A DETERMINAÇÃO DO MAGISTÉRIO ECLESIÁSTICO AO LONGO DO SEGUNDO MILÊNIO: OBJETO, INFALIBILIDADE, ADESÃO+

Dominique Le Tourneau*

Introdução.
I. A determinação progressiva da noção de Magistério eclesiástico.

A) Delimitação dos conceitos.
1. Fé.
2. Fides et mores.
3. Ex cathedra.
4. Dogma.

B) A noção de Magistério.
1. A noção e as diferentes formas de Magistério. a) Magistério. b) Magistério autêntico. c) Magistério extraordinário e Magistério ordinário.
2. O conceito de definit.

II. A adesão ao Magistério eclesiástico.
A) O Magistério infalível. 1. Infalibilidade. 2. A infalibilidade dos atos não definitivos. 3. O objeto do Magistério.
B) O obsequium intellectus et voluntatis.  1. A significação desses termos.  2. A adesão dos teólogos. 3. A adesão de todos os fiéis.

Conclusão.

 

Introdução.

A função magisterial da Igreja não data de hoje: ela remonta ao nascimento da comunidade fundada por Jesus Cristo e responde ao mandato missionário: Saindo, pois, ensinai a todos os povos (Mt 28, 19). Isto posto, se a fixação da doutrina foi tributária dos fatos, notadamente das heresias, o surgimento da noção de Magistério é, também ela, o fruto de uma evolução que nos ocorre retraçar sumariamente.Tal pesquisa impõe-se-nos tanto mais que a época contemporânea viu nascer um novo gênero literário, o da Encíclica,[1] que acentuou a necessidade de precisar o objeto e o domínio da infalibilidade do Magistério, tanto do Pontífice romano como do Colégio dos Bispos, e o grau de adesão exigido pelas diferentes formas de Magistério.[2]O momento parece nos particularmente propício para a realização de tal análise. Com efeito, a Professio fidei de 1989[3] distinguia diferentes tipos de verdades doutrinais e portanto de assentimentos; depois, a Instrução Donum veritatis[4] enunciava quatro tipos de ensinamento do Magistério e a natureza do assentimento a dar a cada um deles; enfim, a Resposta da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a ordenação reservada aos homens[5] precisava que essa doutrina tinha sido proposta de modo infalível pelo Magistério ordinário e universal e exigia, portanto, um assensum definitivum. Tornava-se claro, então que o direito canônico, notadamente os Cânones 750 e 752 do Codex Iuris Canonici de 1983 e os Cânones 598 e 599 do Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium, não correspondiam plenamente a essas distinções. É por isso que o Papa João Paulo II publicou, a 18 de maio de 1998, o Motu Proprio Ad tuendam fidem[6], que traz precisões importantres tanto sobre o exercício do Magistério na Igreja como sobre a adesão que os fiéis lhe devem dar. Esse Motu Proprio retoma os elementos da Profissão de fé e acrescenta um parágrafo (2) ao Cân. 750 do Código latino e ao Cân. 598 do Código oriental, modificando também a norma dos Cânones 1371, 1°, do CIC e 1436, § 2, do CCEO. Colmata, assim, uma lacuna do Direito Canônico que tinha suscitado bastante perplexidade e permitido numerosas interpretações que visavam, sobretudo, quem sabe, a restringir o domínio do Magistério infalível e a natureza do assentimento que ele exige.[7]Sendo nosso propósito pôr em evidência a determinação do Magistério eclesiástico ao longo de todo o segundo milênio da era cristã, o estudo será mais diretamente histórico em um primeiro momento, para localizar os principais conceitos que permitem determinar a noção de Magistério eclesiástico, tal como a utilizamos atualmente (I).Concluído esse percurso, poderemos abordar, com a ajuda da Teologia e do Direito Canônico, a questão da adesão devida ao Magistério eclesiástico (II).

I. A determinação progressiva da noção de Magistério eclesiástico

Relembremos desde logo a definição do I Concílio do Vaticano: Ensinamos ser um dogma revelado por Deus que, quando o pontífice romano fala «ex cathedra», isto é, quando, desempenhando seu múnus de pastor e mestre de todos os cristãos, ele define, em virtude de sua autoridade apostólica suprema, que uma doutrina em matéria de fé ou de moral deve ser acolhida por toda a Igreja, ele goza, em virtude da assistência que lhe foi prometida na pessoa de São Pedro, daquela infalibilidade de que o divino Redentor quis que a sua Igreja fosse provida quando ela define a doutrina sobre a fé ou a moral; por conseguinte, tais definições do pontífice romano são irreformáveis por si mesmas e não em virtude do consentimento da Igreja.[8] Esse texto utiliza um certo número de expressões cujo sentido não foi percebido sempre do mesmo modo. É por isso que devemos começar por trazer-lhe precisões conceituais (A).  Isso nos permitirá abordar, a seguir, a questão mais delicada, do Magistério propriamente dito (B).

