Autor: Pe. Dr. José Donisete

* Este artigo faz parte da TESE de DOUTORADO intitulada

O Sacramento do Matrimonio segundo o Cânon 1055, § 1 e sua Aplicabilidade Pastoral no Brasil.

A ação Pastoral no Brasil situa-se no processo de planejamento iniciado em 1962 com o Plano de Emergência[1].

O papel essencial na formação da nova mentalidade pastoral, especialmente pela introdução de uma nova sistemática em termos de planejamento e de colegialidade, deve ser atribuído às atividades da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tanto em nível nacional como regional, e particularmente no "Plano de Pastoral de Conjunto" e "Planos Bienais" da CNBB no processo de renovação pastoral estão suas Assembléias (oito entre 1965 e 1974, contra seis entre 1953 e 1964), seus documentos e suas inúmeras atividades nacionais, enquanto os Secretariados Regionais vem estendendo aos vários níveis eclesiais e revelando-se instrumento qualificado e o seu quadro de referencia é o conjunto das seis linhas ou dimensões da ação Pastoral que são, em sua totalidade e integração recíproca, o elemento constitutivo da vida cristã pessoal e comunitária: A Dimensão Comunitária e Participativa; Missionária; Catequética; Litúrgica; Ecumênica e de Diálogo Religioso; Profética e Transformadora. Essas linhas ou dimensões se concretizam em realidades humanas, históricas e bem definidas, que constituem as situações pastorais.

Em vista dos desafios da ação Pastoral em ser coerente com o espírito de comunhão e co-responsabilidade, no papel decisivo em promover e organizar a evangelização de adultos, tendo em vista na educação permanente da fé. Ao longo de sua historia, a CNBB em quase todos os seus documentos apresenta o binômio: família-matrimônio, como aquela preocupação do pastor com seu rebanho, trazendo presente sempre um aspecto ou outro sobre a realidade familiar e matrimonial nos diversos documentos publicados.

Destacamos dois documentos fundamentais: o primeiro é o n° 12 as Orientações Pastorais sobre o Matrimônio, publicado em 1978. O segundo de 2004, a 42ª Assembléia da CNBB aprovou o Diretório da Pastoral Familiar. A Conferencia Episcopal quis, dessa forma, afirmar a missão que é própria dos bispos, no que se refere à família: fazer com que sejam sustentados e defendidos os valores do matrimônio na sociedade civil, através de justas decisões políticas e econômicas; no âmbito da comunidade cristã, incentivar e orientar a preparação adequada para o matrimônio cristão e para a vida familiar[2].

A promoção da família deve estender-se desde a preocupação com a preparação remota, próxima, e imediata para o matrimônio até o acompanhamento da vida familiar em todas as suas dimensões[3].

A evangelização de adultos entre as atividades propostas se desenvolve a preparação próxima para o sacramento do matrimônio e o acompanhamento pós-matrimonial[4].

A preparação para o matrimônio e a vida familiar é um processo abrangente e globalizante.. Daí a necessidade de distinguir-se uma preparação remota e uma preparação próxima e imediata (temas que serão tratados no item três deste capitulo).

Sustentada assim pela participação orgânica de todos os seus membros, a ação pastoral da Igreja no Brasil, voltada para o serviço do matrimônio e da família, oferece algumas orientações práticas que ilumina a ação das comunidades eclesiais. A evangelização do matrimônio e da família é missão de toda a Igreja, na qual todos os fiéis devem cooperar segundo as próprias condições e vocações[5].

1.1 - Um problema pastoral: a "falta de fé" dos nubentes

Um grave problema pastoral diz respeito à admissão ao sacramento do matrimônio daqueles batizados que, embora declarem não ter fé, pedem o casamento religioso. A Igreja aceita a celebração do sacramento, na esperança de que a vida comum no matrimônio, sustentada pela graça sacramental e pelo testemunho do cônjuge que tem fé, possa ajudar o outro a reencontrar a fé e nela crescer (1Pd 3,1-2). E está profundamente convencida de que só à luz do Evangelho encontra plena realização e esperança que o ser humano põe legitimamente no matrimônio e na família.

Potissimum autem ea ad iuvenes converitur, qui matrimonium sunt inituri familianque condituri, ea mente ut is novos veluti prospectus patefaciat iisque auxilietur ad detegendam pulchritudinem et magnitudinem vocationis ad amorem ac ministerium vitae pertinentis[6].

De qualquer forma, é de se evitar tanto a recusa imediata quanto a fácil aceitação da celebração do sacramento, em todos os casos em que haja dúvida sobre a fé dos que pedem o casamento religioso. A Igreja não é nem instituição burocrática nem comunidade de perfeitos. Sua pastoral exige uma atitude de compreensão, de diálogo e de evangelização, instando com os noivos a participarem efetivamente da vida da comunidade. O próprio pedido do sacramento será uma oportunidade precisa de evangelização e catequese.

