"Esgotou-se o prazo"

  • Jesus lê os fatos com olhos novos, nascidos de Deus

Para Jesus, a prisão de João Batista fez o prazo se esgotar. Fez o kairós de Deus chegar! Isso mostra que Jesus ficava atento aos fatos e aos tempos e os analisava com olhos diferentes. Por isso conseguiu perceber neles a ação de Deus. Esta mesma atitude diante dos fatos verifica-se em várias outras ocasiões. Por exemplo, ele interpela os apóstolos: "Vocês dizem que faltam quatro dias para a colheita. Mas eu digo, levantem os olhos e vejam os campos. Eles estão brancos para a colheita!" (Jo 4,35). E aos fariseus e saduceus ele responde: "Ao pôr-do-sol vocês dizem: ‘Vai fazer bom tempo, porque o céu está vermelho'. E de manhã: ‘ hoje vai chover, porque o céu está vermelho-escuro'. Olhando o céu, vocês sabem prever o tempo, mas não são capazes de interpretar os sinais dos tempos" (Mt 16,2-3; cf Mt 24,32; Lc 12,54-56). A leitura diferente dos fatos ajudou Jesus a perceber a chegada do Reino.

  • Jesus ajuda o povo a ler os fatos com olhos novos

Jesus quer que todos descubram a Boa Nova do Reino. Por isso, percorre o país e convoca o povo. Ele envia doze discípulos (Mt 10,1; Lc 9,1). Mais tarde, envia outros setenta e dois (Lc 10,1). Todos devem levar o mesmo anúncio: "O Reino de Deus chegou!" (Lc 1,9; Mt 10,7). Pois a colheita é grande, os operários são poucos e o tempo urge (Mt 9,35-38).

Jesus ajuda o povo a ler os fatos com os mesmo olhos diferentes: faz refletir a partir do que acontece (Lc 13,1-5); manda estar atento, pois ninguém sabe quando chega hora (Mt 24,42); ajuda o povo para não ser enganado (Mt 24,4.11.26); critica interpretações erradas (Jo 9,2-3).

Através das parábolas procura levar o povo a ter um olhar crítico sobre a realidade do país e sobre a sua prática religiosa. Por exemplo, as parábolas do fariseu e do publicano (Lc 18,9-41), dos dois filhos (Mt 21,28-32), do bom samaritano (Lc 10,29-37). Deste modo, Jesus ajuda o povo a discernir, entro dos fatos, os sinais do reine de Deus que vem chegando.

Nem todos aceitam a interpretação que Jesus faz dos fatos. Os fariseus e os saduceus não sabem ler os sinais dos tempos e o combatem (Mt 16,1-4). Jerusalém e as cidades da Galiléia se fecham (Lc 13,34-35; 10,13-15; 19,42). Os pobres, porém, e os discípulos reconhecem e aceitam a mensagem (Mt 11,25; 13,11).

"O Reino de Deus chegou"

  • A novidade que causa admiração

Naquele tempo, todos esperavam a vinda do Reino de Deus, mas cada um a seu modo. Para os fariseus, o Reino viria quando a observância da Lei de Deus fosse perfeita; para os essênios, quando o país fosse purificado. O povo, orientado pelos escribas e pelos fariseus, esperava a vinda de um messias glorioso. Jesus, porém, já não esperava pela vinda do Reino de Deus. Para ele, o Reino já estava chegando! Esta era a novidade! Qual a análise que Jesus fez para chegar a esta conclusão? Onde estava o Reino de que ele falava? Pois a observância da Lei de Deus ainda não eram perfeita; o país ainda não estava purificado. E não havia nada de glorioso para se poder concluir: "Este é o Reino!". Por isso, os fariseus o questionaram: "Queremos ver um sinal feito por ti!" (MT 12,38; Mc 8,11). Quais os sinais? (Lc 17,20).

Jesus não dá nenhum, sinal nem prova (Mt 12,39-40). Para os outros, a chegada do Reino dependia do esforço que eles mesmos teriam de fazer. Dependia da observância da Lei de Deus, da purificação da terra, ou da luta. Jesus dizia o contrário: "O Reino de Deus não vem como fruto da observância, mas ele já está no meio de vocês!" (Lc 17,20-21). Independentemente do esforce feito. O Reino já tinha chegado! A sua chegada não dependia do esforço humano, mas era pura gratuidade. Esta era uma maneira radicalmente nova de encara a vinda do Reino.

Jesus não diz em que consiste o Reino. Diz apenas que o Reino já chegou. Se já chegou, então o Reino devia estar presente e visível nas coisas que Jesus andava fazendo e dizendo: "Vão dizer a João o que estão vendo e ouvindo: cegos vêem, coxos andam, leprosos são limpos, surdos ouvem, mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados" (Mt 11,5-6). "Se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, então o Reino de Deus já chegou até vocês!" (Lc 11,20).

