Um único argumento imbatível a favor do Concílio Vaticano II 

Bastaria um único argumento para lancetar a insanidade dos que ousam fustigar o maravilhoso Concílio Vaticano II. Ei-lo: o concílio em apreço possui a chancela de três santos, a saber: são João XXIII, são Paulo VI e são João Paulo II. Todos bispos de Roma. 

O primeiro dos papas santos acima citados, inspirado pelo Espírito Santo, convocou a assembleia, por entender que chegara o tempo oportuno ou kairótico; o segundo papa santo conduziu a maior parte dos trabalhos conciliares e, como diria Jean Guiton, da Academia Francesa, "fez o Boeing aterrissar"; por fim, o terceiro papa santo encetou o mister de encravar o ideário do concílio nas mentes dos católicos e dos homens de boa vontade.  

Se certos batizados, no paroxismo da bazófia, atrevem-se a contestar as canonizações do papa Francisco, então, os desditosos irmãos já pertencem ao rol dos sede-vacantistas ou cismáticos, malgrado vociferarem que reconhecem a legitimidade do sumo pontífice reinante. Na prática, é claro, não a reconhecem! 

A literalidade do Concílio Vaticano II 

Certa feita, em aula de direito canônico, no curso de bacharelado em teologia, para testar os alunos, citei algumas frases escritas na constituição dogmática Lumen Gentium. Disse-lhes que a "Igreja católica foi fundada por Deus através de Jesus Cristo" (n. 14a) e que fora da Igreja católica não há salvação (n. 14a). A reação adversa deu-se imediatamente. Alguns alunos, exaltados, responderam-me que o Concílio Vaticano II assevera que a Igreja de Cristo subsiste na Igreja católica; não se diz mais que a Igreja católica é a Igreja de Cristo, ripostaram. Conclusão: falta ler os documentos do Concílio Vaticano II! Este vezo não acomete somente alunos displicentes, mas contagia também os chamados tradicionalistas. A propósito, pelo que consta, até mesmo dom Lefbvre assinou todos os 16 documentos do concílio.  

O dominicano espanhol, pe. Armando Bandera, OP, um dos maiores teólogos de todos os tempos, enfrentou as críticas ao concílio e formulou proposições responsivas assaz lúcidas. Segue uma delas: 

"É [o Concílio Vaticano II] a voz do Espírito Santo para os homens do nosso tempo, é a voz do magistério da Igreja. Nada há nos seus textos que deva ser alterado ou retocado. A grande claridade do concílio ainda nos ofusca e, por isso, ainda não o podemos compreender melhor. A maneira de viver dos homens mudou muito nesses últimos quarenta ou cinquenta anos, a facilidade dos meios de comunicação trouxe situações novas, problemas até então ignorados, de sorte que a Igreja tem o dever de se abrir a esses problemas e dar-lhes repostas; a Igreja tem por missão falar a todos os homens e se fazer compreender por todos. Como qualquer organismo vivo, a Igreja não é estática; desenvolve-se incessantemente para ser cada vez mais santa, una e universal, com santidade crescente, unidade e universalidade crescentes neste mundo" (in Revista Pergunte e Responderemos; org.: dom Estêvão Bettencourt, OSB; n 332, 1990, páginas 47 e 48).

O problema do verbo "subsistir" empregado na constituição dogmática Lumen Gentium

Em 2000, a Congregação para a Doutrina da Fé, mediante a declaração Dominus Iesus, reiterou ensinamento bimilenar: a) "Deve-se crer firmemente como verdade de fé católica a unicidade da Igreja por ele [Cristo] fundada" (n. 16b); b) "Os fiéis são obrigados a professar que existe continuidade histórica - radicada na sucessão apostólica - entre a Igreja fundada por Cristo e a Igreja católica" (n. 16c); c) "Existe, portanto, uma única Igreja de Cristo, que subsiste (continua a existir) na Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele" (n. 17a). 

Por que se usou o verbo "subsistir"? Responde o então cardeal Ratzinger:  

"Com a expressão 'subsist in', o Concílio Vaticano II quis harmonizar duas afirmações: por um lado, a de que a Igreja de Cristo, não obstante as divisões dos cristãos, continua a existir plenamente só na Igreja católica e, por outro, a de que 'existem numerosos elementos de santificação e de verdade fora da sua organização', isto é, nas Igrejas e comunidades eclesiais que ainda não vivem em plena comunhão com a Igreja católica.'" (Declaração Dominus Iesus, 16c). 

Algumas outras objeções apresentadas pelos tradicionalistas 

A) O Concílio Vaticano II não condenou o comunismo 

Os tradicionalistas de todos os tipos lamentam que nenhum documento do Concílio Vaticano II expressamente profligue o comunismo. Como assim? A constituição pastoral Gaudium et Spes, por exemplo, contesta não apenas o comunismo, mas diversas ideologias em voga. Fá-lo, contudo, de forma indireta ou oblíqua, explanando os pontos da doutrina católica que nitidamente contrastam com o comunismo e com outras malvadezas. Um comunista convicto rechaçaria veementemente a Gaudium et Spes! 

