I - OS FATOS:

Conheci Y, em abril de 1981, em uma festa social, da Paróquia onde morávamos. Ele ficou me olhando durante muito tempo, enquanto, eu com minhas amigas, sentadas na mesa vizinha conversávamos e comíamos maça do amor. Uma de minhas colegas chamou-me a atenção de que havia um rapaz me olhando já havia muito. No dia seguinte, na mesma festa, minha colega me disse que ele a havia procurado, perguntando meu nome e onde morava. Perguntou também se eu aceitaria conversar com ele. Fiquei entusiasmada e aceitei. Naquele mesmo dia, ele me encontrou, conversamos e me pediu para namorarmos.

Namoramos durante um ano. Tivemos alguns desentendimentos, sem maior importância e, logo voltávamos ao namoro, por iniciativa dele.

Eu, sempre entusiasmada, pois foi meu primeiro namorado, tinha 19 anos e ele, 21.

Ele sempre muito carinhoso, sempre dava-me presentes, flores. Mais entusiasmada ficava.

Em março de 1982 ficamos noivos, com aprovação de nossos pais, que faziam muito gosto pelo namoro, noivado e também para o futuro casamento.

O noivado transcorreu normalmente, sem desavenças, fui me preparando para a celebração do matrimônio, com data marcada para o dia 25 de outubro de 1982.

Durante o namoro e noivado, de vez em quando, ele desaparecia, e fica dois ou três dias, e às vezes, até quatro dias sem me ver. Como foi sempre trabalhador e responsável, nunca cobrei nada. Uma vez, combinamos nos encontrar, já durante o noivado, ele não apareceu. Depois me deu uma desculpa que não me lembro mais qual foi. Mas também não dei tanta importância para o fato.

Sempre lhe fui fiel e ele, penso que também o tenha sido.

Celebramos o contrato civil do casamento no dia 24 de outubro de 1982 e o casamento religioso no dia seguinte. Tudo transcorreu normalmente. Lembro-me que somente um acontecimento, de pequena monta, após a celebração, nos cumprimentos na porta de minha casa, achei estranho. Um rapaz, de cerca de 19 anos de idade, me cumprimentou por primeiro,  e depois a ele, abraçando-o, deu-lhe um beijo no pescoço, cochichou algo no ouvido dele e ambos se riram um para o outro. Depois não vi mais o tal rapaz. Tudo passou despercebido, posteriormente, e não mais me lembrei do acontecido.

Fomos para lua-de-mel e o matrimônio foi consumado com alguma dificuldade, pois ele bebera um pouco e se sentia nervoso  e com dificuldades para ereção. Encarei o fato como normal, divido à bebida alcoólica. Não dei importância.

Tivemos três filhos.

Na constância do casamento, uma ou duas vezes por semana, ele chegava em casa bastante mais tarde do que de costume. Apenas uma vez, ao longo dos quase 25 anos de casados o questionei porque chegava mais tarde alguma vez, ele foi evasivo e também não dei importância.

Algumas das vezes que chegava mais tarde, nunca me procurou. E quando eu tomava a iniciativa nas relações, ele recusava e virava-se para o outro lado. Para isto também nunca dei importância. Ele tinha grande dificuldade de conviver comigo, nunca aceitava carinho e sempre se esquivava.

Mais recentemente, há uns cinco anos, notei que nossas relações sexuais diminuíram e ele passou a chegar tarde mais vezes do que de costume.

Duas vezes passou a noite fora de casa. Uma amiga me contou que ele tinha uma casa, que o vira já por três vezes dela sair, já tarde da noite. Depois saía também um outro rapaz. Quis ver com meus próprios olhos e, uma vez, o segui. Mas na tal casa ele esteve somente por alguns minutos, saindo logo depois. Alguns dias depois, perguntei-lhe o que estava acontecendo e o mesmo me confessou a verdade: antes e durante toda a constância do matrimônio mantivera casa e caso com menores.

Revoltada e com forte repugnância, requeri a separação judicial e agora, recorro a este egrégio Tribunal Eclesiástico para acusar de nulidade o meu casamento com Y, pleiteando a declaração de nulidade do mesmo pelo acima alegado.

Sertão da Laguna, 01 de abril de 2000.

Apresento como testemunhas, as seguintes pessoas:

1. Daniel dos Leões                        2. Margarida de Prata               3. Moisés da Sarsa

Av. 1º de Abril, 1001                      Rua da Prata, 100                     Rua do Brejo, 70

000001-001 - Sertão da Laguna     001200-012 - S. da Lagunas    001000-110-S. da L.

