Coube a Rudolf Bultmann a tarefa de apontar os mitos encontradiços nas narrativas evangélicas. Por causa dessa descoberta, tacham o teólogo tedesco de racionalista e ateu. Sem embargo, pelo que pude depreender da leitura parcial da obra bultmaniana, não se trata de lancetar as bases da revelação em Jesus de Nazaré, mas, pelo contrário, a preocupação do exegeta é exatamente encontrar os fundamentos da mensagem do Jesus histórico.
Segundo o escólio de Bultmann, a comunidade primitiva, bem como o próprio Jesus, serviram-se de mitos para comunicar a revelação divina. Pelo que se depreende, Bultmann deseja perscrutar a humanidade de Jesus ao máximo. Fá-lo com razão, porquanto Deus se manifesta através da existência de um ser humano concreto: Jesus de Nazaré. Consoante o dogma da Igreja católica, Jesus era um homem igual a qualquer um de nós, salvo no pecado. Ora, Bultmann explora ad nauseam a assertive magisterial de que o Messias era um homem verdadeiro. O que é ser um homem verdadeiro? Deus se mostra através das características e idiossincrasias desse homem de verdade. Temos de frisar que Jesus era um homem verdadeiro, também no sentido de varão autêntico. Assim sendo, o falo de Jesus com certeza ficou ereto, como também o falo do nosso macróbio papa tem ou teve ereções.
Em sendo homem verdadeiro, posto que sem pecado, Jesus, ao lume da tese da "desmitologização", procura embasar-se nos mitos a fim de apresentar a doutrina dele. Isto não quer significar que Jesus adrede faz uso dos referidos mitos, mas que o Messias tinha sobre si mesmo uma compreensão mitológica, o que é deveras peculiar à época. Para Bultmanna, "desmitologizar" é superar a visão de mundo de Jesus e de sua época. Tirando esse "pó", é possível haurir a legítima mensagem de Jesus. O homem hodierno, moderno, não necessita dos mitos. Aliás, é-lhe extremamente penoso, na sua racionalidade, entrar em contato com o mundo de Jesus. Ouçamos Bultmann:
" (...) desmitologizar não significa recusar a escritura em sua totalidade ou a mensagem cristã, senão que eliminar de uma e de outra a visão bíblica do mundo, que é a visão de uma época passada, com demasiada freqüência ainda mantida na dogmática cristã e na pregação da Igreja. Desmitologizar supõe negar que a mensagem da Escritura e da Igreja estão ineludivelmente vinculadas à uma visão de mundo antiga e obsoleta." (Jesus Cristo e Mitologia, Editora Novo Século, 2003, 2.ª edição).
Sem sombra de dúvida, o mérito de Bultmann é provar que Deus não é um prestidigitador. Quem fizer a leitura fundamentalista e literal do Evangelho facilmente chegará à conclusão de que Deus é mesmo um tipo de mágico. Ocorre que a teologia, e também a revelação em si, precisam de empregar a linguagem humana. Todavia, Deus infinito não cabe dentro das limitações lingüísticas. Por isso, os hagiógrafos recorreram a expedientes variegados no afã de passar aos homens a sã doutrina.
Bultmann não é o dono da verdade. No entanto, abriu caminho para que a exegese amadurecesse. A propósito, é recomendável que um cristão-católico adulto saiba arrostar com coragem e vivacidade essas questões. É-lhe defeso manter uma postura infantil, que sustenta uma fé igualmente infantil, incapaz de produzir frutos.

Edson Luiz Sampel