PECADO ORIGINAL:

COM OU SEM CULPA PRÓPRIA?

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Os comentários ao texto publicado na Agência Ecclesia/Opinião, em 8-I-09, confirmam a existência da dupla posição a respeito do pecado original: com ou sem culpa própria. Alguns não tinham consciência da posição oposta, outros não davam muita importância à divergência.

Uns reconhecem que, na mentalidade actual, não se pode aceitar a culpa e a respectiva responsabilidade pelo pecado de um antepassado: uma solidariedade misteriosa não chegaria para o explicar. Outros acham que, não havendo essa solidariedade, também não se explica que todos os homens nasçam com a concupiscência, isto é, a inclinação ao pecado, que é sempre consequência de um pecado. Nesta perspectiva, estes compreendem que os naturalistas afirmem que no homem não há inclinação para o mal, e que todas as inclinações são naturais.

Uns pensam que a criança antes do baptismo não vai necessariamente para o Céu porque não tem a graça de Deus. Vem à memória a antiga doutrina do Limbo, entendido como uma situação de felicidade natural. Mas não é a felicidade sobrenatural, a vida eterna, que Deus quer para todos os homens? Não foi assim que criou Adão e Eva? Impedir essa felicidade a uma criança sem nenhuma culpa da sua parte, não seria um castigo divino sem sentido?

Uns propõem que se distinga a culpa devida ao pecado original (contraído) da culpa devida ao pecado pessoal (cometido). Talvez assim tudo se harmonizasse, dizem. Algum acha que se pode falar de participação na culpa de Adão e Eva. Aliás, todos estão de acordo que o baptismo perdoa o pecado original e os pecados pessoais: se se fala de perdão, é porque existe uma culpa.

Continuamos a manter-nos no debate com argumentos da razão, para evitar que o apaixonamento ofusque o raciocínio. O leitor poderá comentar algum dos argumentos ventilados ou sugerir outros.

Alguns comentários já fazem referência à Tradição e à Sagrada Escritura. Os primeiros recordam que a Tradição da Igreja sempre entendeu o pecado original como a transmissão de uma culpa contraída nas origens, mesmo que seja um mistério; os segundos propõem uma releitura da Sagrada Escritura, diferente da feita pela Tradição, sugerindo que os autores sagrados quer do AT quer do NT não pretendiam ensinar dogmaticamente a existência de uma culpa, mas somente apresentar uma explicação no contexto da cultura do tempo.

Há quem proponha que o dogma do pecado original deva ser reformulado de acordo com a mentalidade actual; outros, pelo contrário, propõem que o dogma tal como foi definido seja exposto tendo em conta a mentalidade actual, de modo a ser mais inteligível.

Em resumo, parece importante esclarecer se existe ou não uma misteriosa mas real solidariedade entre todos os homens e em que medida cada um é responsável pelo bem ou pelo mal de outrem. O problema do pecado original não afecta só a Redenção, mas também a justiça social. De algum modo, responsabilidade pelo pecado e responsabilidade social parecem andar a par.

Viseu, 18-II-09

Pe. Miguel Falcão

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(in Agência Ecclesia, “Opinião”, 18-II-09)