 

4. Adão de Barros e Eva da Costa

Rua do Sabão, 555

00110-110 - Sertão da Laguna - MG

 

TRIBUNAL ECLESIÁSTICO  CAUSA: X/Y    -   Diocese de ...

Justiça Eclesiástica de Primeira Instância

AUTORA: X

DEMANDADO: Y

Matrimônio celebrado na Paróquia Z, aos 25 de outubro de 1987, na cidade do Sertão da Esperança. Diocese de ...

Os termos da dúvida foram formulados como:

II - FACTI SPECIES

X conheceu Y quando ela contava com 19 anos de idade e ele 23. Namoraram por cerca de um (01) ano e seis (06) meses, namoro tranqüilo e equilibrado. Noivado de seis (06) meses, se casaram.

Tiveram quatro (04) filhos. E a constância do casamento transcorreu tranqüila e harmônica, sem brigas ou desentendimentos de monta.

Pouco antes de celebrarem a Bodas de Prata, a autora veio a descobrir que o demandado, antes da celebração e durante toda a constância do casamento, mantivera relações amorosas com pessoas do mesmo sexo, inclusive com menores de idade no sentido legal, mantendo também casa em que se encontrava com pessoas do mesmo sexo e com elas mantinha tais relações.

Revoltada com os fatos, por sinal verídicos, inclusive com testemunhas remotas e recentes, passou a sentir terrível repugnância pelo demandado.

Sentindo que não lhe era mais possível levar avante a constância do casamento, requereu no foro cível a separação judicial e pouco depois acusou de nulidade seu matrimônio junto ao Tribunal Eclesiástico e pleiteou a declaração de nulidade do mesmo pelo acima alegado.

O libelo com rol de testemunhas e demais documentos exigidos pelo direito foi acolhido e aceito pelo Decreto 000/0000, em data de ....

II - RATIONES IN IURE

A fórmula da dúvida foi estabelecida nos ternos dos cânones 1081 §1, 1083 § 2,nº 1, do Código Pio-Beneditino, jurisprudência rotal e cânones 1095,2 e 3, do Código de Direito Canônico.

1. Uma das fórmulas da dúvida foi determinada nos termos do Cânon 1095, 2 do Código de Direito Canônico diz respeito à falta de discrição de juízo. Este Cânon segue a tradição jurídico-canônica e, apoiado na jurisprudência rotal dos últimos anos, retrata mais amplamente o que já se encontrava previsto no Cânon 1081 do Código Pio-Beneditino.

A discrição de juízo é uma faculdade estimativa que se exprime através de um ato da razão. Um ato, que na sua natureza específica, consistirá num juízo prático de valores que, além da função de inquirir, consiste, especificamente, em emitir, ponderar e julgar atentamente as possibilidades que se apresentam, ajudando o indivíduo a escolher ou negar concretamente uma ação qualquer, no caso o matrimônio com pessoa bem determinada. A primeira conclusão de tudo isso, é que a discrição de juízo consiste numa maturidade psicológica não comum, em correlação proporcionada ao negócio jurídico muito empenhativo e decisivo para a vida de a uma pessoa, como é o caso do matrimônio, pois envolve a vida toda dos indivíduos em todos os sentidos (Cfr. Castaño, in quaestinones selectae circa capita nullitaitis matrimonii, Romae, 1983, Nº 106). Daqui se conclui que a discrição de juízo exigida para validade do matrimônio deve ser bem maior do que a exigida para um outro negócio qualquer. Constatando a imaturidade de uma ou de ambas as partes para assumir concretamente o matrimônio, deve-se decretar a nulidade do ato.

Para poder conhecer a natureza da discrição de juízo é mister distinguir esta figura das outras afins que são a ignorância e a inadvertência. A ignorância consiste na privação habitual do conhecimento de uma determinada realidade. Esta figura encontra-se no Cânon 1096. A inadvertência é a privação atual do conhecimento de uma certa realidade. A ignorância inclui a inadvertência, mas esta pode existir sem aquela. O defeito de discrição de juízo pode existir conjuntamente com o conhecimento de uma determinada realidade. Portanto, este opõe-se à ignorância e a inadvertência. O grave defeito de discrição de juízo como tal pode ser dividido em:

a) a discrição de juízo em si: note-se que se trata de uma faculdade estimativa que se exprime através de um ato da razão. Um ato que na sua natureza específica consistirá num juízo prático, isto é, "de rebus agendi".  Alguns confundem a discrição de juízo com a faculdade deliberativa e por isto mesmo, a identificam com a própria  "inquisitio ou investigatio". Outros acreditam que a "discretio", além da função de inquirir, consiste, especificamente, em estimar, ponderar, julgar concretamente as possibilidades que se apresentam. Possibilidades essas que são muito concretas, isto é, referem-se a um determinado matrimônio com uma  pessoa bem determinada.

