Alguns dos meus melhores amigos são afrodescendentes. O Brasil é o país mais miscigenado do mundo. A cultura brasileira é fruto dessa miscigenação. Nunca houve segregação racial no Brasil, como em outros países. Negros mantidos em guetos e tratados como seres inferiores. Essa foi uma realidade historicamente recente na América do Norte, não no Brasil. A segregação nos Estados Unidos e na África do Sul, após a abolição, era verdadeiramente racial. Negros só podiam morar em determinados bairros; freqüentar determinadas escolas e exercer determinadas profissões. Em ônibus tinham que levantar para dar lugar aos brancos; igualmente em igrejas e outros lugares. Em repartições públicas, brancos e negros não se misturavam. Nas calçadas, deviam dar passagens aos brancos. Além de todas as atrocidades praticadas contra eles. Essa lista é apenas exemplificativa. No Brasil, nunca existiram tais barbáries. Aqui, só existe uma discriminação: a econômica. Como em todos os lugares do mundo o pobre é sempre discriminado. Em Manaus é difícil encontrar um camelô negro. Ao contrário, existem dezenas de descendentes de cearenses, brancos, que são camelôs ou vendedores ambulantes.

Os negros, após a abolição da escravatura, formaram com outros a classe social mais pobre  da população. Ora, é da pobreza que saem os marginais. É por isso que muitos homens de cor são discriminados, ora como marginais, ora como pobres. Isso não quer dizer que no Brasil não exista o racismo étnico latente, contra pessoas negras, já que o racismo é característica de todos os grupos humanos. Mas, o racismo institucionalizado, como existiu e ainda existe nos países acima mencionados, não existe no Brasil. Faz parte do inconsciente do brasileiro o tipo étnico miscigenado, moreno, por qualquer descendência. Mas, como tudo que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil, forjaram um racismo brasileiro. Como racismo é coisa do Primeiro Mundo, importamos também o racismo deles. Cotas para negros nas universidades e repartições públicas. No entanto, lá tudo isso foi conquista social dos direitos civis que eram negados aos negros. No Brasil, essa postura diz respeito com a nossa falta de autoestima do brasileiro. Queremos ser brancos como os americanos; talvez, ser de primeiro mundo como eles. Por isso, quando por aqui uma pessoa defende muito a cultura negra, na verdade, está querendo afirmar a sua superioridade branca. É algo como se estivesse dizendo: "vejam, eles são pretos, coitados, são inferiores. Eu sou branco, sou superior e mais inteligente". Mesmo que tal afirmação se passe de forma inconsciente e subjetiva, a manipulação do tema revela o desejo de mostrar-se racialmente superior. Não se trata de nenhuma caridade humanitária. Muito ao contrário, é um mecanismo bastante sutil, para dizer-se racialmente superior. É a externalização do desejo de dizer a si mesmo que pertence ao primeiro mundo. Essa manipulação aparente do sentimento de solidariedade revela o grande complexo de inferioridade que muitos brasileiros têm de si mesmos. Revela a falta de autoestima de ser brasileiro, que traz conseqüências devastadoras: muitas pessoas de cor estão se sentindo verdadeiramente inferiores. E acabam por introjetar o sentimento de pertencer a uma raça inferior. Do preconceito contra a pobreza, passamos ao preconceito racial.

Paulo Pinto é pároco.