A mentalidade de que quem assiste debaixo do viaduto é extremamente vera. Nós outros, os que habitamos casas de alvenaria, temos as vistas turvas. Não somos capazes de enxergar a verdade, nem de dizer a verdade. Os sofredores de rua, ou as pessoas que vivem em situação de rua, compreendem que o porvir do ser humano é a miséria cabal. Éramos pó e tornaremos a sê-lo dentro em breve. Que pena deslembrarmos desta admoestação bíblica!

Por estarem em íntimo contato com a verdade, muitas dessas pessoas em situação de rua não desejam volver às casas e aos empregos, que grande número já teve um dia. Antes, preferem contemplar os bem-dotados da sociedade, que desfilam em  carrões, com roupas bonitas. Vêem quão ilusório é tudo isso e percebem que a existência desses bem-sucedidos é uma miragem... Eles, os sofredores de rua, tidos por mal-sorteados, riem de nossa pseudo-segurança, bem como da opulência que folgamos em ostentar. Chegam à conclusão de que somos nós, os "incluídos", os cidadãos dignos de pena, porque nem sequer tangemos a verdade. Os sofredores de rua estão insertos na verdade; vivem-na concretamente.

Penso que há muito a aprender com as pessoas que vivem em situação de rua. Quiçá a primeira lição seja não nos levarmos a sério. A segunda, bem importante, o valor da solidariedade. A terceira, viver em oração. Desafortunadamente, os homens, máxime os fanáticos religiosos, encontram prazer em louvores etc. Olvidam a diatribe do profeta Amós: "Estou farto de sua música e de seu incenso!" Estou convicto de que os homens e mulheres que assistem nas ruas são verdadeiramente humanos, porquanto estão despojados de toda canga que anuvia o dia-a-dia dos remediados e ricos.

Edson Luiz Sampel