B) O Concílio Vaticano II quis agradar ao mundo 

"Não se tratava de agradar ao mundo, mas de o confrontar e de o vencer, para agradar a Deus. João XXIII e Paulo VI procuraram, ao contrário, tornar a Igreja sedutora para o homem moderno" (" Catecismo Católica da Crise na Igreja", Editora Permanência, 2011, páginas 54 e 55). Doutrinas funestas ameaçavam avassaladoramente a Igreja desde os fins do século XIX, malgrado todos os anátemas. Houvesse mais anátemas no Concílio Vaticano II e a sociedade, já aturdida por cosmovisões distintas, faria ouvidos moucos ao concílio. Então, os padres conciliares optaram por industriar a doutrina católica, dialogando, destarte, com os homens de boa vontade e enaltecendo as coisas virtuosas que a humanidade havia produzido. A linguagem catequética renovada do Concílio Vaticano II decerto tornou a Igreja evangelicamente sedutora para o homem moderno.  

C) O Concílio Vaticano II: revolução na Igreja 

"Que o concílio foi uma revolução na Igreja, alguns de seus defensores, chamam-no, eles mesmos. Assim, o cardeal Suenens fez um paralelo entre o concílio e a Revolução Francesa, dizendo que o Vaticano II havia sido 1789 na Igreja. O pe. Yves Congar, teólogo conciliar, comparou o concílio à revolução bolchevique: 'A Igreja fez pacificamente sua revolução de outubro ("Catecismo Católico da Crise na Igreja", Editora Permanência, 2011, p. 58).

Ora, o Concílio Vaticano II não desencadeou revolução nenhuma, mas deflagrou, isto sim, autêntica contrarrevolução, pois a doutrina conciliar choca-se com as ideologias. Não há um texto sequer que não se embase na doutrina bimilenar da Igreja. Aliás, reiteramos o que redigimos acima: cismáticos, como o paradigmático e referencial bispo dom Lebfreve, firmaram todos os documentos do Concílio Vaticano II.  

D) Erros conciliares mais nocivos: liberdade religiosa, ecumenismo e colegialidade episcopal  

"Os dois erros conciliares mais nocivos são a liberdade religiosa e o ecumenismo (...) A isso se junta o ensinamento sobre a colegialidade episcopal. Enfim, encontram-se, em diversos textos do concílio, uma crença ingênua no progresso e um maravilhamento diante do mundo moderno que são verdadeiramente aterrorizantes ("Catecismo Católico da Crise na Igreja", Editora Permanência, 2011, p. 65).  

Defendia a liberdade religiosa santo Agostinho de Hipona, por exemplo. Outrossim custodiou-a santo Tomás de Aquino. Sem embargo, no fim do século XIX e limiar do século XX, determinados papas exprobraram a "liberdade religiosa" que inculcava falsos ensinamentos. Tal fictícia "liberdade religiosa" a Igreja reprova ainda hoje. A assim chamada "colegialidade episcopal", por seu turno, é instituição jurídica que remonta ao colégio (grupo) dos 12 apóstolos, nos albores da Igreja. Em outras palavras, como os apóstolos se relacionavam entre si e com o primeiro papa, são Pedro, a fim de cumprir o mandado do Senhor, mutatis mutandis, os bispos, sucessores dos apóstolos, sob injunção do mesmíssimo mandado divino, interagem hodiernamente entre si e com o papa. Exatamente aqui reside a colegialidade episcopal. Por fim, o ecumenismo do decreto Unitatis Redintegratio não se confunde com certo irenismo ou entreguismo doutrinário que, desafortunadamente, se vislumbra de onde em onde. O ecumenismo se fundamenta no rogo do divino fundador da Igreja católica: "Para que todos sejam um, como tu, Pai, em mim e eu em ti; para que sejam um em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste" (Jo 17, 21). Lapidar a ensinança dos padres conciliares: 

"Nesta una e única Igreja de Deus, já desde os primórdios, surgiram algumas cisões, que o apóstolo censura como gravemente condenáveis (...) Ora, o movimento ecumênico visa a superar estes obstáculos (...) Contudo, os irmãos separados, tanto os indivíduos como suas comunidades e Igrejas, não gozam da unidade que Jesus Cristo quis prodigalizar a todos os que regenerou e convivificou num só corpo e em unidade de vida e que as sagradas escrituras e a venerada tradição professam. Somente através da Igreja católica de Cristo, auxílio geral de salvação, pode ser atingida a plenitude de todos os meios de salvação (Decreto Unitatis Redintegratio, n. 3).   

Relativamente à liberdade religiosa, sempre oportunas as observações do eminente teólogo pe. Armando Bandera, OP: 

"É documento [a declaração Dignitatis Humanae] perfeitamente católico, escrito em linguagem diferente para os leitores deste século, onde nada há a ser corrigido. A Igreja aí afirma que os homens têm o dever de procurar a verdade, mas de modo algum afirma que haja um direito ao erro (condenado por Pio IX). O documento afirma que essa verdade, que os homens têm o dever de procurar, está depositada por Deus na Igreja e é por ela oferecida aos homens. Oferecida, mas não imposta (in Revista Pergunte e Responderemos; org.: dom Estêvão Bettencourt, OSB; n. 332, 1990, p. 48). 

As objeções ao Concílio Vaticano II, sobre soberbas, mostram-se pueris, porque – pasme-se! – não partem de papas, mas, quase sempre, de jovens que nunca se sentaram em banca de faculdade de teologia. Algo similar a quem se pusesse a pontificar sobre a cura de doenças, sem jamais haver frequentado uma faculdade de medicina. Só quem é humilde consegue compreender a mensagem de qualquer um dos 21 concílios ecumênicos! 

 

Edson Luiz Sampel 

Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo (da Arquidiocese de São Paulo).