A)   Delimitação  dos conceitos

Dessa definição do I Concílio do Vaticano examinaremos, por ora, quatro termos.1. O de , antes de mais nada. Antes do século XVI, as noções de fé e de heresia compreendiam um domínio mais vasto que em nossos tempos. Para nós, a fé é constituída pelas verdades reveladas. Antigamente, ela se estendia também às conseqüências e às aplicações da Revelação.[9] Mais: a condenação de uma proposição pela fórmula clássica si quis dixerit [...] anathema sit não faz necessariamente da tese inversa a definição de uma doutrina de fé,[10] porque as notas teológicas[11] utilizadas e as notas de censura estão longe de ter, todas, o mesmo valor. Certas proposições são condenadas como heréticas não porque neguem formalmente uma verdade católica, mas porque vão contra um ensinamento da Igreja e sua prática, como no caso de certos cânones do Concílio de Trento.[12]Conseqüentemente, a fides que a Igreja exige em tais circunstâncias abrange mais que a fé divina, e recobre o proximum fidei, o theologice certum e até leis eclesiásticas universais.[13]É ao ensejo da condenação por Inocêncio X de Cinco Proposições ut verba iacent no Augustinus de Cornelius Jansenius (Bulla Cum occasione, em 1653), que se põe o problema da natureza da fé que é necessário dar aos fatos dogmáticos. Os fatos dogmáticos são fatos não revelados em si mesmos, mas que a Igreja definiu em razão de sua vinculação com o dogma, seja para explicá-lo, seja para o aplicar ou para o defender. Se os jansenistas se mostram de acordo com o Papa sobre a questão de direito para rejeitar as proposições condenadas, eles dela se separam a respeito da questão de fato, afirmando que elas não correspondem ao pensamento de Jansenius e que não figuram no Augustinus. O Arcebispo de Paris, Mons. de Péréfixe, estabelecerá então a seguinte distinção: a bula pontifícia exige uma adesão de fé divina para a questão de direito, mas, para a questão de fato, somente uma fé humana e eclesiástica, que obriga a submeter com sinceridade seu juízo. O que é interessante sublinhar, para nosso propósito, é que essa noção de fé eclesiástica reaparece para o «Caso de consciência» de 1702. Desta vez a infalibilidade de Igreja é afirmada tanto em matéria de fatos como em matéria de doutrina. Fénelon apoiará essa afirmação, professando que a Igreja é infalível nas decisões relativas à conservação do depósito da fé. Para tanto é preciso que ela seja infalível em seus julgamentos sobre obras que tratam da fé.[14]A noção de «fé eclesiástica» conheceu sortes diversas. É sem dúvida mais justo substituí-lo por «aceitação interior». Ela incide sobre o que foi qualificado como objeto secundário da infalibilidade, de que trataremos adiante.[15]2. Segunda expressão a reter nossa atenção: fides et mores. A fórmula «a fé e os costumes» é clássica na Igreja.[16] Ela aparece na Igreja pela primeira vez em um texto magisterial no Concílio de Consatnça, a propósito  da condenação dos livros de Wycliff,[17] sendo depois retomada, no V de Latrão, no Decreto sobre a impressão de livros, que alerta contra os livros que contêm perniciosa dogmata e de cuja leitura tam in fide quam in vita et moribus prolabuntur errores,[18] e, no Concílio de Trento, no Decreto sobre a recepção dos Livros Santos e das tradições dos Apóstolos. Afirmou-se que o santo Concílio recebe e venera [...] traditiones ipsas, tum ad fidem, tum ad mores pertinentes, tamquam vel oretenus a Christo, vel a Spiritu Sancto dictatas et continua successione in Ecclesia catholica conservatas.[19] Convém, entretanto, saber o que é que tal fórmula recobre, porque as mesmas palavras nem sempre conservam o mesmo sentido em todas as épocas.As pesquisas realizadas[20] permitem chegar a uma dupla conclusão: de um lado, é preciso conservar no conceito mores seu conteúdo substancial referente à Revelação, porque ele comporta exigências de ordem prática que necessariamente dirigem a conduta do cristão e, de outro lado, por fides et mores é preciso entender «a fé e a moral». As Atas do Concílio de Trento e o Decreto da IV Sessão favorecem essa interpretação, mesmo se não permitem em si mesmas destacar uma linha de argumentação suficientemente clara.