DEMOCRACIA: AVANÇOS, CONQUISTAS E DESAFIOS.
Nunca se falou tanto em Democracia no Brasil, no mundo ocidental, porque é no momento de crise que a democracia merece maior salvaguarda. Vive-se num destes momentos: e não só em razão da pandemia de COVID-19, que é o maior, e infelizmente, será um marco da nossa História. Em verdade, nos deparamos com uma época paradoxal: temos que guardar nossa democracia, preservando os avanços e as conquistas e, dentre estes, o desafio de manter a normalidade do processo eleitoral. Mas como assegurar o curso do processo eleitoral de 2020, que requer debate e aproximação, circulando em nosso meio vírus invisível e letal que impõe o isolamento social?
É desafiador! Busco um conceito de democracia que poderia ser no volume da Política da Enciclopédia dos iluministas Diderot e d´Alembert ou da mesma época Alexis de Tocqueville em sua obra A Democracia na América, mas, e, diante da complexidade do tema, optei por recorrer aos ensinamentos do escritor americano Brooks White, já do século XX, ao Conselho de Guerra dos Escritores, que encontrei no famoso livro Como as Democracias Morrem, convencia:
... o Conselho sabe o que é a democracia. É a fila que se forma sem confusão. É o “não” em não empurre. ... Democracia é a suspeita recorrente de que mais da
metade das pessoas está certa mais que a metade do tempo. É a sensação de privacidade na cabine eleitoral, a sensação de comunhão nas bibliotecas, a sensação de vitalidade em toda parte. Democracia é a carta ao editor. ... É uma ideia que ainda não foi desmentida, uma canção cuja letra não desandou. É a mostarda no cachorro-quente e o creme no café racionado. Democracia é um pedido do Conselho de Guerra no meio da manhã, no meio de uma guerra, querendo saber o que é democracia.
Dita lição nos faz concluir que democracia não se resume a cédulas e votos, por mais importantes que sejam e são. Antes, é a arte de governar pela discussão. Eleição e voto são apenas parte do processo. Mas diante do nosso entorno, da nossa realidade, assegurar as eleições municipais, neste ano de 2020, é medida desafiadora, contudo necessária para fortalecer, ainda mais, a nossa democracia.
Sim! Já seríamos um país maduro democraticamente, a despeito de ainda sermos um povo com oportunidades tão desiguais? E como somos desiguais: e como somos! Parte da nossa população passa fome, não tem habitação, não tem saúde, não tem saneamento básico (não tem água potável para lavar as mãos nesses tempos de pandemia). Isso é direito a vida! Os regimes políticos mais evoluídos caracterizam-se exatamente pela igualdade e colheita dos frutos. Não há fome coletiva em países democráticos, como lembra o indiano e nobel de economia Amarthya Sen. Democracia, igualdade e liberdade política formam o tripé do estado democrático de direito!
Entretanto, a democracia esbarra, em alguns momentos da História, em grandes obstáculos. E vive-se agora o auge de um destes períodos. Por tal, temos que regá-la ainda mais, para que continue
frondosa, dando frutos e frutos doces. E não há colheita dos frutos sem a garantia do direito à vida!
Os problemas enfrentados nos regimes democráticos em data recente são muitos, e tomaram vulto ainda maior com a Pandemia da Covid 19. Se antes dela já assustava pesquisa indicando que metade dos nossos jovens estaria disposta a abdicar da democracia, por considerá-la incapaz de solver os problemas da modernidade, o que aceitariam, estes mesmos jovens, em tempos de crise econômica avassaladora?
De fato, a democracia, comprometida com a igualdade e a liberdade, não apresentou o remédio perfeito para todos os males da atualidade. Não foi e jamais será a solução de todos os problemas da sociedade civil. Entretanto, é o único instrumento capaz de atenuar os efeitos do individualismo, da falta de fraternidade e fazer brotar algo mais próximo de uma justiça social (igualdade substancial). Por essa razão, temos que preservar todos os avanços e não retroceder quanto às conquistas democráticas. É preciso vigiá-la e protege-la.
Infelizmente, no Brasil nascemos desiguais, temos oportunidades díspares, e que ainda nos tornam mais desiguais, num contexto como o atual! Precisamos, sim, manter as conquistas democráticas, e ir além: distribuir equitativamente as oportunidades para um número maior de cidadãos. E dentro deste contexto, exige-se das instituições um papel diferenciado, pois essas instituições as avalizadoras da democracia.
Não há democracia sem instituições sólidas! Apenas instituições livres e fortes garantem a democracia, assegurando direitos políticos. E é nesse contexto que se destaca a importância da
Justiça Eleitoral com seus tribunais e seus juizes, dos partidos políticos e da imprensa, pois considerados conquistas do regime democrático.
A Justiça Eleitoral é a garantidora do sistema político, ao assegurar direitos fundamentais e tolherem os retrocessos democráticos (e esses retrocessos já aconteceram no passado = na ditadura Vargas a Justiça Eleitoral foi extinta e na ditadura militar eleições para presidente, governador e prefeito das capitais, bem como, com o mesmo, argumento, unicidade das eleições, prorrogação de mandatos por duas vezes) . Portanto, têm papel de realce, pois sempre vigilantes, sobretudo nos momentos difíceis, evitando rupturas institucionais. E tratando de quebra, na atualidade, infelizmente, a intervenção do Judiciário parece ainda mais necessária, pois meio de contenção das cisões da sociedade civil, problema enfrentado pelas democracias mundiais. Defendidas por muitos, as tentativas para alteração das composições das Cortes representam, também, uma ameaça para a democracia.
