À primeira vista, soa estranho um direito penal na Igreja. Com efeito, as penalidades causam uma certa repulsa; o povo entende que elas servem para os bandidos. Surge, então, a pergunta: há criminosos no grêmio da Igreja fundada por  Cristo? Em princípio, a resposta deve ser afirmativa. De fato, quem quer que transgrida uma lei penal canônica é considerado criminoso. Assim, por exemplo, aquele que subtrai as espécies eucarísticas para fim sacrílego incorre em excomunhão "latae sententiae" (automática). Cometer aborto é outrossim um delito nefando, tanto para o direito penal canônico, quanto para o direito penal estatal. No âmbito do direito penal canônico, as pessoas envolvidas no abortamento são excomungadas automaticamente, sem trâmite judicial. Um parêntese aqui para uma característica do direito processual penal canônico: existem crimes nos quais a penalidade é infligida diretamente, sem o chamado "due process of law" ("devido processo legal").

O objetivo do direito penal estatal é interdizer a prática de atos típicos, considerados extremamente detrimentosos para a paz societária. O direito penal canônico também possui o referido escopo, no entanto, vai além disso. O direito penal canônico é dotado de um caráter eminentemente medicinal. Visa à cura do infrator, de alma e de corpo. O direito penal estatal, por seu turno, destina-se, em tese, a propiciar a reinserção do cidadão na sociedade. Na prática, isto não sucede. O detendo torna-se moralmente pior do que era. Neste diapasão, a pena passa a ser mera vingança da sociedade. O delinqüente é conduzido ao xadrez para sofrer variegada sorte de agruras e humilhações. Já no direito penal canônico, a expiação do pecado é levada a cabo com dignidade e consiste num salutar remédio de ordem espiritual. Mesmo a temível excomunhão não leva ninguém para o inferno, como muita gente pensa. O excomungado é tão-somente segregado da comunidade, por um certo tempo. Findo o termo excomunicatório, o fiel retorna ao convívio com os irmãos, sendo recebido de braços abertos. Outra diferença notável relativamente ao direito penal estatal. O ex-presidiário, malgrado tenha pago sua dívida com a sociedade, em estrita observância às "regras do jogo", é achincalhado e aviltado. Negam-se-lhe todas as oportunidades de emprego e ele leva indelével consigo a pecha de criminoso, como se errar não fosse humano.

O direito penal canônico parte do pressuposto de que o ser humano é pecador. Comete erros o tempo inteiro; uns graves, outros não. O direito penal canônico, sem embargo, faz a distinção entre o erro e o errante. O erro tem de ser abominado e reprimido. O errante, vale dizer, o homem, precisa de carinho e compreensão, com a outorga de renovadas oportunidades de emenda (setenta vezes sete, como ensinou Jesus).

Edson Luiz Sampel