Infelizmente, de onde em onde, leem-se alguns absurdos na Internet, em sites geridos por católicos. Uma dessas besteiras é afirmar que os maçons estão excomungados. Não é verdade. O código ab-rogado, de 1917, realmente, excomungava os maçons. Eis a tradução do cânon 2335 do antigo diploma legal:

“Os que dão seu nome à seita maçônica ou a outras associações do mesmo gênero, que maquinam contra a Igreja, ou contra os legítimos poderes civis, incorrem, ipso facto, em excomunhão simplesmente reservada à sé apostólica.”

O atual código, em vigor desde 1983, não cita explicitamente a maçonaria, mas determina que a justiça eclesiástica puna com “justa pena” quem se inscreve em alguma associação que maquina contra a Igreja. A seguir, a tradução do cânon 1374 do CIC:

“Quem se inscreve em alguma associação que maquina contra a Igreja seja punido com justa pena; quem promove ou dirige uma dessas associações seja punido com interdito.”

Pelo que se depreende da inteligência do direito penal canônico hodierno, a excomunhão não pode ser infligida ao membro da maçonaria, nem mesmo ao dirigente da seita maçônica, a uma porque o próprio cânon 1374 especifica o interdito como a pena mais grave para quem dirige associação que maquina contra a Igreja, a duas porque a pena de excomunhão, segundo princípio comezinho do direito penal, tem de ser expressamente prevista, como ocorreu no código ob-rogado e como sói se dar no código canônico  vigorante. Por outro lado, não se discute o enquadramento da maçonaria no rol das associações que maquinam contra a Igreja, porquanto a Congregação para a Doutrina da Fé, interpretando autenticamente o cânon 1374, em mais de uma vez, confirmou o parecer negativo acerca da maçonaria. Outra questão, moral e não jurídica, diz respeito ao pecado grave que perpetra quem se torna membro de loja maçônica.

É importante, ainda, explicar que as penas canônicas não se aplicam automaticamente. A Igreja também respeita o denominado “devido processo legal” (due process of law), universalmente consagrado. Deste modo, para que um católico ingresso na maçonaria sofra a “justa pena”, é mister o processo judicial, ajuizado pelo promotor de justiça perante o tribunal eclesiástico, com direito à ampla defesa do acusado. Há, entretanto, exceções. É a hipótese da punição latae sententiae, isto é, automática, sem o processo, verificável, por exemplo, no gravíssimo crime de aborto (cânon 1398).  

O fato de algum papa do passado haver acoimado o ingresso na maçonaria com a pena de excomunhão não significa que tal decreto pontifício valha para nossos dias, pois eventual excomunhão fora revogada pelo código canônico de 1983, lei suprema da Igreja, promulgada também por um papa, são João Paulo II. A norma pontifícia excomungadoura do pretérito, quer seja lei extravagante (ex.: decreto papal), quer seja o código canônico de 1917, encontra-se revogada. Em suma, se algum sucessor de são Pedro de antanho reputava idônea a excomunhão do maçon, em vista de determinado contexto histórico, político e eclesial, hoje em dia, o papa reinante, supremo legislador, não considera adequada a pena em apreço e nem o povo de Deus, no exercício do chamado sensus fidelium, apoia a inflição da reprimenda máxima.

Edson Luiz Sampel

Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo (da Arquidiocese de São Paulo).

Consócio n.º 108/91