Será que existe alguma relação entre o direito processual civil e o sacramento da Eucaristia? Bem, antes de responder a esta árdua pergunta, creio ser importante dissipar uma idéia completamente equivocada. Não se pode fazer dicotomia entre fé religiosa e vida profana. Ora, numa perspectiva do crente, a fé religiosa só ganha sentido se se refletir no dia-a-dia do viver ordinário. O que desejamos quando nos relacionamos com Deus? É óbvio que nosso intuito é buscar sentido para a existência. Não existimos apenas nos momentos de participação do serviço religioso na igreja. A existência, bem como os questionamentos que dela surdem, são fenômenos que permeiam tudo o que fazemos, desde o momento quando acordamos até a hora do repouso, mesmo que nesse interregno não dediquemos um minuto sequer à oração. Posto isto, provado o liame que se estabelece entre vida profana e fé religiosa, - a propósito, a própria asserção implica uma disparidade inconcebível, - sentimo-nos à vontade para expender algumas palavras relativamente ao tema explicitamente, ou seja, à relação que há entre o direito processual civil e o sacramento da Eucaristia.
Vamos rapidamente dizendo qual é o fim do processo. É-o indubitavelmente a composição dos litígios. Assim, o direito processual civil é o conjunto de leis ou normas positivas que visam a regular o processo. O processo é uma instituição social, cujo escopo é solucionar contendas. A Eucaristia, também, serve para manter a saúde do povo de Deus. Fá-lo, contudo, numa perspectiva pastoral e escatológica. Todavia, a paz e a justiça são fruto do referido sacramento. Estes valores são outrossim o corolário do processo. Jesus veio ao mundo para que tivéssemos vida abundosa (Jo 10,10). Engendrou a salvação integral do ser humano. Isto significa que a categoria reino de Deus compreende uma sociedade igualitária, justa e fraterna, porquanto o céu começa aqui, agora (hic et nunc). Uma sociedade só será autenticamente fraterna na comensalidade e koinonia eucarísticas. O sacramento comunica a graça necessária para a fruição da fraternidade. Nada obstante, como denuncia a máxima escolástica, "a graça supõe a natureza"; não atua em ambientes absolutamente pervertidos pelo pecado, como nas sociedades tipicamente neoliberais. Outro exemplo de similitude entre o direito processual civil e o aludido sacramento.
No processo há um juiz-presidente. A esse julgador cabe aquilatar as petições de cada parte e dizer quem tem o direito. No sacramento da Eucaristia, o grande juiz é o próprio Jesus, que se faz pão (transubstanciação). Sem embargo, o sacramento em análise é contextualizado através do sacerdote (presbítero ou bispo) que preside a celebração e procede à consagração. A dicção do direito no sacramento da Eucaristia é a entrega que o Salvador faz de si mesmo; um bem inestimável. O presidente do processo judicial outorga bens augustos, mas perecíveis. Em suma, no sacramento da Eucaristia está o Criador, a quem devemos honra e louvor. No objeto da justiça surge uma criatura, o direito, que não há de ser absolutizada, porém é digno do ser humano, conferindo-lhe o verniz oriundo do fato de o homem ser imagem e semelhança de Deus.

Edson Luiz Sampel
(do livro "Teologia do Direito", no prelo)