Não é só no mundo secularizado que as pessoas dão excessiva importância às hierarquias de poder. No mundo da religião também. Conheço algumas pessoas que freqüentam determinadas igrejas porque alguns ricos costumam assistir missas lá. Estar ao lado de um figurão da sociedade enche de vaidade algumas pessoas. Coisa de fariseus, que se preocupavam excessivamente com o status social, mas viviam com a alma vazia de Deus. O nosso catolicismo tem muito de social e pouco de piedade cristã. Certa vez, em Belém, celebrei a missa de 15 anos de uma belíssima jovem, filha de um oficial de Aeronáutica, na capela do Parque de Aeronáutica do 1º COMAR. A capela ficava dentro de uma imensa área ajardinada, entre grama cortada e muitas flores. Atrasamos a missa em meia hora porque os convidados não haviam chegado. Finalmente, quando a menina desembarcou do automóvel no portão principal do Parque, assisti a uma das mais belas cenas paroquiais de minha vida. Ao caminhar por cerca de cinqüenta metros entre os jardins até a capela, ela, os pais, os irmãos e irmãs, crianças lindamente vestidas, foram acompanhados por uma orquestra de violinistas que tocavam belíssimas canções. Foi uma cena de cinema. Quando entraram na capela havia apenas eu, os avós paternos e maternos, algumas tias. Ao todo não chegávamos a 15 pessoas. A capela estava lindamente ornamentada. Nunca esqueci a leveza espiritual daquela missa acompanhada por uma orquestra de violinistas para apenas 15 pessoas. Depois da missa, quando tentei chegar à casa da aniversariante, encontrei uma multidão de pessoas tentando entrar na casa que já estava cheia. Será que todo aquele pessoal não foi convidado para a missa de 15 anos? Esse tipo de catolicismo é muito comum entre Manaus é Belém. A cerimônia religiosa que, na maioria dos casos, é muito importante para a família, é quase de nenhuma importância para os convidados que só estão interessados na festa. Muitos chegam bem cedo ao salão de recepção para ocuparem os melhores lugares. Hoje, quando converso com os noivos no momento do agendamento do casamento, chego a sugerir que eles não digam no convite onde será a recepção, o que poderá ser feito logo após o encerramento da cerimônia religiosa na igreja. De lá todos poderão seguir para a recepção. Mesmo porque só depois que os noivos chegam e começam a receber seus convidados é que estes deveriam entrar no salão de recepção, e não o contrário. Para esse mundo de inversão de valores, a religião deve ser subordinada às conveniências sociais. Conheço pessoas que só convidam bispos para celebrar suas missas. Para elas só bispos têm suficiente nobreza para oficiar por elas. E se esforçam por este privilégio. Dão presentes, oferecem jantares, convidam para passear, prestam homenagens. Fazem de tudo para tê-los no seu círculo de amizades, a fim de que eles sejam os celebrantes oficiais de suas cerimônias. Muitos padres evitam fazer amizades com certas pessoas com medo de terem que celebrar as missas particulares delas. 

Paulo Pinto é pároco de NS de Lourdes.