Cada homem e cada mulher são chamados, est per gratiam ad Foedus cum suo Creatore vocatus, ad Illi fidei et amoris offerendum responsum quod nullus alius suo loco praebere potest[7], e com suas diferenças e semelhanças, mas com igual dignidade. Deus criou-os à sua imagem e semelhança (Gn 1, 16-27), in vitam excitans eum ex amore simul destinavit illum ad amorem[8], solus homo capax est suum Creatorem cognoscendi et amandi in terris sola creatura est quam Deus propter seipsam voluerit solus ille est vocatus ad vitam Dei, cognitione et amore, participandam[9].

A imagem de Deus impressa no ser humano é a imagem de Deus-Trindade, que é essencialmente comunhão. Comunhão de amor, da qual o ser humano é chamado a participar. O amor é, portanto, a fundamental e originaria vocação do ser humano. A unidade na Trindade é unidade de comunhão. O homem e a mulher são chamados a viver essa unidade numa comunhão de amor, por meio do dom sincero de si mesmos. Contudo, há uma diferença profundamente constitutiva entre os dois. Essa conduz, no amor que os enlaça, à harmonia de uma perfeita e feliz unidade esponsal. E, leva-os à plena realização de seu plano de amor, saciando os seus anseios mais profundos. Deus ama incondicionalmente, porque Deus é amor (Jo 4, 8, 16).

Quando houver "falta de fé" dos dois nubentes, claramente explicitada pela recusa da sacramentalidade do casamento, nem os nubentes tem o direito de insistir no pedido da celebração do sacramento, que seria inválido, nem poderá o padre admitir tal celebração. Por isso os noivos são convidados a esperar para que possam amadurecer o conhecimento mútuo e a seriedade do seu compromisso: que não se precipitem, que submetam essa decisão tão séria a uma refletida ponderação[10].

Afinal, o sacramento do Matrimônio é o sacramento do amor de Cristo pela sua esposa, a Igreja. Ele dará aos cônjuges a graça e a força suficientes para superar todas as dificuldades e problemas. Cristo é a própria força unitiva do casal: quando se colocam os meios humanos necessários, Ele nunca permitirá o naufrágio da união matrimonial[11].

Por outro lado, se as disposições dos nubentes não impedem a válida recepção do sacramento, o padre não lho poderá recusar, ainda que duvide de uma recepção proveitosa por parte deles, a quem terá procurado esclarecer a respeito da responsabilidade que assumem, no intuito de abri-los a uma recepção mais plena da graça sacramental[12] de que o matrimônio é irrevogável e para sempre. É um itinerário de santificação a dois que se perpetuará até a felicidade eterna. Os contraentes não se aceitam apenas um ao outro para formar uma comunidade de vida qualquer, mas prestam a sua adesão a uma comunhão de vida e de amor, que possui uma característica imutável: a indissolubilidade[13].

A evangelização e a catequese de todos os que se preparam para o matrimônio cristão é fundamental. O sacramento seja celebrado e vivido com as devidas disposições humanas, morais e espirituais. E tal preparação, é um processo abrangente de educação permanente para o amor, assumido e santificado pelo sacramento do matrimônio[14].

1.2 - Matrimônios mistos

Por matrimônio misto entendemos aqui, em sentido estrito, o "matrimônio entre duas pessoas batizadas, das quais uma seja católica e a outra não-católica". A Igreja dá especial atenção a esses matrimônios mistos, pois «aqueles que acreditam em Cristo e recebem devidamente o Batismo, constituídos numa comunhão, embora imperfeita, com a Igreja Católica»[15].

Ao aplicar os princípios ecumênicos do Concílio Vaticano II, a Igreja modificou a disciplina estabelecida pelo CIC com relação aos matrimônios mistos. A disciplina é regida pela instrução "Matrimonii Sacramentum" da Congregação para a Doutrina da Fé[16]; pelo decreto "Crescens Matrimoniorum" da Sagrada Congregação para a Igreja Oriental[17]; e pelo motu próprio "Matrimonia Mixta" de Paulo VI[18]; complementados para o Brasil pelas Normas complementares da CNBB[19].

Nas “Dioceses ou Regiões, onde for o caso, promovam também entendimentos com as direções de outras Igrejas ou Confissões Religiosas sobre uma pastoral conjunta dos casamentos mistos e sobre outras providências cabíveis”[20].

