Tempo do Advento:
nosso itinerário de Belém a Betânia, de Betânia à Belém...

Conduzidos pelo Evangelista São Lucas estamos a percorrer ou já percorremos, na altura em que este estiver a ser lido, o nosso itinerário neste Advento do ano da Graça do Senhor de 2006 = tempo, por excelência, do Encontro: com o Deus-Menino, com o Deus-Conosco, com o Deus-Irmão, com o nosso Salvador, que é o Cristo Senhor (cf. Lc 2,11), Único Salvador de toda a humanidade. A iniciativa desse Encontro é sempre d'Ele: ele vem até nós, se humilda, querendo fazer do nosso coração, da nossa vida, sua nova manjedoura para re-nascer; um novo lugar onde quer estabelecer a sua tenda, a sua morada. Se a iniciativa do Encontro é dele, nossa é, sem sombra de dúvida, a iniciativa do deixar-se encontrar com Ele, como uma resposta à graça que vem cotidianamente doada, que é aquela de vivermos questionando: e nós o que devemos fazer? (cf. 3,10); como devemos preparar essa acolhida? Às questões aqui levantadas poderemos, então, responder: vivendo bem o nosso dever de estado, as pequenas coisas do dia a dia, buscando a heroicidade da fidelidade a nossa vocação, que deve corresponder à chamada universal à santidade, pois se no Filho somos filhos, seremos santos, porque é fiel Aquele que nos chama à comunhão com Deus-Trindade, que é o Amor por antonomásia, perfeita comunidade. Lembremo-nos que somente acontecerá esse Encontro, se nos dispusermos, docilmente, a Ele, que está a porta e quer entrar.

Bem sabemos que Belém significa a Casa do Pão; Aquele, portanto, que se fez pão, nasceu nessa casa para que pudesse, de modo sublime, nos alimentar do seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, sendo esse um modo singular de estar presente, sendo esse um modo especialíssimo de termos com Ele o nosso Encontro, ele que se imolou na cruz para que nós fossemos os únicos beneficiários. Não podemos participar da mesa do Senhor, plenamente, se não somos capazes de partilhar o pão material; nesse Advento, neste Natal, partilhar, é sem dúvida alguma, uma das formas de nosso encontro com o Cristo, sobretudo, porque ele está bem presente nos mais necessitados, naqueles que não têm acesso ao mínimo de pão, e que muitas vezes, até o recebem, mas, lamentavelmente, não conjuntamente com a dignidade de serem pessoas, em gestos que podem ser o fruto de um mero assistencialismo indicador de que se pode retornar aos tempos romanos do pão e circo, simplesmente, não constituindo cidadãos, cujo sustento deve ser sempre o fruto do exercício de um honesto trabalho. O pão, fruto do trabalho, dignifica realmente o homem, essa dignidade recorda a sua condição de filho de Deus, sendo assim convidado, verdadeiramente, também a participar do banquete eucarístico, que é alimento e bebida que nos sustentam em nossa caminhada. A cada dia é-nos dada a oportunidade de irmos até a Casa do Pão, no domingo devemos pressurosos acorrer a ela e dela saindo eucaristizados, como cristóforos, conduzirmos Jesus aos irmãos e irmãs que ainda não o perceberam.

Nós que, pretensamente seguimos a Cristo, apesar dos pesares, que são os nossos próprios pecados, temos que estar prontos para rever as motivações que nos levam até Ele; segui-Lo, para que então sejamos seus discípulos, nos exige antes de tudo, perceber, que não temos mais a posse de nós mesmos ou de qualquer coisa, mas devemos aprender a fazer como ele o dom de Si mesmo, a partilha daquilo que temos, da nossa própria vida, num gesto de aniquilamento, cuja fragilidade do Menino da majedoura - aquilo que somos -,  não nos pode jamais fazer esquecer a grandeza de que Ele é o Cordeiro que se imola, remindo a toda humanidade, tirando o pecado do mundo, nos fazendo participar da sua natureza divina, nos dando a graça da imortalidade. Ele assumiu a nossa natureza humana, para que nos tornássemos partícipes da sua divina natureza.

Somente poderemos adentrar verdadeiramente na Casa do Pão se participamos, dantes, da Casa da Amizade, pois de Jesus, os Apóstolos e agora nós todos, não somos apenas servos, mas amigos, pois Ele nos revelou tudo aquilo que ouviu do Pai (cf. Jo 15,15). Betânia é a Casa da Amizade, nela encontramos Jesus junto aos três irmãos-amigos. Nessa casa Jesus é acolhido, não é a toa que eles são chamados de os hospedeiros do Senhor; nessa Casa, encontramo-nos com Maria (10, 38-42), que escolheu a melhor parte, que é aquela de ser discípula, em um gesto de escuta, de contemplação e depois de total serviço, ungindo o Senhor (Jo 12,3). Jesus antes de conduzir os discípulos à consciência de que participariam da mesma sorte, fez com que eles passassem pela Casa de Betânia (11, 11), desse modo, fez viver a experiência da Casa da Amizade àqueles que também deveriam se tornar partícipes da Casa do Pão, sendo também eles trigo a ser moído, participando da mesma sorte do seu Senhor.

Que da Casa da Amizade (Betânia), lugar do encontro com Jesus nos irmãos, sejamos também nós conduzidos à Casa do Pão (Belém), lugar do encontro com Jesus eucarístico, ‘remédio da imortalidade, antídoto para não morrer' que nos ajuda a fazer o caminho inverso, seguindo, assim, como discípulos, Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14,6), para que toda pessoa humana, coração da paz, chegue um dia a Jerusalém do alto, visão de paz.

D. Hugo da Silva Cavalcante, OSB