b) O objeto da discrição de juízo deve ser grave. No entanto, o texto legal não especifica nem a medida, nem a gravidade, muito menos, dá critério que possa servir de parâmetro. Conseqüentemente, caberá ao juiz especificar esta gravidade (COMMUNICATIONES 09 de 1977, nº 370).

c) É bom lembrar, no entanto, que o grave defeito de discrição de juízo é um vício do consentimento, isto é, uma incapacidade natural de ordem psíquica, mas não um impedimento propriamente dito. Portanto, o defeito deverá existir no momento de contrair o matrimônio, independentemente de sua perpetuidade ou não.

2. A segunda fórmula determinou a incapacidade para assumir as obrigações essenciais do matrimônio, terceiro defeito do consentimento, previsto no Cânon 1095,3, do Código de Direito Canônico. O direito natural exige a capacidade prévia, natural de poder assumir tais obrigações que se contrai, já que ao contrário, emitir-se-ia, no caso do consentimento matrimonial, uma disponibilidade formal do objeto, e então, dar-se-ia um consentimento vazio de conteúdo. Ficou patente no processo de codificação (cf. COMMUNICATIONES 7 (1975) 41-52), trata-se de uma impossibilidade de prestar o objeto do consentimento matrimonial devido a uma causa de natureza psíquica, entendida em sentido amplo. Tal incapacidade, relativa ao objeto do matrimônio (nos termos do Cânon 1055), deve ser certa e antecedente, grave, profunda, absoluta ou relativa. Para que tanto seja demonstrado, particular importância tem nesse tipo de causas o concurso de perícias psiquiátricas e psicológicas, que inclusive estão previstas nos Cânones 1574-1581 e 1580, todos do Código de Direito Canônico.

Ser incapaz de assumir uma obrigação é ser incapaz de contrair essa obrigação. E a incapacidade para contrair a obrigação pode provir fundamentalmente de duas fontes distintas: l. incapacidade de fazer o ato psicológico humano necessário para contrair a obrigação; neste sentido, pode-se dizer que a incapacidade de assumir as obrigações essenciais do matrimônio está subsumida na incapacidade de prestar o consentimento matrimonial devida à falta de uso de razão ou grave defeito de discrição de juízo, nos termos do Cânon 1095,1 e 2, do Código de Direito Canônico. 2. A incapacidade de cumprir a obrigação já que alguém não pode contrair, nem, portanto assumir uma obrigação que não pode cumprir. E' a esta incapacidade que se refere o Cânon 1095, 3, do Código de Direito Canônico.

3. A seguir e por último, outra fórmula determinou-se resguardante aos Cânones 1097/1098 do Código de Direito Canônico.

O cânon 1098 exige que o dolo seja cometido para induzir o outro ao matrimônio. É a vontade deliberada de induzir ao erro. É necessário que se trate de um engano. Isto ocorre, quando a pessoa, ciente e voluntariamente, finge uma determinada qualidade só para obter o consentimento da outra.  Se a ação dela decorrente não corresponde à verdade, presume-se o dolo. Pouco importa que o engano tenha sido provocado e partido de uma das partes ou por outra pessoa. No entanto, é necessário ainda que o engano seja dirigido para obter o consentimento, que verse sobre a qualidade da outra pessoa, e não sobre as circunstâncias. Tal qualidade não deve se referir outra pessoa, como por exemplo, os pais, mas sim sobre a pessoa que contrai ou consente no matrimônio. Exige-se, ainda, que o engano seja de tal natureza, que possa perturbar gravemente o consórcio da vida conjugal. Quando isso acontece, o consentimento é nulo.

