O tíbio é um ateu em potência, leciona F. Fernandez Carvajal. Deveras, um dos maiores males que nos assola hodiernamente é o desfalecimento das virtudes teologais. A esta vicissitude nefanda dá-se o nome de tibieza.
A tibieza faz com que as pessoas comportem-se como se Deus não existisse. O Criador do mundo e dos homens é tão-somente uma idéia vaga: "O espiritual pode ser verdade; na prática é apenas uma nebulosa (...)" (F. Fernandez Carvajal). Com efeito, se ganharmos à rua, perguntando quem acredita em Deus, decerto haverá poucos que nos confessem ser ateus ou agnósticos. Contudo, boa parte dos nossos contemporâneos, sobretudo os remediados, das classes médias, os que fruem das comodidades de um dia-a-dia aburguesado, é composta de ateus práticos, para empregar uma expressão cunhada por João Paulo II; gente que professa a fé em Deus, mas que deixa de pautar as atitudes pelos critérios encontradiços no evangelho ou pelos ensinamentos da Igreja católica. Em suma, vive-se arrimado em "valores" rasteiros; os grandes ideais são deslembrados e postos à margem: mortificação, sacrifício, oração, justiça, opção pelos pobres etc.
"Sursum corda!" Coração ao alto! Esta é a exortação que ouvimos todo domingo na missa. Com efeito, trata-se de um convite para vencermos a tibieza. A propósito, a tibieza não é uma doença que acomete apenas os cristãos apáticos; invade, também, a realidade dos chamados "católicos praticantes". Por isso, é mister que envidemos todos os esforços para debelar essa patologia da alma.
Segundo o magistério de F. Fernandez Carvajal, a tibieza vai se construindo pouco a pouco no espírito do homem. Começa com as concessões que fazemos relativamente ao pecado venial. Pode ser definida como uma acídia ou preguiça para com as realidades sobrenaturais. Quem descuida da oração inevitavelmente cai nas garras da tibieza. Já dizia dom Angélico Sândalo Bernardino, antigo prelado em São Paulo, atual bispo diocesano de Blumenau: "Quem não reza vira bicho!". Ora, não há nada mais verídico. Eu acrescentaria: quem não reza vira também tíbio... Aliás, o tíbio é um animal, porquanto trilha os caminhos do instinto e perde, paulatinamente, a dimensão humana, que é teológica e divina. Insisto neste ponto: o ser humano não é um dado perfeito, acabado; pelo contrário, é uma tarefa a cumprir quotidianamente, daí a razão de usarmos o verbo no infinitivo (ser humano).
Um salutar remédio contra o torpor da tibieza é o sacramento da penitência. Precisamos recorrer à confissão freqüente se realmente quisermos manter o coração limpo, preservar aceso o archote do Espírito Santo. Outra benéfica medicina é a oração constante. Nós, leigos, se pudermos, quando possível, lucraremos muito com a recitação da liturgia das horas, como oram os clérigos, vez que instantes inteiros do dia permeiam-se de orações e louvores. O Pe. Carvajal frisa sobremodo a questão da continência dos sentidos, principalmente do olhar. O cura está coberto de razões, pois o tempo todo somos bombardeados por vertiginosos influxos de erotismo e despudor, quer na mídia mercenária, quer nas vestes de mulheres que não preservam o devido pudor. Guardemos, assim, a vista...
Leonardo Boff, na sua esplendorosa obra "A águia e a galinha", descortina o horizonte que o cristão é chamado (vocacionado) a degustar. Contentar-se com menos, por preguiça - às vezes, preguiça de pensar - é um delito que desafortunadamente pratica-se amiúde. O tíbio não enxerga utopias; contempla apenas o palpável e solta-se ao hedonismo. Se de verdade desejamos construir um mundo melhor, uma sociedade justa e fraterna, onde haja vida abundante para todos (Jo 10,10), é-nos imperioso e urgente pôr-nos constantemente de alerta contra a tibieza.
Edson Luiz Sampel