Sejam os partidos políticos protetores da democracia. É deles a função de alijar do processo eleitoral extremistas e demagogos; dos defensores da restrição dos direitos civis; dos que negam a legitimidade dos adversários; e dos que toleram a violência e o racismo; ou os praticam. Esse filme nós já vimos.
E tão importante quanto o Poder Judiciário e os partidos políticos, a imprensa livre também guarda a nossa Democracia! Talvez seja a imprensa a maior barreira que o autoritarismo encontra ao tentar impor-se, por despertar a crítica e a fiscalizar os governantes.
A intimidação da imprensa e o não reconhecimento do resultado de eleições também são estratégias que permeiam a política destes novos tempos. Rejeitar a Constituição ou expressar a disposição de violá-la, restringir direitos civis, recusar resultados eleitorais são práticas que enfraquecem as instituições democráticas, e têm se tornado rotina em diversos países, infelizmente e os nossos alarmes estão soando.
É fato! A democracia precisa de tribunais eleitorais, partidos políticos e imprensa livre! E também de cidadãos participativos, conscientes de seus direitos e capazes de respeitar os do outro. Daí o necessário e urgente combate à polarização sectária extrema, aquela que transcende as diferenças políticas e invade os conflitos de raça, religião e cultura, por ser o caminho mais rápido ao autoritarismo. A polarização de um povo é, sem dúvida, a arma mais letal para matar qualquer democracia! Preocupante!
No estado democrático de direito, a democracia não se resume à participação política, votar ou ser votado, antes inclui, com a mesma importância, a consolidação de todos os direitos fundamentais, em especial, os direitos sociais. Mas votar e ser votado é exercício de democracia e não podemos ressuscitar ideias da época da ditadura militar de prorrogação de mandatos, inclusive com a velha desculpa de unicidade de eleições. As eleições podem e devem ser feitas em 15 de novembro ou no primeiro domingo de dezembro com segurança para a população como bem já afirmou a Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP, em um dia ou três dias como estudará o nosso Tribunal Superior Eleitoral, de forma a preservar a saúde dos eleitores e dos mesários. E é no período de crise que se exige mais do Estado, que além de proteger os direitos já conquistados, impedindo
qualquer retrocesso, deve assegurar a subsistência dos mais vulneráveis. É na adversidade que as instituições são testadas!
Nosso país adotou medidas de combate aos efeitos da pandemia com vistas à proteção da coletividade tanto na área da saúde, quanto na econômica. E é obrigado a mantê-las, enquanto perpetuarem as adversidades. Ao cidadão, cabe continuar vigilante, frente a necessidade, cada vez maior, de manutenção de política excepcional, mas necessária para preservação da ordem social e econômica. Assim, temos que ter cuidado com qualquer indicativo de retrocesso democrático! Exemplo disso, é a criminalização da política, que tem por cume o enfraquecimento das instituições, sendo marca do século XXI, um mal a desafiar cientistas políticos e aplicadores do direito.
Há motivo de comemorar, contudo! Mais de 80% dos brasileiros (FGV) não está disposto a desistir da nossa democracia. Cabe, portanto, a cada um, mas também, a todos, juntos, regá-la diuturnamente. Como? Apoiando os seus guardiões (Cortes e juízes eleitorais, partidos políticos e imprensa livre).
O aprimoramento da democracia passa pelo fortalecimento das instituições, já se disse. Passada a pandemia que nos assola, e ela passará, a recessão se avizinhará e o Estado terá um papel central.
Mesmo com a pandemia, ou em razão dela, a nossa democracia precisa ser preservada, e para isso mister que as instituições prossigam sólidas no enfrentamento da crise sanitária, para resguardar o direito à saúde e à vida em cenário de recursos financeiros escassos, economia colapsada e índices de desemprego estratosféricos. Não se esquecendo do que disse o papa Francisco no
Domingo de Pentecostes: cuidar das pessoas que são mais importantes do que a economia; as pessoas são templos do Espirito Santo, a economia não.
Ao Estado cabe a efetivação de direitos fundamentais, e nenhuma razão econômica há de ser acolhida para refutá-los, sobretudo nas exceções. O momento de crise sanitária vivenciado justifica, portanto, uma proteção ainda maior dos direitos sociais. Nesse contexto, cabe ao Judiciário assumir seu papel como garantidor da segurança jurídica, assegurando harmonia entre as instituições, repelindo medidas autoritárias de governos.
Apesar da pandemia, ou especialmente em razão dela, no enfrentamento da crise sanitária, o nosso Estado Democrático de Direito precisa ser preservado, mantendo hígida a nossa democracia, por meio do fortalecimento das instituições. A luta sanitária em defesa das vidas também salvaguarda a nossa democracia.
Finalizo lembrando Bobbio para quem a Democracia é o governo do poder visível. Tudo as claras! Os nossos procuradores, os representantes do povo, os governantes, os nossos julgadores, todos nos devem a transparência dos fatos / leis / números / julgamentos / economia / situação social. E agora, em tempo de pandemia, vigilância, não para inibir direitos, mas para coibir excessos. Deus nos abençoe e nos proteja sempre. Muito obrigado!