A Pontifícia Comissão de elaboração do Código baseou-se na doutrina de Santo Afonso Maria de Ligório e na Jurisprudência da Rota Romana na formulação do Cânon 1097 (cf. Nota 8, p. 66, in La Nuova Legislazione Matrimoniale Canonica, L. E. Vaticana, estudo de G. RICCIARDI: "Errore Sulla Persona ed errore Sulla Qualità della persona intesa direttamente e principalmente nel matrimonio Canónico). O citado autor lembra que a expressão "Erro in persona" significa um erro dentro da pessoa e não fora da mesma. É interessante tal observação, porque como veremos a seguir, o erro sobre a pessoa não se limita apenas na identidade física da mesma, mas em tudo aquilo que redunda em erro da substância do contrato que é a pessoa do nubente, em tudo aquilo que o caracteriza fundamentalmente.

Com efeito, na linha do que estabelece o Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 48, o Cânon 1057, parágrafo 2º fornece uma definição do consentimento matrimonial como "Ato de vontade pelo qual o homem e a mulher, por uma aliança irrevogável, se entregam e se recebem para contrair matrimônio", isto é, a própria pessoa para consentir ao consórcio de toda a vida. Logo, o Código parte do princípio consagrado no Cânon 126, de que ö ato praticado por ignorância ou erro que verse sobre o que constitui a sua substância ou que redunde numa condição sine qua non, é nulo..." Estabelece então o Cânon 1097 que "o erro de pessoa torna inválido o matrimônio" e que "o erro de qualidade da pessoa, embora seja causa do contrato, não torna nulo o matrimônio, salvo se essa qualidade for direta e principalmente visada"(parágrafo segundo).

A pessoa, é pois, o objeto material do contrato e torna nulo o matrimônio quando um erro sobre o mesmo provoca um defeito de consentimento. Neste ponto, surgem as perguntas: Em que consiste precisamente erro sobre a pessoa? Que "pessoa" é esta? Apenas a pessoa física? O Concílio Vaticano II pôs a pessoa no vértice dos valores jurídicos. O homem como pessoa não pode ser confundido com um simples ser físico, mas deve ser entendido como um ser também espiritual, dotado de inteligência e vontade, qualificado por um determinado temperamento e caráter, com as suas qualidade e defeitos fundamentais, como um modo de ser e de situação que lhe é peculiar e não apenas acidental.

É nesta linha de pensamento que se baseiam as considerações mais do que oportunas, diretas e sobretudo válidas de G. Ricciardi, no estudo acima citado. Ao lado dos clássicos fins do matrimônio como a geração e educação da prole, o Cânon 1055 vai mais longe, quando afirma o bem dos cônjuges como finalidade que lhe é própria. Já Paulo VI, in Humanae Vitae, fala que os esposos tendem, no casamento, para uma comunhão de vida à qual tem por finalidade o aperfeiçoamento mútuo e pessoal. É a dimensão personalística do matrimônio tão acentuada na Gaudium et Spes.

O erro sobre a pessoa que invalida o matrimônio deve ser entendido nesta concepção de pessoa e do matrimônio; não pode ser apenas limitado à idade física do nubente. Deve ser entendido, então, sobre os elementos essenciais que identificam o nubente na sua integralidade, isto é, que o identifica com a substância do objeto material do contrato.

Em síntese, o erro de pessoa entendido como erro na substância do objeto, verifica-se somente quando se trata de características de pessoas que são objetivamente substâncias. É o que estabelece o Cânon 1097, no seu parágrafo primeiro. Quando se trata de qualidades em si irrelevantes, mas que se tornam relevantes por vontade do contraente, verifica-se a hipótese contemplada no parágrafo segundo, isto é, erro na qualidade de pessoa.

O Cânon 1097, em seu parágrafo segundo, trata de qualidade (ou estado, situações) não substanciais, ou seja, que não envolvem a pessoa em sua estrutura fundamental (cf. Monitor Ecclesiasticus, 1978, p. 275, nº 04; idem, idem, p. 268, Nº 04; idem, 1981, II, p. 175, nº 04). Aqui se deve levar em consideração que o Código afirma que o erro sobre qualidades acidentais não vicia o consentimento, e em conseqüência, por si só, irrelevante.

No entanto, há casos em que determinada qualidade, em si acidental, pode assumir poder essencial por uma particular valorização subjetiva do contraente e por sua positiva intenção de consentir no matrimônio com determinada pessoa, precisamente como motivo ou causa desta qualidade ou estado  ou situação. O erro sobre qualidade acidental, neste caso, torna-se, por si mesmo, relevante, e como tal, se não se verifica, torna nulo o matrimônio. Se essa relevância não fosse reconhecida pelas normas canônicas, ela tornaria certas situações conjugais não somente infelizes, mas também injustas e irreversíveis; irreversíveis, porque o matrimônio é indissolúvel; injusta, porque o nubente quis, positivamente evitá-las, mas não conseguiu. Tratar-se-ia de uma intransig6encia jurídica grave, incompatível com o princípio da equidade canônica em estrita correlação com os fim pastoral na promoção da "salus animarum", princípio maior da lei.

