A ORAÇAO COMO EXPERIÊNCIA DE RELAÇÃO

Pe Ramon, SJ

Para entendermos as coisas de Deus, sempre é bom olhar mais de perto como "funcionamos", os nossos mecanismos psicológicos, e como acontecer às mudanças importantes de nossa vida.

Com facilidade criamos mitos, isto é fantasias sonhando modalidade de relação com Deus absolutamente diferentes do nosso modo habitual de viver relacionar-nos. Daí, muitas vezes, nasce nossa frustração.

Curiosamente, é com as ciências modernas, particularmente a educação, que a espiritualidade está aprendendo estas coisas. A reflexão sobre a educação personalizada, onde a relação entre professor e aluno é constitutiva do processo de aprendizado, veio iluminar também nossas idéias sobre espiritualidade.

 

Vamos analisar agora como nos tornamos "discípulos"  de alguém.

O que nos levar a seguir uma pessoa? A engajar nosso destino com alguém? A mudar nosso comportamento? A criar uma amizade, a viver um amor?

A experiência parece nos mostrar que a mostrar que a mudança na nossa vida acontece como conseqüência de uma paixão fruto de um relacionamento profundo.

Toda paixão começa por uma fascinação, um encantamento, que sempre é por pessoas. Esta fascinação não tem lógica; não se explica, se experimenta. Não tem como convencer alguém a se apaixonar por mim. A fascinação acontece através de algum tipo de experiência relacional, por uma "sedução progressiva" no encontro freqüente.

Nunca nos deixamos fascinar por alguém que não se revela, não se deixa perceber, não se manifesta. A revelação de si feita pela outra pessoa, desperta nossa atenção e interesse. A fascinação supõe encontro.

Observando o comportamento humano, percebemos que todo encontro profundo provoca uma emoção. Desta podem surgir a atração e o desejo de um novo encontro e de conhecimento mais profundo.

A maior parte das emoções que sentimos não provoca mudanças comportamentais. Elas se esgotam no próprio ato de senti-las. Mas algumas emoções penetram mais fundo e provocam o desejo, e este desejo coloca em movimento. Toda nossa ação é movida pelos desejos que estamos experimentando, torna-se o referencial, o centro e o objetivo do nosso agir.

Sem uma fascinação, sem um amor preferencial, podemos ficar no universo dos desejos, que se entrechocam, se sobrepõem e, no final, nos fragmentam e neurotizam.

A propaganda que vemos nos meios de comunicação parece funcionar assim: ela provoca o consumo despertando cada dia novos desejos.

Em geral, quando ficamos fascinados por alguém, colocamo-nos em situação de seguimento. Começamos a procurar quem nos fascina, mudamos nossos caminhos para encontrar a pessoa, chegamos mesmo a desistir dos nossos próprios roteiros. Parece que nada mais nos interessa, não importa os horários e as regras. Quem segue, move-se como é e como está. Não se trata de imitação, isto é a reproduzir a outra pessoa em si mesmo, mas de estudar junto, compartilhar o mesmo tempo, o mesmo espaço, o mesmo destino. Para isto, somente a pessoa fascinada e capaz de arriscar tudo.

Podemos dizer que, neste caso, aconteceu o apaixonamento. É algo que se experimenta sem concederar ainda se tem a possibilidade de "dar certo". Os poetas falam da "cegueira" desse momento, da "loucura" que representa. A decepção só acontece quando o apaixonamento termina ou não caminha para etapas mais profundas da relação.

A mudança de caminho pessoal provocada em nos pelo apaixonamento gera mudanças físicas, culturais, psicólogas (sente-se diferente, leve, um novo brilho no olhar). Paixão não tem jeito de esconder. Você fica absolutamente diferente por causa de alguém.

E ai surge uma intimidade que gera identidade: gostamos das mesmas coisas, das mesmas comidas, musicas, etc. ficamos de alguma forma parecidos.

Deus ficou tão apaixonado que ficou parecido conosco: se encarnou.

A encarnação é sinal da paixão da Trindade por nós.

Na linguagem do dia-a-dia falamos: "a minha vida é você", "somos almas gêmeas".

Passamos, então a ter tempos e espaços preferenciais para a pessoa amada. Por isto é estranho quando alguém diz "gosto tanto de rezar mas não encontro tempo". Para aquilo que a gente gosta, sempre encontramos tempo.

Quando você se apaixona, você cria uma espécie de solidariedade e destino, começa a ter um sonho em comum com a pessoa amada.

Assim, de algum modo, podemos dizer que evangelizar é provoca o desejo de Deus, pois sem desejo não haverá fascinação e sem fascinação não existirá desejo, nem seguimento, nem discipulado.

Na oração este processo se inicia quando sou capaz de dar uma atenção profunda a este. Outro que é Deus se revelando a mim e que fascina de tal modo que me leva a silenciar. Mais do que falar, o que me satisfaz no encontro amoroso é a escuta do Outro, prestar-lhe toda a minha atenção. Na oração a escuta é, antes de tudo, da palavra bíblica, escrita de forma inspirada por alguém apaixonado e que deseja partilhar conosco assa sua paixão pelo transcendente.

Este é o efeito principal da oração, gerando para nos uma identidade tal com Deus que, como são, Paulo podemos dizer que "já não sou eu quem vive, mas e Cristo que vive em mim".