Motivou-me escrever esta pequena reflexão um comunicado do jornal "L'Osservatore Romano sobre a possibilidade de se assinar o jornal por 1 ano, podendo permutar o pagamento celebrando 9 missas nas intenções recebidas pela redação.O cân 947 apresenta que "Deve-se afastar completamente das espórtulas de missas até mesmo qualquer aparência de negócio ou comércio". No caso acima não se trata disto porque a intenção foi ajudar os presbíteros dos "países de missão", mas instigou-me a escrever.

 

Rumor de dinheiro em torno do altar

Somos herdeiros de uma cultura de privilégio e de isenções. Se na pastoral se escolhe colocar tudo sob o princípio do dom e do serviço, inclusive a economia, devem-se tirar daí todas as conseqüências, sobretudo quanto às tarifas pedidas a cada vez por ocasião da celebração dos sacramentos e sacramentais.

Justamente nas ocasiões em que as pessoas têm maiores despesas nas épocas do nascimento, casamento ou morte dentro da família, acontecem algumas delicadas tensões sobre as espórtulas.

Diz-se que, comparadas estas despesas com as taxas da igreja, dá para rir tamanha é a diferença.

A questão, porém, é de princípio. Se a paróquia é comunidade de fiéis que contribuem financeiramente para sustentá-la, a lei do dom deve funcionar reciprocamente. As objeções são conhecidas, mas privadas de valor se si faz uma escolha com convicção.

Os que não dão nunca nada à igreja, senão nessas circunstâncias... aprenderão justamente nessas horas que a igreja não é uma loja e que se são cristãos devem contribuir regularmente..   

                        O Código não impede que se faça uma oferta nos momentos e lugares próprios. Esta opção impõe atenção para que não haja classes ou tipos diferentes de celebrações.A questão deve ser discutida com os organismos representativos (Conselho Pastoral Paroquial e Conselho de Economia) e explicada ao povo.  Aos organismos de comunhão compete não só o recolher dinheiro, mas também vigiar o seu uso.

    Mesmo que o cânon 848 explicite na segunda parte que "os necessitados não sejam privados do auxílio dos sacramentos por causa de sua pobreza", é necessário rever, com coragem, na igreja, todo o rumor de dinheiro em volta do altar. 

Além da questão quanto às ofertas há uma outra, quase correlata, sobre "inflação de missas " que é antiga e recente. Intervenções de papas e concílios para bloquear abusos sempre foram constantes por causa daqueles que, não por motivos de fé, devoção ou pastoral, celebravam diversas missas em um dia.  O cân 905 deveria ser uma barreira desta "inflação". Criticou-se muitíssimo e por vezes exasperadamente a sacramentalização na pastoral e hoje se encontram motivos vários para celebrações de missas por dia por um único presbítero. Se os motivos para binar, trinar, ou até mais, estiverem ligados: à oferta (espórtula); -ao desejo de popularidade (aquele que se faz disponível a cada pedido) ou pelo temor de perder a simpatia do povo com uma recusa séria e motivada, ou por comprometer-se com diversas celebrações ser levado a celebrar rápido, sem demora; então o rumor de dinheiro e de poder estará não só ao redor do altar, mas dentro do coração do presbítero.

Deixando esta introdução moralista para alguns, quem sabe, mas que carrega em seu bojo uma questão de justiça, o Código de 1983 apresenta orientações bastante elucidativas quanto a isto.

Nos cânones 945 a 958 há algumas prescrições que vale a pena serem sempre recordadas.Quanto às finalidades das espórtulas de missa, o cân 946 apresenta 3 : bem da Igreja, sustento dos ministros e obras.

O cân 948 esbarra numa questão prática, das mais delicadas nesta matéria, quando reza que "devem-se aplicar missas distintas na intenção de cada um daqueles pelos quais foi oferecida e aceita uma espórtula, mesmo pequena." ... Como conjugar isto em relação às missas assim chamadas comunitárias?.                                    

            Sempre o risco de aparentar simonia estará presente. Nas dioceses ou províncias devem-se ter normas claras que velem pelos interesses de ambas as partes: do presbítero e dos fiéis. Paulo VI deu algumas pistas no Motu Próprio Firma in traditione de 13 de junho de 1974 (AAS 66(1974) 308 ).

