados a saber e acolher que a presença de Maria é ativa como na Grande Igreja, assim na família, Igreja Domestica; sejam educados a imitarem Maria nas suas virtudes. Assim a Sagrada Família, isto é, o lar de Maria, José e Jesus farão descobrir nos namorados “como é doce e insubstituível a educação na família”[25].

2 - Atuação Prévia ou Cautelar

Trata-se de uma serie de medidas cautelares ou atuações prévias, que têm de complementar com medida precedente à celebração e que têm por finalidade a constância de que os noivos são juridicamente aptos para a celebração e, da conseqüente celebração válida e lícita do matrimônio que procede. Neste sentido se estabelece com caráter inevitável. Antequam matrimonium celebretur, constare debet nihil eius validade ac licitae celebrationi obsistere. (can. 1066). Hortal ao comentar este cânone diz:

«A fim de comprovar que nada se opõe ao matrimônio, instrui-se o processo de habilitação matrimonial. Ele tem uma tríplice finalidade: a) recolher os dados pessoais dos nubentes e averiguar claramente a ausência de impedimentos; b) adquirir certeza moral sobre a liberdade do consentimento que os nubentes deverão prestar; c) verificar e, se for necessário, suprir o grau de instrução suficiente dos noivos acerca da doutrina católica sobre o matrimônio».[26] E Instruir o processo corresponde ao pároco habilitado a assistir ao matrimônio no teor do can. 1115.

O CIC de 83 simplificou notavelmente esta matéria, encarregando o Direito particular, concretamente às Conferências Episcopais, a regulamentação dos diversos instrumentos a partir daí que se chegue à certeza inevitável de que nada se opõe à celebração (cânon 1067). A CNBB estabeleceu normas claras na Legislação Complementar ao CIC sobre o exame dos noivos, sobre os proclamas matrimoniais e outros meios oportunos para se fazerem às investigações que são necessárias antes do matrimônio, e assim, tudo observado, possa o pároco proceder à assistência do matrimônio[27].

3 - A Pastoral pós-matrimonial

Nos seus ensinamentos o Pontífice João Paulo II diz que a pastoral pos-matrimonial busca envolver todos os membros da comunidade eclesial local em ajudar o casal a descobrir e a viver a sua nova vocação e missão. Para que a família se transforme numa verdadeira comunidade de amor, é necessário que todos os membros sejam ajudados e formados para as responsabilidades próprias diante dos novos problemas que se apresentam, para o serviço recíproco, para a co-participação ativa na vida da família.

Isto vale, sobretudo, para as famílias jovens, as quais, encontrando-se num contexto de novos valores e de novas responsabilidades, estão mais expostas, especialmente nos primeiros anos de matrimônio, a eventuais dificuldades, como as criadas pela adaptação à vida comum ou pelo nascimento dos filhos. Os jovens cônjuges saibam acolher cordialmente e inteligentemente valorizar as ajudas discretas, delicadas e generosas de outros casais, que já há tempo fazem a mesma experiência do matrimônio e da família[28].

Nos ensinamentos do Concilio Vaticano II e dos Sumo Pontífices, o matrimônio cristão é um caminho de perfeição e santidade para os casais e para a família. Assim expressa a constituição Gaudium et Spes cuius virtute munus suum coniugale et familiare explentes, spiritu Christi imbuti, quo tota eorum vita, fide, spe et caritate pervaditur, magis ac magis ad propriam suam perfectionem mutuamque sanctificationem, ideoque communiter ad Dei glorificationem accedunt[29]. O mesmo ideal e a mesma vocação é recordada na Exortação Apostólica Familiaris Consortio quando diz que no âmbito da vida moral, os casais são chamados a um continuo caminhar, sustentados pelo desejo sincero e operante de conhecer sempre melhor o valor que a lei divina guarda e promove pela vontade reta e generosa de os encarnar nas suas decisões concretas... Todos os cônjuges são chamados, segundo o plano de Deus, à santidade no matrimônio e esta alta vocação realiza-se na medida em que a pessoa humana está em grau de responder ao mandato divino, com espírito sereno, confiando na graça divina e na vontade própria[30].



[1] Cf. T. Rincon-Pérez, Comentário Exegético al Código..., 1110.

[2] Cf. Ioannes Paulus PII, Familiaris Consortio 22 novembris 1981, in: AAS, 74 (1982) 81-191.

