Ficha metódica: COMBLIN, José. Os "Movimentos" e a pastoral latino-americana: 4. Características sociais dos movimentos; 5. As vantagens dos Movimentos. in REB. Petrópolis, (170), vol. 43, junho 1983, pp. 244-255.


Os "Movimentos" e a pastoral latino-americana
(4. Características sociais dos movimentos).

1. Questão: Quais as características sociais básicas (ideologias dos fundadores, dos dirigentes/ suas intenções)  dos movimentos, em especial na América Latina, tendo em mente as diferenças e as constantes destes movimentos?

Duas prévias: todo fenômeno social é dominante e a inserção social do mesmo movimento é diferente conforme cada região, pois esta também é diferente, afinal os movimentos são também internacionais.

2. Tese: Movimentos são leigos.

3. Argumentos: Significado de Leigo.

3.1. Leigo qualificado, os conscientes de sua posição e de sua importância como tais. Leigos da Ação Católica, são mais intelectualizados (trabalhados por padres), nunca a consciência dos leigos chega a prevalecer sobre a consciência dos sacerdotes

3.2. Leigo que não é clérigo, é o que é, passivos e simples. Leigos dos movimentos. São mais leigos do que os primeiros, grande maioria dos católicos (não organizados), leigos não trabalhados por padres, não tem teologia, possuem e preferem uma literatura edificante, de exortação (afetividade e emoção, sem análise e sem sínteses intelectuais). A consciência dos leigos chega a prevalecer sobre a consciência dos sacerdotes.

4. Resposta:Não quer dizer que os leigos 3.2. contestam o clero. O clero entra no ritmo criado e orientado pelos leigos que dirigem sem querer. São leigos dotados de autoridade social (em suas empresas, no seu trabalho...) como na antigüidade (os reis, nobres/ o poder político, social e econômico), porém não tinham o poder cultural. São leigos diferentes dos demais, pois são conscientes do seu poder, leigos mais acostumados a mandar do que a ser mandados.


2. Tese: Movimentos são internacionais e o seu modo de ser é transnacional.

3. Argumentos:

3.1. São diferentes das organizações tradicionais, devido o modo de ser -  transnacional. Os movimentos recrutam os seus próprios quadros (dirigentes, padres, independentes das Igrejas locais), possuem uma pastoral própria e se o bispo aceita o movimento vai sozinho, são auto-suficiente, praticam a amizade e o respeito mútuo, mas não se relacionam com a diocese como se fossem parte dela.

3.2. Movimentos referem-se a uma classe social transnacional, seu mundo é mais internacional do que nacional[1]. Classe transnacional: consome bens produzidos pelas transnacionais, cultura cosmopolita, das necessidades e aspirações criadas pela produção transnacional. Centros dessa cultura; América do Norte, Europa, Japão. Por isso a busca das fontes (o ir a estes centros, santuários).

3.3. Países da periferia: suas referências, técnicas, métodos quase tudo é oriundo dos países do centro(literatura, imitação mais perfeita do centro). São receptoras passivos, não criam nada; difusão se dá pela penetração de uma cultura exterior, permanecendo exterior.

3.3. Movimentos têm uma eficiência não encontrada na América Latina. Aproveitam recursos científicos e as artes da direção de empresas e da ação cultural, direito à autonomia na organização das atividades.

3.4. A penetração dos centros desenvolvidos aumenta as distorções entre maioria pobre e minoria privilegiada, tornando os benefícios contraproducentes. Movimentos permanecem indiferentes à grande maioria da população e ajudam a manter um ambiente social e cultural alheio à grande maioria. Não é indiferença subjetiva, pois o movimento é incapaz de levar uma mensagem ou uma mudança às maiorias pobres, problema fundamental não é a situação de pecado institucionalizado das sociedades da periferia, do seu país, da sua diocese, da sua cidade.

4. Resposta: Situação psicológica normal da classe transnacional: indiferente ao que não é do seu mundo. Estrutura do movimento concebida não a partir dos excluídos, da pobreza real, mas somente de uma parte de pobres, por isso mesmo o próprio movimento exclui; pastoral transnacional se faz paralelamente a pastoral pobre e miserável para os pobres; sem hostilidade, contudo incapaz de se entrosar de modo útil.


2. Tese:  Movimentos especificamente urbanos correspondem às condições e às necessidades de um modo urbano de viver.

3. Argumentos:

3.1. Viver  urbano o modo de existir individual, familiar e social. É o da classe média, têm áreas próprias, longe dos cortiços, das favelas[2] e dos mocambos[3].

3.2. Sinal que distingue o viver urbano: carro individual. Quem o tem pode ir e vir com mais facilidade do que aquele que não tem, além de adquirirem uma ganha maior de conhecimento que a outra parte nem se quer tomará conhecimento da sua existência. Movimentos possuem carros individuais. A classe média vive só e quer viver só, a sua casa é local de descanso e tranqüilidade, não de diálogo com os vizinhos.

3.3. Viver urbano moderno: pessoas procuram defender a sua autonomia em cada setor e impedir toda invasão de um setor por outro. A pessoa procura manter a sua autonomia graças à separação entre os setores da vida. Cada setor tem seu limite e este não pode ser ultrapassado. Por isso a pessoa procura uma religião que não o obrigue a um compromisso total em todos os setores da vida, uma religião que não interfira no trabalho, nem na política, nem no esporte e no lazer.

3.4. Religião urbana refere-se a um setor definido da vida humana: setor experimental de si próprio no mundo e na vida, da definição do sujeito no mundo.

