L'Osservatore Romano apresentou nesses dias o novo brasão de Sua Santidade o Papa Bento XVI, que mantém alguns elementos originais já contidos no brasão episcopal do então Joseph Cardeal Ratizinger quando era Arcebispo de Munique e Freising na Alemanha e depois Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. A novidade, na tradição dos brasões pontifícios, está na substituição da tradicional tiara pontifícia por uma mitra e também o retorno ao uso do pálio, há muito não mais visto em um brasão papal. O ultimo papa que recebeu a tiara foi Paulo VI, embora os seguintes continuassem a utilizá-la no brasão.

Três símbolos ilustram o brasão escolhido pelo papa Bento XVI, todos eles diretamente ligados à história ou a lendas religiosas, uma delas, da região da Baviera, sul da Alemanha, terra do Romano Pontífice. Segundo Dom Andréa Cordero Lanza di Montezemolo, nomeado arcebispo titular de Anglona depois transferido à sede titular de Tuscania, outrora núncio apostólico na Itália e na República de San Marino, atual Cardeal da Santa Igreja Romana do Título Diaconal de Santa Maria no Pórtico e Arcipreste da Basílica Pontifícia de São Paulo fora dos Muros, perito em heráldica e criador do novo brasão papal, "Bento XVI escolheu um brasão rico em simbolismo e significado, para inserir a sua personalidade e o seu pontificado na história".

O campo principal do brasão, vermelho, apresenta dois lados que constituem uma "capa", de ouro. A "capa" é o símbolo da religião, que indica um ideal inspirado na espiritualidade monástica e, mais tipicamente, naquela beneditina. Algumas ordens e congregações costumam usar a capa em seus brasões.

Os elementos que caracterizavam seu brasão episcopal como arcebispo de Munique e Freising e depois como cardeal-prefeito da Congregação da Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício, como muitos têm o prazer de dizer), continuaram presentes, mas agora ordenados de modo diferente. A esses elementos são acrescentados a mitra e o pálio pontifícios, além das chaves de São Pedro.

A figura que ocupa o centro do brasão é uma grande concha de ouro, que tem pelo menos três significados: antes de tudo, refere-se a uma famosa lenda envolvendo Santo Agostinho: o Santo Bispo passeava por uma praia, meditando sobre o impenetrável mistério da Santíssima Trindade, quando teve sua atenção despertada por uma criança que, com uma concha, derramava a água do mar num pequeno buraco cavado na areia. Ao ser questionado sobre o que estava a fazer, a criança respondeu: "estou a despejar o mar neste buraco". Assim, a concha é o simbolismo da imersão no mar da divindade, portanto, um significado teológico: a limitação da mente humana jamais permitirá total penetração no mistério insondável que é Deus.

Nosso Papa doutorou-se em teologia em 1953 com a tese: "Povo e casa de Deus na doutrina da Igreja de Santo Agostinho". A concha relembra também a dimensão de ser peregrino, simbolicamente ligada a um dos conceitos mais centrais do Concílio do Vaticano II: o Povo de Deus, peregrino, do qual, o papa Bento XVI foi chamado a ser pastor, buscando, desse modo, também seguir o caminho de peregrino traçado pelo seu antecessor, o papa João Paulo "Magno", que testemunhou em todo o mundo seu peregrinar, confirmando seus irmãos na fé em suas numerosas e frutuosas visitas apostólicas.

Por último, a concha lembra ainda o mesmo símbolo que ele vira no brasão do antigo Mosteiro de Schotten, perto de Ratisbona, na Baviera, ao qual sente-se, espiritualmente, muito ligado.

A casula que ele utilizou no dia em que deu início ao seu ministério solene de Pastor da Igreja Universal trazia uma grande concha e diversas conchinhas, sinalizando certamente seu propósito de ser um peregrino que vai anunciar a todos a Boa Nova do Senhor, ensinado-os a nada anteporem, absolutamente, a Cristo. Tal casula foi confeccionada pelas monjas beneditinas de Rosano, Província de Florença, Itália, onde o Cardeal costumava passar alguns dias durante o ano, ocasião em que celebrava a Divina Liturgia e de cuja comunidade saiu o grupo de monjas do Mosteiro que está no Vaticano, e que tem uma comunidade nova a cada cinco anos, por desejo do Papa João Paulo II, Mosteiro que a cada dia 29 de julho, memória de Santa Marta Maria e Lázaro, os hospedeiros do Senhor, entra em contato com a ação do mundo, recordando a vocação das duas irmãs de Betânia: ação e oração. Betânia é a casa da amizade, Jesus usufruía a boa amizade daqueles três irmãos.