[21]É útil então voltar-se para os autores medievais, que trabalharam nessa direção,[22] e que receberam a herança de Santo Agostinho.[23] A expressão encontra-se constantemente na pena de tais autores. Utilizam-na para defender a infalibilidade do Papa nas controvérsias dos franciscanos a respeito da pobreza. A palavra significa a Revelação e a resposta humana, naquilo em que ela engloba uma veritas, enquanto ela é credenda; e pelo termo mores é indicada a Revelação e a resposta humana, naquilo em que ela engloba uma bonitas, enquanto ela é facienda.[24] Segundo Santo Tomás de Aquino,[25] os mores compreendem intrinsecamente os preceitos morais, que pertencem, todos, à lei natural; e, ex institutione divina ou humana, os preceitos cerimoniais e judiciários, relativos ao culto e à justiça, na medida em que constituem determinações concretas dos princípios morais, geralmente realizadas pelos homens. Em todo caso, fica claro que os dois termos chamam um o outro, ou, para aproveitar a imagem, que a flor - a fé - sem os frutos - os costumes -  permanece estéril, e que não poderia haver fruto sem flor.[26] O Aquinate precisa que pode-se seguir sem pecar as opiniões errôneas dos mestres se elas não pertencem à fidem vel mores.[27] Uma fórmula semelhante, inspirada em Santo Agostinho, encontra-se no Decreto de Graciano: o que não se refere diretamente a fides et mores pode ser objeto de discussões legítimas.[28] Mas o Decreto confere um sentido particular aos mores, que podem significar as leis humanas apenas, por oposição à lei divina, para limitar-se ao sentido jurídico de costume.[29]O termo de fé vai além do domínio da revelação estrita: em Trento, exprime também ea que sunt necessaria ad salutem, portanto sem querer precisar que o que ele impõe como necessário à salvação e à comunhão da Igreja é revelado por Deus e por conseqüência irreformável.[30] Mas o Concílio utiliza a expressão fides et mores em paralelo com as de veritas et morum disciplina ou de veritas et disciplina. À época, a fides é a verdade contida na Boa Nova anunciada pelo Cristo, os mores são muito mais do que a nossa moral: são tudo o que o Evangelho revela sobre o que deva ser o comportamento cristão, o que inclui não somente a moral, mas a oração, a adoração a Deus, etc., em suma: a prática cristã.  Enfim, a disciplina designa um modo de vida conforme com o Evangelho, e situa-se entre a fides e os mores.[31] No II Concílio do Vaticano, os mores são uma parte da fides, mas o termo é deliberadamente deixado na imprecisão, enquanto a disciplina é aplicada ao regimen Ecclesiae, isto é, à ordem jurídica eclesiástica. O primado do Papa exerce-se tanto pelo seu Magistério nas res fidei et morum como por seu poder de jurisdição no que concerne disciplinam et regimen Ecclesiae per totum orbem diffusae.[32]Formulação comparável encontra-se no Direito Canônico atual entre as obrigações do bispo: Veritates fidei credendas et moribus applicandas Episcopus diocesanus (eparchialis) fidelibus proponere tenetur.[33] É a transcrição, sob forma de norma canônica, do ensinamento conciliar. Lê-se, com efeito, que inter praecipua Episcoporum munera eminet praedicatio Evangelii. Episcopi sunt enim fidei praecones [...], qui populo sibi comisso fidem credendam et moribus applicandam praedicant.[34]A Instrução sobre a vocação eclesial do teólogo afirma, por sua parte, que o que concerne à moral pode ser objeto do Magistério autêntico, porque o Evangelho, que é a Palavra de vida, inspira e dirige todo o domínio do agir humano. [...] É doutrina de fé que as regras morais podem ser ensinadas infalivelmente pelo Magistério (n° 16).[35] Na Encíclica Veritatis splendor a autoridade suprema da Igreja relembra que pregando os mandamentos de Deus e a caridade do Cristo, o Magistério da Igreja ensina também aos fiéis os preceitos particulares e específicos, e lhe pede considerar em consciência que eles são moralmente obrigatórios.