Dom Edson Oriolo
Bispo de Leopoldina (MG)
Estamos convivendo com as dificuldades decorrentes desta pandemia. Sofrimentos, perdas, incertezas, falta de recursos, desempregos, impossibilidade de exercer atividade profissional e impossibilidade de frequentar a comunidade eclesial missionária, nos assaltam e nos colocam em alerta. Por outro lado, talvez pela primeira vez em muitas décadas, temos a oportunidade única de passar 24h juntos com os que mais amamos: a negatividade do #fiqueemcasa, pode ser vivenciado positivamente como #fiqueemfamília ou mais propositivo #estaremfamília e #serememfamília.
A família tem ocupado um espaço privilegiado no magistério, no decorrer de toda a história da Igreja. Recordamo-nos do magistério dos últimos papas sobre este tema, em síntese: São João Paulo II, com a Exortação Apostólica Familiaris Consortio e a Carta às Famílias; Bento XVI valorizando a família tradicional quando esteve em Valência, na Espanha, em 2006 e o Papa Francisco com os Sínodos Extraordinário e Ordinário sobre a família, coroados com a Exortação Apostólica Amoris Laetitia.
Nos nossos dias, a situação que se impõe nos convida a redescobrir a família no seu lugar mais sagrado que é a casa. O estilo de vida contemporâneo muitas vezes relativiza o valor altamente simbólico e pedagógico do lar: para os membros de uma família, a casa é, apenas, um dormitório, um refeitório ou um posto de “apoio”, no contexto de uma vida agitada e toda preenchida por compromissos e demandas.
A pandemia nos proporciona redescobrir a casa como lugar que proporciona segurança, conforto afetivo e crescimento pessoal. Ocupando-nos das tarefas simples do dia a dia, ouvindo e observando aqueles que estão à nossa volta, nos entretendo com os que nos são mais queridos, vamos revivendo valores e encontrado sentidos antes não percebidos em sua intensidade. A casa é o lugar da convivência e da partilha da vida: de ser família.
Nossa família é a primeira comunidade, constituída por pessoas que, existindo e vivendo juntas, unidas por laços naturais, esponsais ou de afeto, expressam o ideal de comunhão. A família é a grande escola e, ao mesmo tempo, a grande expressão da comunhão. É na família que se aprende a fadiga e a alegria do trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e mesmo reiterado, e, sobretudo o culto divino pela oração e oferenda de sua vida (cf. CIC 1657).
O lar é a melhor escola de vida cristã e “uma escola de enriquecimento humano” (cf. GS 52,1). Apesar do contexto preocupante, temos uma oportunidade especial para viver a comunhão e partilha na família, superando conflitos: tomar café juntos, conviver sem pressa, sentar-se à mesa para refeições, partilhar os sentimentos, as alegrias, as tristezas e as esperanças.
#fiqueemfamilia é uma ótima forma de reaproximar os cônjuges, promover o diálogo entre pais e filhos, netos e avós, reatar laços de afeto, companheirismo, generosidade, de uma forma leve e quotidiana. É oportunidade para “curtir”, fazer as coisas que realmente gostamos, sem a pressão do tempo, ou da falta de tempo, em face de compromissos. #fiqueemfamilia consolida a aliança, enriquece e arraiga a comunhão do pai e da mãe principalmente com os filhos. É no seio da família que os pais são “para os filhos, pela palavra e pelo exemplo, os primeiros mestres da fé” (cf. CIC 1656).
Nesse tempo de #fiqueemfamilia, sem depreciar a dinâmica que a vida exige em circunstâncias normais, somos chamados a construir a Igreja Doméstica. Necessitamos celebrar a nossa fé em família e redescobrir o conceito religioso dessa instituição na qual, na verdade, tudo tem o seu princípio. A casa tem uma profunda dimensão religiosa. Era neste ambiente familiar que os primeiros cristãos viviam a fé e celebravam os mistérios de Jesus. “Saúdam-vos afetuosamente no Senhor Áquila e Priscila com a Igreja que está em sua casa” (1Cor 16,19). “Saudai também a Igreja que está em sua casa. Saudai a Epêneto, meu amado, que é as primícias da Acáia, em Cristo” (Rm 16,5).
Nunca se ouviu falar tanto Igreja doméstica como nos últimos dias: a Domestica Ecclesia é expressão clássica, consagrada pelo Concílio Vaticano II (cf. LG 11). A Igreja em casa e a casa na Igreja são realidades indissociáveis e que se complementam. A comunidade eclesial-missionária também é casa, família de famílias para todos, especialmente para quantos “estão cansados e oprimidos” (CIC 1658).
Na pandemia, tanto as comunidades eclesiais missionárias quanto nossas famílias estão enfrentando desafios inéditos e complexos. Talvez seja uma oportunidade para superarmos o grande desnível da vivência eclesial na família. Temos a oportunidade de dar passos importantes para que, quando sairmos desse tempo, tenhamos um novo aprendizado, recordando que “do limão se pode fazer limonada”. Sejamos Igreja doméstica, cultivemos os valores da comunhão no ambiente da casa para que o #ficar em família seja fecundo de frutos.