Em fevereiro de 1991 a Congregação para o Clero promulgou o Decreto Nos Iugiter "pontuando outros aspectos e interpretando as normas dos cnn 945-958. É um texto interpretativo sobre a questão das chamadas "missas comunitárias". Não se trata de  um texto exortativo, ou um mero conselho, mas legislativo, publicado na Acta Apostolicae Sedis ( AAS ) 23/ 03/1991, pela Congregação para o Clero.

          Sendo um tema que causa muita inquietação e desconforto entre os fiéis, na prática pastoral, é ainda por sua própria natureza um assunto delicado, pois se trata de uma questão que afeta o que temos de mais sublime, o Sacramento da Eucaristia                                                                               
          É prática antiga na igreja oferecer ao presbítero celebrante uma quantidade de dinheiro para a celebração da missa. O presbítero que recebe tal quantia e aceita o encargo está obrigado por justiça a oferecer a missa pela intenção do doador. Historicamente a relação tarifa-missa se revestiu de formas diversas; havendo até "fundações" de missas, - um capital considerável destinado a missas que se devem oferecer nas intenções indicadas pelo fundador, quase sempre por sua alma ou de sua família (cân 1303§ 1, 2º).

O presbítero que aceita o estipêndio para a celebração de uma missa por uma intenção particular está obrigado por justiça a cumprir pessoalmente a obrigação assumida, ou pode encarregar a um outro presbítero de fazê-lo.Deve celebrar uma missa para cada intenção e não incluí-la nas chamadas missas comunitárias. Somente poderá agir desta forma se o fiel o consentir (Nos Iugiter art.2 §2). O presbítero não está obrigado a aceitar, mas se o fizer cria-se o vinculo de justiça. E, portanto, não poderá incluir tal intenção em celebração com intenções comunitárias, a não ser que o fiel não faça questão.

Disciplinando claramente a relação "tarifa-missa" como de justiça, o decreto "Nos Iugiter" ajuda a separar na prática a relação da celebração da Eucaristia e do gesto de venal comércio.

   O sistema de se permitir missa com várias intenções pode se tornar arma de dois gumes: um seria o saudável - a não privatização das missas e o outro sombrio - poderia levar os fiéis à opinião de que há duas classes de missas: uma (a "comunitária") para os pobres e pessoas comuns, e outra (a de única intenção) para os ricos que, ao som de dinheiro, sempre rumoroso e mais abundante, fariam de tudo para "privatizar" a missa.

              As intenções particulares são legítimas e podem ser um dever porque a Igreja participa das alegrias e dores de todos e de cada um, mas ninguém pode pretender ao som de dinheiro ser recordado com exclusividade.              O sistema de taxas é um forte baluarte contra os abusos, embora possa criar uma sombra sobre a natureza e significado da celebração eucarística.  Abusos sempre acontecerão, mas é preciso uma catequese insistente sobre a missa, seu valor, a celebração de toda a Igreja e por toda a Igreja.

  O Decreto diz ainda, confirmando o cân 951, que o presbítero somente pode reter para si o estipêndio de uma missa.  Se ele celebra mais de uma por dia, o estipêndio desta segunda deverá ser destinado ao fim que o Ordinário determinar. Tal Ordinário é o Ordinário próprio do celebrante, e em se tratando de párocos ou vigários paroquiais deve-se entender como o Ordinário do Lugar. (Pontifício Conselho para a Interpretação dos Textos Legislativos, interpretação autêntica de 23 de abril de 1987; AAS LXXIX p.1132).

O Decreto reforça ainda o Código quanto às obrigações de se celebrar as missas assumidas que devem ser cumpridas dentro de um prazo razoável, que se fixa em um ano. Se isto não for possível, pode-se passar a obrigação a outros presbíteros (Nos Iugiter, art 5 § 1).

Será preciso ainda uma coragem muito grande para desindexar a  celebração Eucarística do orçamento econômico do padre diocesano.

Com idéias claras sobre o significado da missa será possível encontrar soluções quanto ao grave problema das intenções e respectivas ofertas, assumindo as normas do Direito Canônico , o Decreto "Nos Iugiter";  a justiça para com os fiéis, e  a justiça para com a natureza e significado da Celebração Eucarística.