[36] 3. Ex cathedra é um terceiro termo da definição conciliar. Foi introduzido no schema De Ecclesia a pedido de diversos Padres, porque esse termo, consagrado por um longo uso nas escolas, possui uma significação fixa e determinada, explicada por autores plenamente autorizados: Belarmino, Sto. Afonso de Ligório, Gregório XVI, etc.[37] Na verdade é Melchior Cano quem, por primeiro, elabora uma teoria teológica completa a respeito da infalibilidade pontifícia falando da infalibilidade ex cathedra e da infalibilidade in conclusione em seu De locis theologicis.[38] O teólogo de Salamanca afirma, sem utilizar tal palavra, que o Pontífice romano é infalível enquanto juiz público da Igreja, não enquanto pessoa ou doutor privado; que não é infalível senão quando define uma doutrina de fé falando para a Igreja universal com a intenção de obrigar os fiéis a crerem.[39] A inerrância pontifical é uma verdade de fé limitada ao exercício público da autoridade do Papa.[40] Ainda que esse termo não tenha sido conservado por Belarmino em seu De Romano Pontifice,[41] não tarda a sê-lo pelos teólogos, como Bossuet o atesta cem anos mais tarde.[42] É o sentido que reencontraremos na definição do I Concílio do Vaticano, ou seja, que o Papa, desempenhando seu múnus de pastor e mestre de todos os cristãos, define, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, que uma doutrina em matéria de fé ou de moral deve ser acolhida por toda a Igreja.[43]4. A palavra dogma, enfim, não abrange uma realidade constante. Do grego dogma, decisão, decreto, designa portanto uma doutrina, uma sentença, um princípio. No século IV, sua significação restringe-se às verdades religiosas irreformáveis porque reveladas. Encontra-se, todavia, as expressões dogmata erroris[44] ou dogmata haeretica.[45] Trata-se então da fé de Nicéia, não do dogma de Nicéia, que é uma expressão moderna. No Concílio de Trento, por exemplo, a expressão equivalente é artigo de fé, como em Santo Tomás de Aquino.[46] É no século XVIII, com efeito, que a palavra recebe seu sentido definitivo, ainda que ainda limitado a tal dogma, mais que ao dogma: o franciscano Felipe Néri Chrismann (1751-1810) apresenta dogma como uma doutrina e uma verdade divinamente reveladas, doutrina e verdade que o julgamento público da Igreja propõe crer de fé divina, de tal modo que seu oposto é condenado pela mesma Igreja como doutrina herética.[47] O Papa Pio IX convida a receber e reverenciar os Ecclesiae dogmata, isto é, tanto os dogmas que foram oficialmente definidos como os que foram propostos pelo Magistério ordinário universal.[48] O I Concílio do Vaticano consagra o uso moderno de dogma afirmando que deve-se crer de fé divina e católica tudo o que está contido na Palavra de Deus, escrita ou transmitida pela Tradição, e que a Igreja propõe crer como divinamente revelado, seja por um julgamento solene, seja pelo Magistério ordinário e universal.[49] Quanto ao Catecismo da Igreja Católica, seu número 88, modificado na edição definitiva e oficial em latim,[50] para ter em conta o Motu proprio Ad tuendam fidem, ensina que o Magistério da Igreja envolve plenamente a autoridade recebida do Cristo quando define os dogmas, isto é, quando propõe, sob uma forma que obriga o povo cristão a uma adesão irrevogável de fé, verdades contidas na Revelação divina ou quando propõe de maneira definitiva verdades que com ela têm um vínculo necessário.[51] Vamos, pois, à noção de Magistério. B) A noção de Magistério.Dois aspectos vão prender, aqui, nossa atenção. É preciso notar, desde logo, que o II Concílio do Vaticano não utiliza esse termo: Magistério; já nos vamos explicar.  Na verdade, trata-se de uma noção articulada e evolutiva, que apresenta uma certa complexidade, sobretudo quando se trata de distinguir o Magistério infalível do Magistério não-infalível. Portanto, após ter apresentado o Magistério sob todas suas facetas, deveremos ainda precisar os termos definir e definitivo, empregados a partir do I Concílio do Vaticano e que fazem correr tinta até nossos dias. 1) A noção e as diferentes formas de Magistério.a) O termo Magistério é recente em sua acepção atual. É significativo quanto a isso que não exista verbete Magistério nem no Dictionnaire Apologétique da la Foi Catholique de Jaugey,[52] nem no de Alès,[53] nem no Dictionnaire de Théologie Catholique.