A Igreja, no Brasil, sempre determinou que o casamento religioso, quando celebrado sem efeitos civis, fosse precedido ou, oportunamente, seguido do contrato civil, para a garantia de guarda dos efeitos legais, em favor dos cônjuges e sua prole[21].

A vida conjugal e familiar, não está isenta de dificuldades. A força do matrimônio e dos outros sacramentos e uma forte espiritualidade conjugal e familiar, com o apoio da comunidade cristã ajudam o casal e a família a superarem, na fé, as várias situações de conflito, de dificuldades na educação dos filhos, de tentações de todos os tipos.[22].

A 21ª Assembléia Geral da CNBB em 15 de abril de 1983 determinou que a ação pastoral se organizaria pelas seis linhas ou dimensões.O capítulo referente às linhas ou dimensões é breve e procura insistir na unidade global da ação pastoral, seja qual for à situação em que se aplique o Objetivo Geral.

Cada destaque (Jovens, Comunidades eclesiais de base, Vocações e Ministérios, Famílias, Leigos e Mundo do trabalho) em nível nacional, além da motivação que justifica sua escolha, apresenta uma série de questões, que deverão suscitar novas experiências e atuações pastorais.

Em relação à família foram apresentadas as seguintes questões sobre o matrimônio: 1) - De que maneira acompanhar as famílias que são irregulares em face do sacramento do matrimônio e as famílias incompletas ou desajustadas? Que serviços a essas famílias podem prestar os tribunais eclesiásticos? 2) -Como preparar próxima e remotamente os jovens para o sacramento e a vida matrimonial?[23]

A 24ª Assembléia Geral da CNBB expôs pontos fundamentais para a reflexão e ação dos membros das comunidades, em vista do processo constituinte, destinado a preparar a nova Constituição.

A família tem o direito de reivindicar da sociedade e do Estado, garantias para sua estabilidade e condições para o desempenho de suas funções, especialmente no que se refere à gestação, nascimento, saúde, alimentação e educação dos filhos e escolha de religião[24] .

Após o Sínodo de 1980 sobre a família cristã no mundo de hoje, a Exortação Apostólica Familiaris Consortio ressalta que "o futuro da humanidade passa pela família”[25].

É fundamental encontrar formas novas de apoio à missão da família, para que ela possa viver e crescer na fé e contribuir para a criação de uma nova sociedade, onde sejam realidades concretas a justiça e a fraternidade, sinais da presença do Senhor Ressuscitado[26].

1.3 - Pastoral dos casos difíceis

A Igreja, sabedora de que o bem da sociedade e de si mesma está profundamente ligado ao bem da família, sente de modo mais vivo e veemente a sua missão de proclamar a todos o desígnio de Deus sobre o matrimônio e sobre a família, para lhes assegurar a plena vitalidade e promoção humana, e cristã, contribuindo assim para a renovação da sociedade e do próprio Povo de Deus.

Por isso a pastoral dos casos difíceis, o matrimônio experimental, as uniões livres de fato, os católicos unidos em matrimônio civil, os separados e divorciados sem segunda união, os divorciados que contraem nova união, os sem famílias. Muitas pessoas vivendo o matrimônio experimental, em união livre de fato, ou unidas somente em matrimônio civil, ou são separadas e divorciadas sem segunda união, ou divorciadas e contraem nova união etc. É preciso elaborar linha de Pastoral para estes casos que são numerosos[27].

2 - O Compromisso da Igreja com a Pastoral matrimonial e familiar

Promover a família, hoje, significa também urgir as exigências humanas e evangélicas do amor conjugal, contra os fermentos de dissolução dos laços de fidelidade e indissolubilidade do matrimônio, em contradição com o desígnio do Criador. Na verdade, coniugalis amor secum infert universalitatem, in quam ingrediuntur omnes partes ipsius personae – postulationes corporis et instinctus, vires sensuum et affectuum, desideria spiritus et voluntatis -; spectat ille ad unitatem quam maxime personalem [28].

“Uma responsabilidade particularíssima está confiada à família cristã que, em virtude do sacramento do matrimônio, participa, de modo próprio e original, na missão educativa da Igreja Mestra e Mãe”[29]. As famílias devem ser orientadas e incentivadas a educarem os filhos para uma vida cristã séria. Cultivando os valores autênticos da vida cristã, a família estará abrindo espaços para que seus filhos confrontem seus ideais com o chamado de Jesus[30].

Através dos Sacramentos sinais da comunhão com Deus em Cristo, a Igreja acolhe e abençoa em Cristo o matrimônio, que faz do amor do casal um sinal da aliança com Deus[31].

