O fato de o código canônico estar redigido em latim propicia o distanciamento entre a lei e o povo de Deus. Hoje em dia, pergunto, quantos sabem latim? Nem os clérigos conhecem a língua de Cícero! Talvez, entre os canonistas, uma meia dúzia de padres idosos. E só. E não me venham com o argumento de que a tradução, elaborada pela CNBB, e veiculada exclusivamente por uma grande editora católica, numa edição bilíngüe, tem o mesmo peso que o texto em latim! (há poucos meses, essa mesma editora lançou um código apenas com a tradução; a meu ver, um trabalho de questionável utilidade). Ora, é a própria CNBB que faz a advertência, afirmando que o texto oficial é o latino: "Só o texto latino do código tem valor oficial." ("Apresentação do Código", Dom Ivo Lorscheiter, Brasília, 25/4/83).

Não poderia ser de outra maneira, pois o código não rege apenas a vida dos católicos lusófonos, mas de todos os povos que pertencem à chamada Igreja latina: Estados Unidos, Europa, Ásia, América Latina etc. Recentemente, em artigo especializado, publicado pela Revista de Cultura Teológica, da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, defendi a tese de que o código, num futuro não muito remoto, poderá ser vazado em inglês ou espanhol, que são os idiomas universais do momento. Até mesmo um católico chinês ou vietinamita sabe um pouco de inglês. Muitas vezes, nesses países, o inglês já é a segunda língua. A lei tem o objetivo de libertar, de veicular valores. Para atingir essa meta, ela necessita ser compreendida pelos seus destinatários e aplicadores. Imagine o leitor a dificuldade que terá um católico japonês para postular o exercício de um direito consagrado no código? Pois, note-se bem, no caso de ocorrer contenda judicial, isto é, disputa acerca de determinado interesse, os tribunais eclesiásticos, principalmente a Rota Romana, não vão levar em conta esta ou aquela tradução do código; o debate judicial dar-se-á sempre a partir do texto oficial, ou seja, do latim. E digo mais: a sentença, se oriunda da Rota Romana, que é uma espécie de Suprema Corte da Igreja, estará lavrada em latim. Se a Lei Maior da Igreja estiver escrita em inglês, por exemplo, é óbvio que a distância entre o legislador e o destinatário da norma ficará bem mais curta. A lei tornar-se-á acessível. Cumprirá, assim, seu papel de ser um instrumento de implementação do ideário do Concílio Vaticano II.

Edson Luiz Sampel,
Juiz do Tribunal Eclesiástico de São Paulo,
mestre em Direito Canônico pelo Instituto de Direito Canônico Pe. Dr. Giuseppe Benito Pegoraro, agregado à Pontifícia Universidade Lateranense de Roma; doutorando em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Católica da Argentina; autor dos seguintes livros: "Quando é Possível Decretar a Nulidade de um Matrimônio" (Paulus) e " Introdução ao Direito Canônico" (LTR).