[54] Não figura nessas obras, mesmo que a realidade esteja, bem entendido, presente. Isso pode ser explicado pelo fato de o termo ser ainda pouco utilizado quando essas obras estavam sendo preparadas, pois não é senão com Gregório XVI que aparece pela primeira vez em um documento pontifício.[55]Desde a origem, entretanto, o uso cristão do termo designa a função de ensino e o corpo de pastores habilitado a exercer essa função, a própria Ecclesia. É, no milênio que retém nossa atenção, o sentido que se espalha. Como o salientou o Pe. Congar,[56] tendo-se consciência de que Deus é o Magister supremo, não se hesita em reconhecer o magisterium do Bispo,[57] sempre distinguindo o Magistério pastoral do prelado, que tem jurisdição, do Magistério do doutor ou mestre.[58] A partir de Alexandre III ganha a luz a consciência de uma autoridade doutrinal particular do Papa, que ele qualifica em 1159 de magister et fundator da Igreja romana. Um Magistério dos doutores exerce-se na Igreja, tanto mais facilmente quanto numerosos Papas e Concílios passam pelas Universidades para publicar suas coleções de decretais.[59] Os escolásticos aproximam-se progressivamente do uso moderno do  termo. Ele provém dos canonistas alemães do começo do século XIX, notadamente F. Walter, que estabelece a distinção tripartita dos poderes na Igreja introduzindo uma potestas magisterii ao lado da potestas ministerii sive ordinis e da potestas iurisdictionis sive ecclesiastica in specie.[60] Daí por diante o termo é encontrado nos ensinamentos dos Pontífices romanos. Gregório XVI condena Georg Hermes, que escreveu coisas absurdas e estranhas à doutrina da Igreja católica, sobretudo a propósito [...] do Magistério da Igreja [...].[61] Pio IX critica o congresso dos sábios católicos reunido em 1863 em Munique por Johannes Joseph Ignaz Döllinger, no curso do qual certos participantes se deixaram arrastar além dos limites que a obediência devida ao Magistério da Igreja permite transpor, não somente ao que foi definido pelos decretos expressos dos concílios ecumênicos ou dos pontífices romanos, mas também  quae ordinario totius Ecclesiae per orbem dispersae magisterio tamquam revelata traduntur.[62] No Codex Iuris Canonici de 1917, a 4ª Parte do Livro III, De rebus, é intitulada De magisterio ecclesiastico e compreende os cânones 1322-1408. Essa divisão não mais se encontra no Codex Iuris Canonici de 1983, que, a justo título, prefere tratar, em seu Livro III, da função de ensinar da Igreja em sua integralidade, o que abrange o ministério da Palavra de Deus,[63] a atividade missionária da Igreja, a educação católica, os meios de comunicação social e em particular os livros, enfim a profissão de fé (Cânones 747-833). Pelo contrário, o Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium de 1990 conserva para o seu Título XV a epígrafe De magisterio ecclesiastico, considerada mais conforme à tradição oriental, com os mesmos setores que o Código latino, salvo a profissão de fé (Cânones 595-666). b) De outro lado, Leão XIII escreveu, a propósito da unidade da Igreja, que Jesus Christus instituit in Ecclesiam vivum, authenticum, idemque perenne magisterium.[64] Que deve entender-se por Magistério autêntico?[65] Autêntico e autenticidade derivam de auqenhV, alguma coisa que age com sua própria mão. Nos Padres e na literatura medieval, esse termo designa a origem divina dos textos sagrados.[66] É nesse sentido que o Concílio de Trento o utiliza no Decreto Insuper, pelo qual, desejoso de propor qual das edições latinas dos Livros sagrados quaenam pro authentica habenda sit, aprova a Vulgata como versão autorizada da Bíblia para o Ocidente: in publicis lectionibus, praedicationibus et expositionibus pro authentica habeatur. Em nossos dias, o termo diz respeito ao autor de um livro canônico.[67] Em sentido jurídico, autêntico implica a idéia de autoridade, como é manifesto na aprovação autêntica de um documento.[68] De outro lado, é soli Ecclesiae magisterio que o divino Redentor concredit authentice interpretandum o depósito da fé, e não a cada um dos fiéis ou teólogos.[69]