por Mauro José Ramos

A noite já estava cansada de ser noite. A natureza já se conformara com a ausência do sol e fora dormir. Apenas o rio parecia não querer descansar; ainda estava agitado. Talvez fosse pelas pedras que lhe impedia um curso tranqüilo, ou talvez ele quisesse confidenciar algo.

Resolvi sentar as suas margens e me dispus a ouvir seus murmúrios. E ele contou-me uma belíssima história sobre a amizade. Era uma história pessoal dele, o rio, com o senhor Marçal: o amigo.

O senhor Marçal, um homem velho, negro e só. Já fora forte, destemido e passou a vida a construir casas, para estudar os filhos. Hoje já não tem força, não tem casa e nem filhos...

O rio também tivera os seus tempos de glória, daqueles dias em que não havia homem que vencesse suas correntezas. A pureza de suas águas já fora o seu maior orgulho, tanto que, não havia por ali, animal que não se curvasse diante de suas margens em busca de matar a sede e a fome de água, peixe e beleza. Hoje todos se foram; suas forças, os animais, a pureza de suas águas e muito de sua beleza...

Tanto ao senhor Marças, quanto ao rio, restaram-lhe apenas o passar dos dias. Um serve de cenário para o outro. Nas tardes, o senhor Marçal banha-se nas águas do rio. Este momento é considerado um presente para eles. O tempo para por completo. Ambos se esquecem do passado, ambos não pensam no depois. Na contemplação gratuita de um para com o outro, se propõem a construir uma nova história. Uma belíssima história sobre a amizade!