Dom Edson Oriolo1

Refletindo, nestes dias, sobre a ação pastoral e o impacto da pandemia sobre a missão evangelizadora, concluo que já podemos falar em uma “geração coronavírus”, ou, com uma abordagem mais positiva em “geração das lives”. Possivelmente, os mais otimistas dirão que tais impactos são muito localizados e de cunho transitório, no entanto, sabemos que mudanças antropológicas ditam novos imperativos para evangelizar. Não se trata de renunciar a valores imutáveis ou ao que já temos consolidado, mas de encontrar caminhos para promover as dimensões da evangelização, da celebração da fé e da partilha, no novo horizonte que se descortina.  

Analisando a história humana, os especialistas identificam transformações comportamentais nas gerações a cada ¼ de século. Esse fenômeno está sendo observado e catalogado desde o séc. 18. As rápidas modificações no modus vivendi baixaram a média para 10 anos. Penso que, com avanço da ciência (saber) e da tecnologia (fazer), esse intervalo está reduzido ainda mais, como já se pode observar com as chamadas gerações Z, T e M, que se sucederam com grande rapidez.

Assim são denominadas e catalogadas as gerações: Geração Perdida (1883 – 1900); Geração Grandiosa (1901 – 1924); Geração Silenciosa (1925 – 1942); Geração Baby Boomers (1946 – 1964); Geração X (1965 – 1978); Geração Y (1979 – 1992); Geração Z (1993 – 2006) e, recentemente, fala-se em Geração T (Touch) ou Geração Alpha ou M (2006 ou 2010...). 

A “Geração Coronavírus” é caracterizada por mudanças profundas na sociedade pós-moderna e digital, que somos condicionados a entender como inexpugnável. Valores exaltados e solidificados durante as últimas décadas, sobretudo o liberalismo social e econômico, precisam se reinventar diante de uma ameaça inesperada e, paradoxalmente arcaica, para uma sociedade altamente sofisticada tecnologicamente. De repente, o homem revive os arquétipos de ameaça experimentados pelo humanoide da pré-história.

Tudo o que vemos, escutamos e reproduzimos sobre crise sanitária Covid19 está incidindo sobre nosso futuro. Novas questões se colocam e obrigam nossos condicionamentos comportamentais a se adaptarem: o risco das aglomerações, a relativização do universo de produção, a dicotomia entre economia e autopreservação, a prática de lockdown e a sensação de um perigo constante são capazes de mudar uma visão de mundo. 

Outra característica marcante da geração “c” (coronavírus) ou “l” (lives) poderá ser a experiência de impotência e de processo. As últimas gerações, chamadas tecnológicas, formaram no inconsciente a idéia de “ilimitação” e imediatismo. O universo do instantâneo nos levou a entender o mundo e a vida numa perspectiva de “superhomens”, que resolvem os seus problemas com “a ponta dos dedos”. A geração “l” está reaprendo de forma caótica, que somos falhos, limitados, impotentes e que, muitas coisas, só acontecem mediante um processo lento, como é o caso do desenvolvimento de vacinas e tratamentos contra o Covid-19. 
                                                         
 1 Bispo de Leopoldina MG

Além disso, ficarão marcas deste período de isolamento social. As pessoas desenvolverão novos conceitos de autopreservação e convivência. Sabemos que após a chamada “Gripe Espanhola” (Influenza H1N1), pandemia do final dos anos de 1910, a humanidade reinventou o conceito de higiene. Penso que a pandemia do final dos anos de 2010, trará, também, novos conceitos, relativos ao contato físico, à presença em locais com aglomeração, à prática de home office, além da redescoberta do valor da casa (como lugar de vivência e convivência). Necessitamos nos preparar para essa nova geração, esse novo amanhã, com desafios e potencialidades. 

Percebo que a Igreja tende a mergulhar em uma acédia paralisadora. Os nossos projetos pastorais não estão acontecendo como preparamos. Estamos sem contato real com o povo. Os nossos paradigmas de ação foram brutalmente alterados. Nesse contexto, a tecnologia está se impondo. Somos bombardeados por vários apelos que influenciam nossa visão na política, economia, sociologia, psiquiatria, nos relacionamentos, na sexualidade e, também, nas nossas verdades dogmáticas, eclesiológicas e rituais. 

Devemos colocar nosso foco um pouco além do alvo. Nas aulas de basquete o professor de educação física nos instruía que ao jogar a bola na cesta devíamos mirar a parte de trás do aro. Sabemos que no golfe, devemos mirar a parte de trás do green; e no arco e fecha, mirar além do alvo. Não se trata, portanto, de focar a nossa ação pastoral simplesmente (e ingenuamente!) em atrair as pessoas para a comunidade de fé, mas de evangeliza-las no ambiente em que convivem, seguros de que, consequentemente, se evangelizadas, formarão comunidade. 

Não estamos tendo tempo para avaliar resultados de forma imediata, mas não podemos ficar inertes. É necessário evangelizar com ousadia e acreditar que novos caminhos aguardam o nosso empenho em percorrê-los.  Acredito que as “lives”, muito usadas neste contexto de pandemia, foram uma descoberta e poderão ser excelentes ferramentas para a evangelização. Consistem em uma comunicação aberta, mas voltada para a pessoa do outro. Há um comprometimento com um “público-alvo”, como nome, endereço e possibilidade de interação. Há uma troca de conteúdo virtual, mas entre pessoas unidas por laços reais. 

Talvez apenas agora, e de forma abrupta e improvisada, a Igreja esteja descobrindo a importância de estar presente, evangelizando, o universo virtual. Como disse em outra reflexão, trata-se não apenas de um novo espaço para lançar as sementes do Verbo, mas de uma nova linguagem a ser iluminada pelo Evangelho. Na pandemia, essa interatividade proporcionada pelas “lives” está possibilitando o comprometimento dos fiéis com as suas dioceses, paróquias e comunidades eclesiais missionárias e poderá ser um instrumento valioso no exercício da missão evangelizadora. 

As lives são um instrumental poderoso para atingir os fiéis em tempo de pandemia que será um upgrade na pós-pandemia. A interatividade “ao vivo”, permite posicionamento, autoridade e engajamento. Potencializa modo novo de evangelizar (reuniões estratégicas, palestras, conferências), celebrar (transmissões da eucaristia e catequese litúrgica) e assistência aos pobres (organizando campanhas, doações, conscientização da partilha). Será um recurso para interagirmos com os paroquianos e nos aproximarmos das pessoas. A interatividade virtual é caminho para vivência da fé nas comunidades eclesiais missionárias.