[3] Cf. F. R. Aznar Gil, «La revisión de la forma canónica del matrimonio en el Concilio Vaticano II», in REDC (1982) 507-534, y «La forma matrimonial en la jurisprudencia (década 1967-1977)», in: REDC, 36 (1980) 163-192; R. Navarro, «La forma jurídica del matrimonio en el nuevo Código de Derecho canonico», in REDC, 39 (1983) 489-505; A. Vitale, «La forma della celebrazione», in Matrimonio canonico fra tradizione e rinnovamento, Bologna, 1985, 217-239.

[4] Ioannes Paulus PII, “Adh. Apost. Familiaris Consortio”, nn.65-76; “As 43 Proposições do Sínodo dos Bispos sobre a Família”, in: Ecclesia, 18-25 de julio de 1981, 8-23.

[5] R. Llano Cifuentes, Novo Direito matrimonial canônico…, 171.

[6] Ioannes Paulus PII, “Adh. Apost. Familiaris Consortio”, n. 66.

[7] J. Fornés, “ y preparación para el sacramento del matrimonio..., 739 e comentarios al can. 1063 do Código de Derecho Canónico da Universidad de Navarra.

[8] Pius XII, “Litt. encyc. Casti connubii”, n.116.

[9] Cf. CNBB, Orientações pastorais sobre..., 4.

[10] Cf. T. Rincon-Pérez, Comentario Exegético al Código..., 1110-1116.

[11] Cf. L. Sabbarese, Il Matrimonio Canonico nell`ordine della Natura…, 164.

[12] Cf. CNBB, Em Favor da Família, Doc. 3, nn. 48-57, São Paulo, 1975, 31-34.

[13] Ioannes Paulus II, “Discorso ad Officiali e ad Avvocati del Tribunale della Rota Romana in occasione dell’inaugurazione dell’anno giudiziario”, 21 gennaio 1999, n. 7, in: L’Osservatore Romano, 22 gennaio 1999, 5; in: AAS 91 (1999) 627, n 7.

[14] Consejo Pontifício para la Familia, “Familia matrimonio y «uniones de hecho»”, 26 julio 2000, n. 42, in: Ecclesia, 2 de diciembre de 2000, 1854-1870.

[15] FC, n. 66.

[16] FC, n. 49.

[17] Ioannes Paulus II, “Litt. Familiis datae Gratissimam sane”, 2 februarii 1994, in: AAS 86 (1994) 868-925.

[18] Cf. Paulus VI, “Litt. Enc. Humanae Vitae”, 9.

[19] HV, n. 93.

[20] Cf. L. Chiappetta, Il Códice di Diritto Canônico vol II…, 272, n. 3792; L. Chiappetta, Il matrimonio…, 64, n. 173.

[21] Consiglio Pontificio per la Famiglia. Famiglia matrimonio y…, nn. 2-49.

[22] HV, nn. 92-93.

[23] HV, nn. 83-84, 86, 93.

[24] R. Llano Cifuentes, Novo Direito matrimonial canônico…, 172; L. Chiappetta, Il Códice di Diritto Canônico…, 273, n. 3793, F. R. Aznar Gil, Derecho Matrimonial Canónico, vol I..., 232; Ioannes Paulus II, “Adh. Apost. Familiaris Consortio”, n. 66.

[25] Cf. Paulus VI, “Discurso a Nazareth”, em 5 de Janeiro de 1964, in Insegnamenti di Paolo VI, vol 2, Tipografia Poliglotta Vaticana, 1964, 23-26.

[26] Cf. J. Hortal, Comentário ao Codex Iuris Canonici..., 472.

[27] Cf. CNBB – «Legislação complementar ao Código de Direito Canônico», in Código de Direito Canônico, São Paulo, 19872, 760-761. Veja também, E. Rubio, «El matrimonio en forma religiosa non católica», in: IC, 14 (1974) 133-166.

[28] Ioannes Paulus II, “Adh. Apost. Familiaris Consortio”, n. 69, 1-2.

[29] GS, n. 48, 2. O casal exercendo seu múnus conjugal e familiar em virtude desse sacramento, imbuídos do Espírito Santo de Cristo que lhes impregna toda a vida com a , a esperança e a caridade, aproxima-se cada vez mais de sua própria perfeição e mutua santificação e, assim unidos, contribuem para a glorificação de Deus.

[30] FC, n.34, 3-4.