  • Uma nova leitura da Escritura

Para ajudar o povo a perceber a presença do Reino nele mesmo e nos fatos, Jesus usava a Bíblia e a interpretava de maneira nova. A experiência que ele tinha e Deus lhe dava olhos novos pra entender melhor a ação de Deus no passado e era nele uma luz para iluminar o sentido da Escritura. Assim, iluminada pela Bíblia, a Boa Noiva do Reino aparecia aos olhos dói povo não como bastarda e impostora, vinda de fora, mas como filha nascida em casa, como fiel à Tradição, como realização da Promessa.

Eis alguns dos momentos em que Jesus faz esta nova leitura da Escritura:

a)      Na sinagoga de Nazaré, ele usa um texto de Isaías para apresentar o seu programa (Lc 4,18-19; Is 61,1-2). E conclui: "Hoje se cumpriu nos vossos ouvidos esta passagem da Escritura" (Lc 4,21);

b)      O recado que mandou para João Batista (Mt 11,5-6) era de um outro texto de Isaías. A profecia de Isaías se realiza na ação de Jesus junto dos pobres (Is 29,18-19; 35,5-6);

c)      No sermão da montanha Jesus esclarece o objetivo que Deus tinha em mente ao dar os Dez mandamentos ao povo: "Antigamente foi dito (>>>), mas eu digo (...)" (Mt 5,21.27.31.38.43);

d)     Jesus critica o Templo de pedra, o centro do Antigo Testamento, e o declara como provisório. Pois o novo Templo será ele mesmo, o seu corpo (Jo 2,19-21), onde todos poderão adorar o Pai em espírito e verdade (Jo 4,23);

e)      Aos discípulos de Emaús ele mostra, "começando por Moisés e por todos os profetas", o que a Escritura dizia a respeito dele. Deste modo, ele situa a cruz dentro do projeto de Deus (Lc 24,27);

f)       Quando perguntado para dar um sinal, ele fala de Jonas e de Salomão e conclui: "Aqui está algo mais do que Jonas e Salomão" (Mt 12,41-42). Ele mesmo é critério de interpretação da Escritura;

g)      Jesus diz aos discípulos que ele têm vantagem sobre os profetas. "Os profetas desejaram ver o que vocês estão vendo e não puderam" (Lc 10,23-24). Ele mesmo é o ponto de chegada da Escritura;

h)      Na discussão com os judeus sobre a legitimidade do seu ensinamento, Jesus se declara maior que Abraão: "Antes que Abraão fosse eu sou" (Jo 8,52-58);

i)        Atacado pelos escribas em nome da Escritura e da Tradição, ele se defende com argumentos tirados da própria Escritura, da vida de Davi (Mc 2,25-26);

j)        Em tudo o que fazia para cumprir sua missão como Messias, Jesus se orientava pela profecia do Servo de Javé.

Lido nesta nova perspectiva, o Antigo Testamento ajudava o povo a perceber como  o Reino de Deus estava se realizando dentro dos fatos da vida de Jesus e da Sua própria vida. Jesus realizava Promessa. Por isso, o povo se reconhecia nele e encontrava nele a Boa Nova de Deus!

  • Os sinais do Reino presentes na vida

O Reino que estava chegando era tudo aquilo que encontrou em movimento com a chegada e o anúncio de Jesus. Era a própria história progredindo. "O Reino está no meio de vocês!" Mas não era fácil definir claramente o que vinha a ser o Reino presente no meio do povo. O Reino era algo que a pessoa experimentava quando estava em contato com a pessoa de Jesus e com a comunidade por ele criada. Para ajudar o povo a entender esta misteriosa presença do Reino dentro dos fatos da vida, Jesus usava as parábolas. São muitas: semente, campo, pérola, joio e trigo, grão de mostarda, rede, pesca, fermento, sal, tesouro, dracma perdida, devedor implacável, trabalhadores da vinha, casamento do filho do rei, as dez virgens, bom samaritano, juiz iníquo, filho pródigo, ovelha perdida etc. "Quem tem ouvidos para ouvir ouça!" (Mt 13,9) as parábolas provocam o povo para ir descobrindo as coisas de Deus a partir da sua própria experiência de vida.

Os pobres entendem esta linguagem (Mt 11,25), pois o Reino enunciado por Jesus é delas (Mt 5,3-10). É para eles (Lc 4,18). Os outros, porém, os de fora, eles ouvem, mas não entendem (Mc 4,11,12). Muitas vezes, nas discussões com os fariseus, Jesus tentou corrigir a visão que eles tinha,m de Deus, da lei e da história. Mas não conseguiu. Eles não se abriram e se agarravam à antiga leitura que faziam do Antigo Testamento. Não permitiam o novo entrar.