Na 42ª Assembléia Geral, em 2004 a CNBB aprovou o Diretório da Pastoral Familiar, fruto de um longo trabalho como um novo documento a serviço da ação pastoral, trazendo presentes os pontos tradicionais do ensinamento da Igreja sobre o matrimônio e a família. Busca sustentar os valores do matrimônio e da família na sociedade, para que sejam defendidos, na sociedade civil, através de decisões políticas e econômicas justas. Quis, ao mesmo tempo, incentivar no âmbito da comunidade cristã a adequada preparação dos noivos para o casamento e a progressiva inserção dos jovens casais na mística da vida matrimonial[32]. O sacramento do matrimônio cumpre uma função importantíssima: elevada à ordem da graça, a união conjugal origina a “célula primeira e vital da sociedade”[33] e a fonte perene da vida, que é a família[34].



[1] Cf. CNBB, Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil 1975-1978 Doc. 4. São Paulo, 1975, 12.

[2] Cf. DG, Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil…,52.

[3] Cf. CNBB, Plano Bienal dos Organismos Nacionais 1981-1984 Doc. 29, n 1. São Paulo, 1983, 118.

[4] Cf CNBB, Diretrizes Gerais da Ação Pastoral Da Igreja no Brasil-1975-1978 Doc. 4, n 2.7. São Paulo, 1975, 61.

[5] Cf.CNBB, Orientações Pastorais sobre o Matrimônio, Doc 12 São Paulo, 1978; Diretório da Pastoral Familiar da CNBB. São Paulo, 2005.

[6] FC, n 1.

[7] Catechismus Ecclesiae Catholicae (CIgC), n 357.

[8] FC, n 11.

[9] CIgC..., n 356.

[10] Diretório da Pastoral Familiar n 240.

[11] Ibid, n 243.

[12] Cf. CNBB, Orientações Pastorais sobre... Doc. 12, n° 3. São Paulo, 1978, 18.

[13] Can. 1056.

[14] O., Sheid Eusébio, “Preparação para o Casamento”. Ed. Santuário, 19894.

[15] UR, n 3.

[16] Cf. REB 26, (1966), 416-419.

[17] Cf. REB 27, (1967), 410-411.

[18] Cf. REB 30, (1970), 400-405.

[19] Cf. CNBB, in: Comunicado Mensal 216-217 (1970) 59-60; SEDOC 3, (1970-1971) 625-626.

[20] Cf. CNBB, Normas complementares, n 1.2, in: Comunicado Mensal 216-217 (1970) 59.

[21] Cf. CNBB, Orientações Pastorais..., Doc. 12 n° 5.4.1.n 5.4.1.

[22] Cf. GS, nn. 40-50; Puebla nn. 582; 585; 589 e 639; n 48 e 263. CNBB, Valores Básicos da Vida e da Família. Doc 18, São Paulo, 1980.

[23] Cf. CNBB, Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil 1983-1986. Doc 28, nn. 190 e 197, São Paulo, 1983, 104-105.

[24] Cf. CNBB, Por uma Nova Ordem Constitucional. Declaração Pastoral. Doc 36, n 60, São Paulo, 19867, 24.

[25] Cf. FC, n 85.

[26] Cf. CNBB, Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil 1987-1990. Doc. 38, n 237, São Paulo, 1987, 142.

[27] Cf. CNBB, 10º Plano Bienal dos Organismos Nacionais 1989-1990 Doc. 41, [Programa 9 Pastoral da Família, item c]. São Paulo, 1989; 11°. Plano Bienal dos Organismos Nacionais 1991-1992. Doc. 46, São Paulo, 1991, 157. Diretório da Pastoral Familiar da CNBB, Brasília, 2005, 139-158.

[28] Cf. FC, 13; “o amor conjugal comporta uma totalidade onde entram todos os componentes da pessoa - apelo do corpo e do instinto, força do sentimento e da afetividade, aspiração do espírito e da vontade; - ele visa uma unidade profundamente pessoal”. CIgC 1643; n 176. Ética: Pessoa e Sociedade. 31ª Assembléia Geral Itaicí - SP, 28 de abril a 7 de Maio de 1993 Doc 50 da CNBB.

[29] Cf. PDV, n 41.

[30] Cf. CNBB, Diretrizes Básicas da Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil. Doc 55 n° 34, São Paulo, 1995, 30-31.

[31] Cf LG, n 11; CIgC n 1113-1134; CNBB, Diretrizes Gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil – 2003-2006. Doc 71, n 31, São Paulo, 2003, 26.

[32] Cf CNBB, Diretório da Pastoral Familiar. Doc 79, São Paulo, 20052, 14.

[33] Cf AA, Decreto Apostolicam Actuositatem, n. 11.d.

[34] Cf CNBB, Diretório da Pastoral Familiar da CNBB, n. 247..., 97.