Nos números 1/2 da Revista 30 dias na Igreja e no mundo que é referente aos meses de janeiro e fevereiro do ano de 2005 encontramos na Sessão Curtas (pg. 38) uma notícia que deixou-me deveras surpreso, a começar pelo seu próprio título: Cardeal Julián Herranz e a comunhão aos casados novamente. A referida notícia assinala o exato momento de uma entrevista por ele concedida na ocasião da apresentação da Instrução Dignitas conubii, com a qual o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos ordena para o uso mais prático o direito processual, contido no Código de Direito Canônico, direcionando-o, mais apropriadamente para o uso nos Tribunais Eclesiásticos ao tratarem, especificamente, das causas de nulidade de matrimônio.

O eminentíssimo purpurado havia declarado em entrevista a um cotidiano escrito italiano: "os divorciados casados novamente não são excomungados fazem parte plena da Igreja. Receber ou não a comunhão está também ligado ao escândalo público que a sua condição pode provocar dentro de uma específica comunidade cristã. Se não há esse escândalo, estes cristãos podem receber a comunhão".  Realmente, eles não estão excomungados, lembremo-nos aqui, portanto, de que as excomunhões latae sententiae hoje são apenas dez, nove contidas no Código de Direito Canônico (apostasia, heresia, cisma, profanação das espécies consagradas, violência física contra o Romano Pontífice, absolvição do cúmplice em pecado contra o sexto mandamento do decálogo, consagração episcopal sem mandato pontifício, violação do sigilo sacramental e aborto, conseguindo-se o seu efeito) e uma décima (a de revelação de segredo em um Conclave) na Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, do nosso Pontífice, de saudosíssima memória, João Paulo II e, em nenhum dessas, absolutamente, encontramos qualquer referência ao fato de que esteja excomungado aquele que separado, encontra-se em uma segunda união conjugal).

Um presbítero que conheço, desses que por pura conveniência para com aqueles lhe são, sobremaneira, generosos e, por causa de puros afetos pessoais prefere tantas vezes mudar aquilo que a Igreja Santa, embora contendo em seu seio, nós, membros pecadores, possui como firme doutrina, começou a vibrar, bradando que a normativa a esse respeito havia sido modificada, coisa que, firmemente, de fato, duvidei. É bom sempre usarmos de prudentíssimos critérios para que percebamos aquilo que a imprensa diz, sobretudo se isso se refere a temas que estão relacionados com a Igreja, mas isso, lamentavelmente, nem sempre fazemos e acabamos por acreditar naquilo que foi dito sobre o assunto, não vamos a fundo perceber o que se encontra por trás do que se quis dizer, que nem sempre condiz com o que foi real e verdadeiramente dito. A Revista 30 dias..., portanto, cometeu esse lapso de citar sem averigüar com precisão a fonte, que com absoluta certeza, sabia o que estava afirmando, embora tenha sido erroneamente interpretado.

O número 5 da 30 dias..., como verdadeiramente esperávamos, acabou por fornecer um devido esclarecimento que feito pelo próprio Cardeal Herranz, na sessão de Cartas do Diretor (pg. 5) tirando exatamente todas as dúvidas que foram levantadas nos números supra-citados dessa tão interessante, profunda e bela Revista; o eminentíssimo purpurado assinala que a resposta que deu não foi anotada em seu completo teor, contendo aquela afirmação o seguinte complemento: "subentende-se, desde que tenha sido anulada a situação de pecado grave, pois o estado de graça é pedido a todos para poder receber a eucaristia".

Logo depois da eleição do novo Romano Pontífice, cujo quarto ano de pontificado estamos por vivenciar, começaram a surgir rumores sobre a revisão dessa normativa, inclusive com a anotação do fato de que ele mesmo havia afirmado em algum momento essa possibilidade, ou seja, a sagrada comunhão eucarística para os fiéis divorciados novamente casados. O pensamento da Igreja a esse mérito foi detalhadamente expresso por meio de dois documentos: uma Carta da Congregação da Doutrina da Fé, do dia 14 de fevereiro de 1994, cujo Prefeito era o Cardeal Ratzinger, hoje Santo Padre Bento XVI, que veio corroborada pela Declaração do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos do dia 24 de junho de 2000. O primeiro documento assinala: "essa norma não tem, de forma nenhuma, um caráter punitivo ou então discriminatório para com os divorciados novamente casados, mas exprime antes uma situação objetiva que por si torna impossível o acesso a comunhão eucarística..." e a ainda "É necessário esclarecer os fiéis interessados para que não considerem a sua participação da vida da Igreja reduzida exclusivamente à questão da recepção da eucaristia" e o segundo: "a Igreja reafirma a sua solicitude materna para com os fiéis que se acham nessa situação ou em outras análogas, que os impeçam de ser admitidas à mesa eucarística".

A normativa nessa matéria, como evidenciamos, de fato, não mudou e a ninguém, seja ministro ou fiel é lícito fazê-la modificar. Em todas as ocasiões, lembremos o Apóstolo dos gentios quando escreve aos coríntios: "cada um examine a si mesmo antes de comer desse pão e beber desse cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe a própria condenação" (cf. 1Cor 10,28).

D. Hugo da Silva Cavalcante, OSB