Felizmente, a jurisprudência acolheu a norma de caráter geral relativa ao erro sobre qualidade da pessoa, mesmo quando tal qualidade não seja necessariamente substancial. Basta que esta qualidade seja direta e principalmente visa  ou pretendida pela vontade. Recentes Sentenças Rotais têm definido como causas de nulidade matrimonial, também o erro sobre qualidade da pessoa, apresentando como fundamento a terceira regra de Santo Afonso Maria de Ligório ( Cfr. S.R.R. Dec. XXIV, 1932, p. 236, Nº 07, C. Minucci; S.R.R. Dec. XXXIII de 1941, p. 530, nº 02, c. Hear; c. Pompedda, in Il Diritto Eclesiastico"1981, I, p. 167, Nº 05; c. Pompedda, idem 1980, II, p. 16, nº 06).

Não basta que o erro acidental sobre a qualidade da pessoa seja ou tenha sido causa do contrato, mas é preciso que ele tenha sido motivo determinante para o consentimento do nubente. Exige-se mais ainda: que a intenção do nubente seja dirigida para a qualidade, não só de modo direto, mas de modo principal, colocando a pessoa em si mesma no segundo plano. É preciso que o nubente se volte para essa tal qualidade, e o faça de modo positivo, claro e direto, como a qualquer coisa de essencial, fazendo com que essa pessoa, que também é essencial, posposta à qualidade.

Sobre esse "error facti" o Cânon 1097 complementa-o bem, aclarando o seu conceito e sua eficácia jurídica no matrimônio canônico. Verifica-se, pois, dois possíveis tipos de "error facti":

III - RATIONES DE FACTO

O demandado, citado em conformidade com o direito, compareceu em juízo e contestou a lide, concordando em tudo com os termos da inicial. Confessou que, de fato, manteve casa e caso com menores do mesmo sexo, durante todo o tempo de casado. Não deseja a reconciliação, não quis arrolar testemunhas e nem participar do processo. Acata a decisão da justiça eclesiástica.

A autora, intimada, compareceu na sede do Tribunal Eclesiástico, confirmou os termos da inicial, e, acrescentou que não consegue mais ver seu ex-marido como alguém que amou fortemente. Acredita que seu casamento não foi válido diante de Deus, sobretudo porque na constância do casamento, o demandado revelou-se um indivíduo sempre frio e desinteressado pelo sexo, era carinhoso e gentil com ela, mas nunca aceitou carinho e afeto da mesma. Acusa o demandado de que nas relações conjugais, muitas vezes, percebeu que ele não chegava ao clímax, mas como não entendia nada sobre a matéria, achava tudo normal.

O demandado, envergonhado, respondeu à intimação do Tribunal para depor, por carta, não quis comparecer em juízo. Na sua carta diz-se arrependido, mas que também não consegue permanecer sem seus encontros com pessoas do mesmo sexo, que sente uma atração irresistível e que por isto, não quer mais pensar em seu casamento. Acata a decisão da justiça eclesiástica (Cfr. fls.         ).

A autora arrolou cinco testemunhas, todas foram intimadas em conformidade com o direito, comparecendo prestaram depoimentos.

As cinco testemunhas confirmam e provam os fatos da inicial, tendo sido uma delas vítima de molestamento sexual por parte do demandado e outra mãe de um dos menores que teve caso com o mesmo. Afirmam que não denunciaram à polícia, porque tinham receios de se exporem e de serem discriminados pela sociedade e de ficarem com o próprio nome manchado diante dos outros e que nada fizeram pelas repercussões que podiam ter os fatos diante da inteira sociedade, de uma cidade pequena, em que todos conhecem todos (Cfr. fls.         ).

Vistas ao ilustre Defensor do Vínculo para suas alegações finais, considerou a causa devidamente instruída e legalmente processada, não oferecendo nenhuma irregularidade substancial. Concordou que, de fato, restou provado que o demandado era incapaz de consentir num verdadeiro matrimônio, por causas de natureza psíquica, sua tendência e atração irresistível para com pessoas do mesmo sexo, como também incapacidade para uma vida de comunhão conjugal (Cfr. fls.        ).

