Nesse tempo de pandemia, somos chamados a rever nossa prática evangelizadora, sendo mais ousados, criativos, visionários e, principalmente, proativos na evangelização. Evangelizar no Brasil, “cada vez mais urbano, pelo anúncio da Palavra de Deus, formando discípulos e discípulas de Jesus Cristo, em comunidades eclesiais missionárias, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, cuidando da casa comum e testemunhado o Reino de Deus rumo à plenitude” (Doc. CNBB 109, Objetivo Geral).
Na mitologia grega, Sísifo era considerado o mais astuto e ardiloso dos mortais. Muito inteligente e sem escrúpulos por saber trapacear os homens e até os deuses. Julgava-se invencível, até mesmo mais esperto que todos os deuses. Muito hábil na arte de mentir, parecendo que tudo o que falava era verdade. No entanto, por possuir tantas virtudes chegou a enganar os próprios deuses. Os deuses perderam a paciência com Sísifo e deram-lhe uma pena terrível por toda a eternidade. Condenaram Sísifo a carregar com as mãos uma rocha pesada até o cume de uma montanha. Lá, exausto, não tinha forças para impedir que ela rolasse ladeira abaixo, tinha que recomeçar a carregá-la todo os dias.
O trabalho de Sísifo era um trabalho árduo, repetitivo, despropositado e sem esperança de dar resultados. Os resultados eram sempre infrutíferos, irrelevantes e frustrantes. Uma situação interminável e inútil. Os deuses imaginaram que não haveria punição mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança.
Muitas vezes, o cotidiano dos ministros ordenados e não ordenados gira em torno de uma rotina diária e repetitiva de atividades voltadas quase que, exclusivamente, para a sacramentalização. Temos todo conhecimento, sabedoria, técnicas, metodologias para os sacramentos. Somos os profissionais e especialistas dos sacramentos e esquecemos da evangelização. Somos ousados, visionários e sabemos manter esta prática sem um propósito concreto, na dinâmica da evangelização.
O dia a dia de Sísifo, empurrando a pedra até o alto da montanha, pode ser uma analogia perfeita para ministros ordenados e não ordenados, em tempo de pandemia, quando a participação nos sacramentos está limitada para muita gente. O documento de Aparecida fala em “manutenção pastoral”. A maioria das vezes consideramos o Mistério Pascal como algo funcional, sem a essência de sua
1 Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG
riqueza. Frente à crise sanitária, com inúmeros protocolos, não estamos sabendo distinguir a necessidade do valor e da sublimidade do Mistério Pascal. Não podemos esquecer que evangelizar não é algo inútil e sem esperança, nesse tempo de pandemia.
No entanto, temos que encontrar novas metodologias, estratégias, técnicas para que a evangelização tenha sua razão de ser e o seu espaço. Portanto, em consequência, os fiéis procurem celebrar o Mistério Pascal, não só em cada sacramento, com maior ardor de fé. Devemos fazer do Mistério Pascal o esteio para o crescimento e vivência da fé encarnada na vida, na família, no trabalho e nas diversas situações de morte e vida que estamos vivendo. Focando na evangelização, nesse tempo fértil, estaremos preparando um construto para a vivência encarnada do Mistério Pascal. Finalmente, não seremos com Sísifo. Mas, aprendemos com ele que temos que ter foco em nossa missão, que é evangelizar, isto é, fazer com que as pessoas possam encontrar com Jesus, fazer a experiência do encontro com ele, no dia a dia, segui-lo em seu caminho e anunciar essa experiência aos outros, mediante o testemunho de vida.
A missão da Igreja é evangelizar nos alertou o papa São Paulo VI, na exortação apostólica Evangelii nuntiandi, em 1974, após o Sínodo sobre a evangelização. É isso que Jesus pediu aos apóstolos, quando os enviou a todos os povos e a toda criatura: “Ide, anunciai o Evangelho” e o que quer de nós nesse tempo de crise sanitária.