O amor só pode ser uma construção; uma realidade forjada dia a dia. Do contrário, não há amor verdadeiro. Se o amor implicar um sentimento, estará sujeito às mudanças de humor do amante. Quando se está bem, ama-se bastante. No momento em que a pessoa se sente amargurada ou angustiada, ama pouco ou até odeia.

São Paulo entendeu muito bem a estrutura do amor. Diz o apóstolo dos gentios que o amor é paciente. Assim, este característico supõe desavenças entre os que amam. Significa, também, que o amor nem sempre é correspondido. Além disso, percebemos que o amor muita vez leva tempo para madurar, para livrar-se de suas ambigüidades, para burilar-se e comunicar a decisão de querer bem ao outro. Não existe amor que seja estreme de ódio. Com efeito, ama-se e odeia-se concomitantemente. O ser humano é incapaz de um posicionamento absolutamente límpido. Isto só os anjos estão aptos a realizar. Se, por exemplo, um anjo decide negar a Deus, como procedeu Lúcifer, fá-lo irreversivelmente. Não é possível a conversão desta criatura, vale dizer, o retorno dela ao redil dos bem-aventurados.

Outra pessoa que compreendeu magnificamente a essência do amor, porque o praticou diuturnamente, foi Dom Hélder Câmara. Deveras, o pranteado antístite certa vez afirmou: santo é quem cai e se levanta dez mil vezes. Na queda prevalece a descaridade, no soerguimento surge a caritas, o ágape, ou o amor. Todavia, não ocorrem divisões estanques entre esses dois fenômenos; eles estão visceralmente imbricados, enquanto estivermos sob o pálio do lusco-fusco da história e do tempo. De qualquer modo, o amante é alguém que possui uma tarefa ingente para executar. Precisa fazer o sol nascer sobre justos e injustos. Tem de amar até mesmo aquele que é seu inimigo.