Diz a sabedoria popular: não é fugindo que se resolve o problema. Isso vale para todos os tipos de problema. Mas vale de modo especial para os que causam medo. A primeira vontade é fugir, deixar pra lá, esquecer. Mas, justo por causa de seu poder assustador, não deixam de incomodar. E por isso, se não são enfrentados, provocam angústias, pavor, estresse, e podem levar até ao desespero.

Tendo aumentado o número de sacerdotes católicos que exercem (ou se candidatam ao exercício de) funções públicas, de cunho político partidário, aumenta também, na mesma proporção, o número de pessoas que desejam saber a posição oficial da Igreja sobre tal atuação. Tais questionamentos ficam ainda mais vivos quando os meios de comunicação mostram existir divergências sobre o tema, como se pode constatar nos sites:

http://www.portalopovo.com.br/noticia_detalhe.php?id=6313,

http://www.istoe.com.br/reportagens/10358_RELIGIOSOS+QUEREM+O+PODER,

ou na conhecida "Nota Normativa da Arquidiocese da Paraíba sobre padres e política"

http://img.cancaonova.com/noticias/pdf/275865_NotaNormativa_PadresePoliticaPartidaria.pdf,

ou ainda, há mais tempo, no debate sobre a eleição do (bispo) Presidente do Paraguay, Fernando Lugo

http://pt.wikinews.org/wiki/Candidatura_de_paraguaio_%C3%A9_inconstitucional_e_contraria_Vaticano.

Já faz algum tempo que um colega da Sociedade Brasileira de Canonistas escreveu um artigo sobre este tema, no qual, comentando o § 3 do cânon 285 do Código de Direito Canônico: "Os clérigos são proibidos de assumir cargos públicos que implicam participação no exercício do poder civil", corretamente afirmava: "A norma apresentada no § 3º é taxativa e claramente proibitiva. Não são previstas exceções nem dispensas. A tradução brasileira diz que "são proibidos de assumir", mas o verbo latino empregado é "vetantur". Tal verbo carrega maior peso que sua tradução "proibir". Trata-se de uma proibição taxativa = vetare".

(José Nacif Nicolau,
A possibilidade da participação política direta dos presbíteros,
segundo o Código de Direito Canônico

http://www.presbiteros.com.br/site/a-possibilidade-da-participacao-politica-direta-dos-presbiteros-segundo-o-codigo-de-direito-canonico/
).

Tal posição foi recentemente confirmada (como lembra o Arcebispo da Paraíba), pelo Papa Bento XVI, falando diretamente aos Bispos do Brasil:

"É na diversidade essencial entre sacerdócio ministerial e sacerdócio comum que se entende a identidade específica dos fiéis ordenados e leigos. Por essa razão é necessário evitar a secularização dos sacerdotes e a clericalização dos leigos. Nessa perspectiva, portanto, os fiéis leigos devem empenhar-se em exprimir na realidade, inclusive através do empenho político, a visão antropológica cristã e a doutrina social da Igreja. Diversamente, os sacerdotes devem permanecer afastados de um engajamento pessoal na política, a fim de favorecerem a unidade e a comunhão de todos os fiéis e assim poderem ser uma referência para todos. É importante fazer crescer esta consciência nos sacerdotes, religiosos e fiéis leigos, encorajando e vigiando para que cada um possa sentir-se motivado a agir segundo o seu próprio estado"

(Discurso de Bento XVI aos Bispos do Regional NE 2, 17/09/2009
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2009/september/documents/hf_ben-xvi_spe_20090917_ad-limina-brasile2_po.html
).

Por isso, a determinação dos Bispos das Dioceses do Regional NE 2 (12/12/2003), como a citada "Nota Normativa" do Arcebispo da Paraíba, estão corretas quando impõe suspensão "latae sententiae" (isto é, automática) ao sacerdote que "pleitear função política ou assumir cargos executivos que implicam participação no poder civil". Com tal suspensão os referidos sacerdotes ficam proibidos de celebrar (ou concelebrar) a Santa Missa e os sacramentos. Trata-se de uma questão de obediência às leis canônicas e de coerência com a peculiaridade do ministério sacerdotal, cujo exercício a Tradição da Igreja tem mostrado não ser compatível com o exercício da política partidária.

A população, em geral, está sendo prejudicada, particularmente os menos favorecidos. "Os pobres são juizes da vida democrática de uma nação" (Doc. CNBB 42) e por isso a expressão histórica do julgamento de Deus sobre qualquer sociedade humana. A Política, feita por cristãos, deve trazer as características da justiça social, da transparência administrativa e de uma responsabilidade com o patrimônio público, acima do comum. Aristóteles afirmou no Livro I sobre a Política: "Perfecta autem societas, ex pluribus conflata, civitas est, quæ ad summum iam, ut ita dicam, omnis copiæ culmen pervasit, sibi plane suffciens"[1], não pensou certamente na Igreja! Nem mesmo, como sublinha FOGLIASSO, não entendeu sequer dar-nos uma definição abstrata, aplicável indefinidamente a diversas espécies de sociedades: pelo contrário, definiu só a única sociedade humana soberana de que se poderia falar então -- a sociedade política. Muito natural, já que o mesmo Tomás de Aquino, ao se referir sobre a sociedade perfeita se refere só à civil[2]. Na realidade a aplicação à aplicação começa com o Direito Público Eclesiástico. Foi no contexto apologético do mesmo que a definição de Aristóteles se precisou mais: "societas quæ habet tanquam finem bonum completum in suo ordine et omnia media necessaria ad illud consequendum de iure possuidet, ideoque est in suo ordine independes et sibi sufficiens" ou ainda mais brevemente: "societas independens ratione finis et sibi sufficiens ratione mediorum".



[1] 1, 8.

[2] I, II, 90.3 ad 3. Um.