"(...) A liberdade de pensar e publicar os próprios pensamentos, subtraída a todas as regras, não é, por si, um bem, de que a sociedade se tenha de felicitar, mas é antes a fonte e a origem de muitos males" (Encíclica Immortale Dei, Leão XIII, 1885). Quão atuais as palavras do papa que encetou a sistematização da chamada doutrina social da Igreja! Com efeito, o surto de mensagens "conservadoras" nas redes sociais requesta algumas ponderações.
A sociedade sempre conveio que determinados indivíduos exercem o relevante papel de formadores de opinião. Em princípio, tais pessoas pertencem ao escol dos que naturalmente se capacitaram para comunicar pareceres e análises de conjuntura. Até pouco tempo, a referida função estava reservada, por exemplo, a jornalistas tarimbados e experientes, como um Clóvis Rossi, um Dimenstein etc. Outrossim artistas renomados e cultos sempre formaram a opinião pública. Escritores de nomeada, tanto de direita quanto de esquerda, igualmente integram o rol dos formadores de opinião. Pensemos, respectivamente, num Corção e num Jorge Amado.
As chamadas redes sociais romperam com o paradigma dos formadores de opinião, pois certas pessoas comuns passaram a desempenhar esse múnus, mas de modo abstruso, "subtraído de todas as regras", consoante alertava Leão XIII há 135 anos. Desta feita, os ditos conservadores católicos espargem ideias, meias verdades, as quais, invariavelmente, chegam às raias da fake news, uma vez que os autoproclamados arautos do conservadorismo carecem de formação teológica e filosófica adequada e, em ramerrão ensurdecedor, só repisam lugares comuns. Não têm compromisso com a verdade!
O completo desconhecimento da doutrina social da Igreja – ou o desprezo dela – caracteriza o discurso dos novos "formadores de opinião". Quem fala em opção preferencial pelos pobres, na visão desses internautas, é desprezível comunista. Muita gente segue roboticamente blogueiros destiladores de ódio, mas o ódio não se compagina com o cristianismo. De fato, a característica principal da religião cristã repousa no amor ao próximo, por causa de Deus. Difamar, injuriar e caluniar nunca fez parte do comportamento do católico piedoso!
No frigir dos ovos, muitos dos "conservadores católicos" que navegam na Internet só infeccionam o tecido social, porquanto não conclamam os interlocutores à concórdia, à pacificação, enfim, à prática do amor fraterno ou, em outros termos, não contribuem para a construção da "sociedade fraterna" (de irmãos), conforme consignado no preâmbulo da constituição federal.
O conservadorismo católico na Internet dista enormemente da constatação de santo Agostinho, que teve de acerar o discurso, a fim de repreender a falsa sabedoria dos políticos de sua época: "Aqueles que dizem que a doutrina de Cristo é contrária ao bem do Estado, deem-nos um exército de soldados como o faz a doutrina de Cristo; deem-nos governadores de províncias, maridos, esposas, pais, filhos, senhores, servos, reis, juízes, contribuintes, exatores do fisco como os quer a doutrina cristã! E ousem ainda dizer que ela é ruim ao Estado! Antes, pelo contrário, não hesitem em confessar que é altament e saluta r ao Estado, quando observada" (Epístola 138 ad Marcellinum, n. 15).
O falso conservadorismo católico que se vê na Internet, protagonizado por algumas personagens, não possui o condão de conservar ou observar a moral cristã e, destarte, alia-se com a pior política, com a escória da sociedade, com os que desejam apenas se locupletar. As impérvias avenidas do pensamento de certos mensageiros da fake news patenteiam absurdidades que decerto reclamam a intervenção das autoridades competentes.
De fato, como alertava o papa Leão XIII, na Immortale Dei, não há que se felicitar com a pseudoliberdade de expressão, pois esta vicissitude canhestra surge como fonte e origem de muitos males.
Edson Luiz Sampel
Teólogo e Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo (da Arquidiocese de São Paulo).