(artigo de Edson Sampel, publicado no jornal Folha de São Paulo em 3/6/2021)

 

"Age quod agis", diz o brocardo latino: preste atenção no que você faz! É verdade, vêm e vão os feriados e apenas nos preocupamos em gozá-los. Nada mais. Esta regra vale não só para os feriados religiosos, mas também para os civis. 

Se quisermos agir de modo consentâneo com nossa dignidade de seres humanos, pessoas inteligentes, é mister que nos informemos acerca do significado dos feriados, como Corpus Christi, por exemplo. Para começar, chama nossa atenção o fato de este evento religioso ser feriado. Concluímos que deve ser algo muito importante para os católicos, ainda, a maioria dos brasileiros. 

A locução em latim Corpus Christi significa, em português, "corpo de Cristo". Esta festividade foi oficializada na idade média, em 1264, pelo papa Urbano IV, a partir de uma revelação particular de Jesus a Santa Juliana de Cornillon.   

O Corpus Christi (corpo de Cristo) é o sacramento da eucaristia, também conhecido por "santíssimo sacramento", por ser o mais sublime dos sete sacramentos instituídos por Jesus. O católico recebe o corpo de Cristo ou a eucaristia quase sempre na missa de domingo. Para comungar a hóstia santa, que é exatamente o corpo de Cristo, faz-se necessário o estado de graça, ou seja, a ausência de pecado mortal. Daí, a importância da confissão, outro sacramento instituído por nosso Senhor. 

De fato, na última ceia, antes de sua paixão, Jesus, tomando um pão, disse aos apóstolos: "tomai e comei, isto é o meu corpo" (Mt 26, 26). Depois, com um cálice de vinho, afirmou aos apóstolos: "bebei dele todos, pois isto é o meu sangue" (Mt 26, 27-28). Observe-se que Jesus não disse isto "representa" meu corpo ou meu sangue, mas disse claramente: isto é. Empregou a força viril do verbo ser. O Corpus Christi consiste, então, no corpo e também no sangue de nosso Senhor. 

Toda vez que um sacerdote, na celebração da missa, profere as palavras de Jesus acima transcritas, verifica-se o maravilhoso milagre da transubstanciação, ou seja, a conversão da substância do pão na substância do corpo de Jesus, bem como a conversão da substância do vinho na substância do sangue de nosso Senhor. Embora as espécies (hóstia e vinho) continuem aparentemente intactas, transubstanciam-se no corpo, sangue, alma e divindade de Jesus. Não existe nada mais sublime na face da terra! Jesus dá-se a si mesmo sacramentalmente. 

Nossos amantíssimos irmãos separados, os protestantes, costumam celebrar a "santa ceia", contudo, por faltar-lhes o sacramento da ordem (não há padres entre eles) e a sucessão apostólica (ascendência canônica dos doze homens escolhidos por Jesus), não há que se falar em transubstanciação do pão e do vinho. Trata-se apenas de ritual simbólico, posto que respeitabilíssimo. O mesmo culto praticam os anglicanos. Situação diferente ocorre, por exemplo, com os ortodoxos. Malgrado afastados desde 1054 (cisma do oriente) do sucessor de São Pedro, isto é, do papa, preservam, ainda, a sucessão apostólica e, destarte, administram a totalidade dos sacramentos, incluindo a eucaristia ou Corpus Christi. 

Se Deus mesmo está substancialmente presente na hóstia consagrada, em corpo, sangue, alma e divindade, é óbvio ululante que, no mínimo, devemos honrá-lo com um feriado. 

 

Edson Luiz Sampel 

Teólogo e professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo, da Arquidiocese de São Paulo.