Na capa esquerda de quem vê o brasão, encontra-se a figura de um homem, conhecido como o "mouro de Freising". Esse perfil, com uma coroa vermelha, um colar e os lábios também vermelhos, já aparecia no brasão da antiga diocese-principado de Freising em 1316, nos tempos do bispo Conrado III, assim permanecendo até os inícios do século XIX. Essa diocese foi fundada no século VIII, tendo tornado-se sede metropolitana quando unida à de Munique em 1º de abril de 1918. Desde então, todos os arcebispos de Munique e Freising têm posto essa imagem em seus brasões, ela que é também denominada de "caput Aethiopicum", e pode ser vista também ainda hoje no brasão de S. Emcia. Friedrich Cardeal Wetter, arcebispo Emérito de Munique e Freising, sucessor de Joseph Cardeal Ratzinger e também no do atual arcebispo S. Excia. Dom Reinhard Marx

Um elemento curioso do novo brasão está na capa do lado direito de quem vê, é a figura de um urso com um alforje, conhecido como o "Urso de Corbiniano". Ele faz parte da lenda do bispo Corbiniano, que anunciou o Evangelho no século VIII, na antiga Baviera, sendo venerado ainda hoje como pai espiritual e padroeiro da arquidiocese de Munique e Freising: segundo a lenda, durante uma viagem que empreendeu até Roma, um urso devorou seu cavalo. O santo teria, então, ordenado ao urso que levasse sua bagagem à Cidade Eterna. Ao chegar em Roma, o santo liberou o urso, que retornou aos bosques da Baviera onde voltou a viver.  Assim, simbolicamente, o cristianismo amansou e domesticou o paganismo selvagem e introduziu na Baviera os fundamentos de uma grande cultura. O "Urso de Corbiniano" simboliza também o peso do ministério, encontrando, agora essa figura, uma nova pátria também em Roma.

Em cima do brasão aparece pela primeira vez aquela que poderemos chamar de mitra "papal" e não mais a tiara, como aparecia até então nos brasões pontifícios. Na mitra papal encontramos, entretanto, as três faixas de ouro, dantes representadas de modo característico na tiara, que estão coligadas entre si, e representam o tria munera exercidos pelo Santo Padre: santificar, ensinar e governar, funções que, com o seu serviço ordinário supremo, pleno, imediato e universal, pode sempre exercer livremente buscando a salvação de todos, que na Igreja é a lei suprema.

Em baixo do brasão, encontra-se o pálio do metropolita, grande novidade, pois há muito ele não figurava num brasão pontifício, mas é apresentado com cruzes vermelhas e não pretas como o daquele que recebem os metropolitas em Roma, por ocasião da Solenidade do Apóstolo São Pedro, sendo esse um sinal da colegialidade e da subsidiariedade entre eles e o Romano Pontífice. O pálio é desde o século IV também uma insígnia litúrgica típica do pontífice, indicando a sua missão como pastor do rebanho que lhe foi confiado pelo Senhor; àquele recebido, juntamente com o anel do pescador, é semelhante ao omophorion utilizado pelos patriarcas das Igrejas Orientais Católicas ou mesmo também pelos patriarcas das Igrejas Ortodoxas. Na Basílica de São Paulo fora dos muros, que contém mosaicos com as imagens de todos os Romanos Pontífices percebemos que eles, em sua maioria, aparecem com o pálio que hoje vem retomado pelo nosso Papa.

As duas chaves, contidas no brasão, uma de ouro e outra de prata, lembram o poder dado a São Pedro, pelo Senhor, de ligar e desligar (Mt 16,19). É vista também por muitos como símbolos do poder espiritual e temporal, esse último certamente muito mais evidenciado no tempo em que existiam ainda os Estados Pontifícios.

Para os amantes da heráldica, o brasão pode ser assim descrito: "Vermelho, com capas de ouro e concha do mesmo metal; na capa direita possui uma cabeça de mouro ao natural, com a coroa e o colar em vermelho; na capa esquerda possui um urso ao natural, de lampazo, carregando um alforje, atado por cintas pretas".

O lema do Papa não foi ainda revelado, mas se acredita que será o mesmo que ele tinha como Cardeal-Arcebispo de Munique e Freising: "Colaborador da verdade" (3Jo 8) ou, até mesmo, aquele que citou por ocasião da sua primeira audiência pública ao falar de São Bento: "Desse pai do monaquismo ocidental, conhecemos a recomendação deixada aos monges na sua Regra:  "Nada anteponham, absolutamente, a Cristo" (RB 72, 11; cf. 4, 21). No início do meu serviço como Sucessor de Pedro, peço a São Bento que nos ajude a manter firme a centralidade de Cristo na nossa existência. Que ele esteja sempre em primeiro lugar em nossos pensamentos e em cada uma das nossas atividades!". Não ter ainda o lema, ou não tê-lo, em definitivo, não significa "falta de programa, mas ao contrário, uma abertura, sem exclusão, a todos os ideais que derivam da fé, da esperança e da caridade". Isso afirmava o atual Emmo. Andréa Cardeal Cordero Lanza de Montezemolo, de certa forma profetizando, já que as duas primeiras encíclicas do Papa, de fato, têm como temática a caridade (Deus caritas est) e a esperança (Spe salvi).

D. Hugo da Silva Cavalcante, OSB