4. Resposta: frente a estes argumentos o movimento propõe uma resposta a esta aspiração da classe média urbana: criaram um ambiente receptivo e acolhedor, amigável e comunicativo; despertam uma experiência religiosa profunda que aparece como experiência de si e do mundo (experiência libertadora do eu e criadora de comunidade), além de não quererem governar nenhum setor da vida. - pessoa livre -

4.1. Movimento usa de forças psicológicas importantes: experiência de conversão(indispensável para provocar uma adesão) e de fraternidade(aderir solitariamente é inviável. Daí a necessidade de uma experiência de comunhão, união com o outro). Fórmulas próprias.


Os "Movimentos" e a pastoral latino-americana
(5. As vantagens dos MovimentosI).

1. Questão: Por que os movimentos - uma novidade pastoral -  crescem constante e numericamente, uma vez que nascem nos países dos centros e  não da periferia?

2. Tese:  crescem porque respondem a determinadas situações reais e por terem nascidos nos centros e não periferias é o que os tornam  "interessantes".

3. Argumentos: São interessantes, pois a população busca a sua identidade na cultura ocidental dominante. Afinal, a classe média latino americana é quase igual as mundiais, ou seja, consumo, ideologia, modas, problemas psicológicos, tudo semelhante.

4. Resposta: E isso nos envolve, nos modifica com ou sem o nosso consentimento.


2. Tese: movimentos oferecem única entrada do catolicismo na nova classe média urbana.

3. Argumentos:

3.1. Paróquias somente pessoas idosas.

3.2. Ensino religioso influi jovens, somente se forem de movimentos. Do contrário não causa nenhuma impressão.

3.3. Movimentos atraem e convencem essa juventude. A mensagem é adaptada à sua linguagem jovem (movimentos aproveitam da fraqueza intelectual e psicológica da nova geração de classe média); proporcionam segurança e identidade, estabelecendo comunhão e participação entre eles.

4. Resposta: alternativas religiosas são as novas religiões orientais, que oferecem não as religiões tradicionais muito exóticas, mas religiões com mentalidade moderna imbuída de ciência técnica e psicologia. Os movimentos procedem de forma semelhante: mensagem é adaptada à sua linguagem jovem, estabelecendo comunhão e participação entre eles.


2. Tese: movimentos adaptados à condição laical.

3. Argumentos:

3.1. Não baseiam numa teologia explícita. Mensagem compreensível para leigos e os mesmos podem habilitar-se para repeti-la.

3.2. Ação Católica: fraqueza de precisar de uma fundamentação teológica.  Só os Padres podem orientar e organizar, são os dirigentes. Os atuais movimentos estão alcance dos leigos.

4. Resposta: o que os movimentos perdem em intelectualidade ganham-no em emotividade e sensibilidade. Os leigos não estão dispostos a agüentar o controle exclusivo da atividade religiosa por parte dos padres em nome da teologia, ciência, esotérica (reservada). Leigos não querem ficar calados, movimentos proporcionam uma linguagem simples (da classe média), valores morais = da classe média, ou seja, palavras (da classe média) que exprime os seus calores.


2. Tese: crise de identidade de religiosos(a)s, padres, oriundo do esvaziamento das paróquias, e o rejeitar de todo ensino religioso.

3. Argumentos:

3.1. Muitos religioso(a)s, padres, não encontram significado na sua vida.

3.2. Movimento é um ponto de referência, de segurança, de identidade, razão de ser e imagem concreta do apostolado.

3.3. Autoridade eclesiástica: movimento oferece garantia de fidelidade ao clero ou os religiosos frente a deficiência e a carência (não há motivação suficiente).

4. Resposta: frente a crise encontra-se no movimento o ser cristão e ser apostólico no seu agir por meio do próprio movimento, pois situam-se no centro psicológico da sua vida (ainda que por motivos teológicos). Pode ser que a autoridade possam ver com maior fevor o crescimento dos movimentos. Há um contraste: entusiasmo que manifesta para com os movimentos e restrições expressas aos religiosos e ao clero.

[1] Todavia, deve-se notar que a própria Igreja possui esta característica, afinal ela é supra-nacional, o que acontece é que os movimentos querem que isso tenha uma visibilidade maior, contudo sem uma hierarquia e sem uma real orientação, os movi mentos podem se conduzir a uma separação, haja vista alguns grupos da própria Renovação Carismática Católica que se separaram por discordâncias da Igreja Local; outro exemplo são os do MST, inclusive dirigentes e coordenadores que levam a causa do movimento para uma questão totalmente diferente, como o enriquecimento próprio e a invasão de terras realmente produtivas, provocando relações calamitosas que a sociedade não pode aceitar (triângulo Mineiro)...

[2] O que o autor chama de favela, melhor seria se especificasse mais, porque na cidade de  São Paulo, Favela é uma construção irregular, sem fiscalização, mas também sem nenhuma segurança, feita muitas vezes de papelão ou de ferros tirados de carros velhos, de pedaços de telhas; o que é diferente do Rio de Janeiro que chama de Favela os morros, alguns podem se caracterizar como tais outros nem tanto, pois, na maioria das vezes, os morros, ditos favelas possuem em uma carro de tijolos, um acabamento interno muito superior a de uma casa de classe média, além de possuírem bens diversos (TV/cinema; TV a cabo Net (por um pagamento simbólico); computador, aparelhos de sons etc.

[3] Deve-se observar que a situação geográfica de certos lugares destrói este argumento, tenha-se como exemplo o Rio de Janeiro, que têm bairros tipicamente de classe média que são cercados de favelas (= construções irregulares, mesmo que com tijolos, sem a fiscalização da prefeitura), diferente de São Paulo, onde o exemplo do autor é correto, apesar de algumas pequenas exceções.