Instrução Dignitas Connubii.
Rigidez no procedimento para a declaração de nulidade do matrimônio.

Edson Luiz Sampel - Juiz dos tribunais eclesiásticos com sede na Arquidiocese de São Paulo.

A recém-promulgada Instrução "Dignitas Connubii" vem regular o procedimento para a declaração de nulidade do matrimônio. Antes do advento desta lei, as normas processuais atinentes à declaração de nulidade de casamento encontravam-se tão-somente no código canônico.

A indigitada instrução foi apresentada ao mundo no dia 8 de fevereiro próximo passado, terça-feira gorda. A imprensa fez bastante alarde, afirmando tratar-se de uma reação do Vaticano à vultosa quantidade de sentenças que concedem a nulidade matrimonial.

Na cerimônia de apresentação da instrução, o cardeal Julián Herranz assinala que é necessário emprestar ao procedimento de nulidade uma verdadeira natureza de processo judicial. De fato, quer-se com esta instrução restaurar um instituto eminentemente processual e indispensável para a obtenção da verdade real: O CONTRADITÓRIO. Neste sentido, o múnus do defensor do vínculo será sobremaneira fortalecido. Na hipótese de as partes acordarem quanto à tese de invalidade do sacramento, cumpre ao defensor do vínculo expor, exaustivamente, todos os argumentos plausíveis em favor do matrimônio, pois, pelo ordenamento jurídico, o matrimônio goza de uma presunção relativa de validade (cânon 1060). Na dúvida, o juiz não pode declarar a nulidade do matrimônio. Além disso, o defensor do vínculo está obrigado a recorrer das sentenças que decretarem a nulidade, exibindo as razões da apelação. Não basta um simples: recorro da sentença. É mister fornecer argumentos e fatos que ponham em dúvida um decreto de nulidade, ou, para empregar uma linguagem do ambiente forense-canônico, o defensor do vínculo precisará demonstrar que a dúvida original não fora dirimida em prol da tese de invalidez do sacramento. Este é o papel do defensor do vínculo. Contudo, nada impede que o referido defensor manifeste-se pela declaração da nulidade, quando percebe que o matrimônio-ato é indiscutivelmente nulo, em razão das provas que houver nos autos.

Segundo o prelado da cúria romana, o objetivo da nova instrução é servir como um tipo de vade-mecum àqueles que atuam nos tribunais eclesiásticos. A instrução é o sumário de várias ocorrências jurídicas ao largo da vigência do código de 1983: interpretações autênticas, respostas da Assinatura Apostólica e jurisprudência da Rota Romana. Um amálgama legislativo a serviço do operador do direito, fruto do amadurecimento de vinte e dois anos do código canônico. O cardeal frisa que os bispos, como moderadores dos tribunais canônicos, são os primeiros responsáveis pela reta administração da justiça. Cita o discurso que o Romano Pontífice fez aos auditores da Rota Romana, na abertura do ano judiciário de 2005: "Os sagrados pastores não podem pensar que os atos dos seus tribunais são uma questão meramente "técnica", da qual eles podem desinteressar-se, confiando-a inteiramente aos seus juízes vigários."

O matrimônio é indissolúvel, não por vontade da hierarquia da Igreja, mas por desejo expresso de Jesus Cristo (cf. Mt 19, 1-9; Lc 16,18 e Mc 10,1-12 ). Desta feita, a instrução ora analisada visa a salvaguardar o bem da indissolubilidade, porque o matrimônio é um dos fundamentos da comunidade eclesial. Não se pode tolerar qualquer condescendência com uma mentalidade divorcista. Apenas os casos comprovadamente nulos, aferidos ao termo do devido processo legal, devem ser julgados nulos.