Todos os povos antigos homenageavam seus mortos. Os gregos acreditavam que os mortos continuavam a vida em lugar especial situado um pouco a baixo do Olimpo - a morada dos deuses. Os chineses tinham certeza que a nobreza continuava a reinar na outra vida, tanto que era sepultada com todos os seus pertences, utensílios domésticos, jóias, roupas, armas. Os egípcios construíram imensas câmaras mortuárias para abrigar os seus príncipes, pois acreditavam que continuariam a reinar na outra vida. Todos os povos antigos, desde as primeiras comunidades humanas, reverenciavam seus mortos. Foi do poder da morte e da fraqueza humana em enfrentá-la que nasceu a religião. O culto aos mortos foi a primeira liturgia religiosa. Há um sexto sentido na pessoa humana que lhe garante que a vida ultrapassa a fronteira do mundo material. Em todos os povos as comunidades escolheram um dia para homenagear seus falecidos. Entre nós, o dia 2 de novembro foi fixado pela Igreja no século XIII, obedecendo a tradição dos monges de Cluny que seguiam a tradição dos povos celtas que habitavam os Alpes franceses.

Mas a homenagem aos mortos não se resume apenas na lembrança de pessoas queridas que se foram. Não é um fato que acontece puramente no plano objetivo. Sabemos que ocorre de maneira intensa no plano subjetivo, psicológico. Homenagear os mortos trazendo-os de volta em nossas mentes no Dia de Finados, nos coloca em sintonia direta com nosso ser pessoa - que foi construído por eles. Não apenas somos produto biológico de um pai e uma mãe. Toda a nossa identidade e caráter foram fixados, sedimentados, a partir da convivência com eles. A educação, a disciplina, os valores, os hábitos, o caráter, a percepção de mundo, a determinação para o trabalho, a religião, o eu; esse conjunto que forma a pessoa foi construído por eles. É certo que todos os aprendizados da vida contribuem para a fixação dessa identidade, mas a essência da pessoa foi construída por aqueles que lhe foram modelos. Muitas vezes veneramos os mortos não pela simples necessidade de homenageá-los, mas pela necessidade de reconstruir em nós o que foi construído por eles. Ao longo da vida não raras vezes nos afastamos dos valores e caminhos que nos foram ensinados com amor, por eles. Pais, sempre ensinam o que é bom para os filhos, pois querem a felicidade deles. No Dia de Finados, ao acendermos nossas velas junto ao túmulo, estamos reafirmando nossa fé na ressurreição: "Eu sou a luz do mundo"; não apenas demonstramos que cremos que todos eles já estão na eternidade; mas, buscamos encontrar-nos com o projeto original de nós mesmos que herdamos deles. Encontrar os valores e tomar as decisões corretas, como nos foram por eles ensinadas. Buscamos encontrar a inocência, a harmonia da vida familiar que perdemos. Outras vezes buscamos reconstruir uma personalidade fragmentada por sofrimentos e desilusões. Alguns mortos não passam, permanecessem vivos na memória consciente e inconsciente, dando sentido à nossa existência.

Paulo Pinto é pároco de NS de Lourdes.