Às folhas 40, 41, 42 e 43 estão os Decretos de Publicação da Causa, Comunicado às partes e Conclusão da mesma, respectivamente.

Às folhas 21, Decreto de constituição do Turno de Juizes. É o relatório.

CONCLUSIO

GIL DE LAS HERAS diz que é característica importante da homossexualidade, enquanto invalidante do consentimento matrimonial, a atração irresistível ao mesmo sexo. E mais, pouco a pouco se chegou a considerar que a incapacidade dos homossexuais para o matrimônio diz relação freqüentemente não com a incapacidade de escolher com suficiente liberdade deliberada do matrimônio, mas à incapacidade de assumir, devido à incapacidade de cumprir as obrigações essenciais do matrimônio.

As alegações e depoimentos da autora e também, as provas testemunhais caminham no sentindo de comprovar que, de fato, o demandado era incapaz de assumir/cumprir as obrigações essenciais relativas à constituição de uma comunidade e comunhão psicossexual de vida conjugal. Com sua tendência e irresistível atração para com pessoas do mesmo sexo era incapaz de celebrar, portanto, o matrimônio natural e cristão porque não tinha o pleno domínio de seu corpo e de seus atos, mesmo que relativamente, o que invalida o contrato sobre o objeto indivisível entre si, ou seja, o direto perpétuo e exclusivo em ordem à cópula. Neste sentindo, os homens e mulheres homossexuais são arrastados invencivelmente a atos contra a natureza, e, portanto, não são donos de seus próprios atos com relação à legítima união com a esposa ou esposo. Em outraa palavras, são incapazes para obrigar-se perpétua e exclusivamente aos atos naturais de um matrimônio casto (neste sentido se pode consultar a excelente obra de D.G. OESTERLE, "De relatione homossexualitatis ad matrimonium", in REVISTA ESPAÑOLA DE DERECHO CANÓNICO 10 (1955) 35).

Conclui-se, pois, que o demandado era moralmente incapaz de assumir por si mesmo uma união, perpétua e exclusiva, legalmente e desde o ponto de vista das obrigações de justiça correlativa. Incapaz, portanto, de celebrar o contrato matrimonial, porque a sua tendência e atração homossexual foi sempre numa direção desviada da personalidade, com atração anormal.

De falta grave de discrição de juízo, erro de qualidade de pessoa ou dolo sofrido pela autora, nada restou provado.

Assim, fundamentados na doutrina jurídica acima exposta e dos fatos vistos e relatados nos autos do processo do matrimônio da causa em epígrafe, examinadas, discutidas e ponderadas as razões em direito e de fato, ex actis et probatis, com a requerida certeza moral, convicção oriunda do que nos apresentam os autos:

IN NOMINE DEI. AMEN.

Nós, o Colégio de Juizes de Turno, designados para estudo e definição da causa X/Y, diante da dúvida, se consta a nulidade deste matrimônio da Diocese... por esta sentença decisória do feito, respondendo às questões formuladas, temos a declarar, como de fato declaramos e pronunciamos:

1. NEGATIVAMENTE, isto é, NÃO CONSTA DA NULIDADE DO MATRIMÔNIO EM APREÇO POR GRAVE FALTA DE DISCRIÇÃO DE JUÍZO DE UMA OU DE AMBAS AS PARTES SOBRE OS DIREITOS E OBRIGAÇÕES ESSENCIAIS DO MATRIMÔNIO, conforme o cânon 1081§ 1, jurisprudência rotal e cânon 1095, 2º, do Código de Direito Canônico.

2. AFIRMATIVAMENTE, isto é, CONSTA DA NULIDADE DO MATRIMÔNIO EM APREÇO POR INCAPACIDADE DO DEMANDADO PARA ASSUMIR AS OBRIGAÇÕES ESSENCIAIS DO MATRIMÔNIO POR CAUSA DE NATUREZA PSÍQUICA, conforme jurisprudência rotal e cânon 1095, 3º, do Código de Direito Canônico.

3. NEGATIVAMENTE, isto é, NÃO CONSTA DA NULIDADE DO MATRIMÔNIO EM APREÇO POR ERRO DE QUALIDADE DA PESSOA E/OU DOLO SOFRIDO PELA AUTORA , conforme os cânones 1083 § 2, nº1, do código Pio-Beneditino, jurisprudência rotal e cânones1097§ 2 e/ou 1098, do Código de Direito Canônico.