Estamos às vésperas do Carnaval e recorri, então, ao Livro do Eclesiástico para procurar sentido para esses dias que antecedem o tempo penitencial da quaresma.

Não os posso entender como dias em que se joga fora a dignidade pessoal e se permite o rebaixamento da pessoa. Lembro-me que o "Eros" desregrado conduz ao "pornô" e tem a sua oposta no "tanatos". Se nos dias normais, vemos tantas desgraças conseqüentes a depravação dos costumes, o noticiário dos dias de carnaval em geral é desolador.

A arte que transparece nas danças e desfiles, o trabalho dos artesãos que os precede fica obscurecido pelo "pornô" e "tanatos" que imperam nesses três dias. Cansados, artistas e o público, silenciam-se após os desfiles. Não são conduzidos a contemplação do belo que eleva a alma. Tóxicos e bebedeiras lançam nas sargetas corpos jovens, perdido o sentido da vida.

No entanto, o que nos ensina o Livro sapiencial:

"Não te deixes dominar pela tristeza e nem te aflijas com teus pensamentos.

A alegria do coração e a vida do homem, a alegria do homem aumenta os seus dias.

Ilude tuas inquietações, consola teu coração, afasta para longe a tristeza, porque a tristeza matou a muitos e nela não há utilidade alguma."(Cf. Eclo. 30,21-25)

 

Temos, já no Antigo Testamento um convite a alegria e a efusão dos sentimentos. Os judeus celebram o Ano Novo recordando o riso e a alegria de Sara e Abraão com a realização da promessa em Isaac. O Novo Testamento é todo ele o anúncio da alegria, a Boa Nova da salvação, que leva São Paulo a concitar-nos a alegria,  "iterum dico", digo de novo, repito, alegrai-vos. (Cf. Fil.4,4).

Antes de um tempo em que a Igreja convida seus filhos a uma reflexão mais intensa sobre sua presença no mundo como cidadãos do Reino e sobre o empenho que devem ter pela sua santificação, santificando todas as coisas, a Igreja também nos impulsiona à alegria, dom misericordioso de Deus, que nos faz prelibar as delicias eternas.

Sem se conformar com o mundo, o cristão tem de ser um homem e uma mulher alegre. E motivos os temos, e muitos, desde o dom da vida, da liberdade, de podermos gozar dos nossos sentidos integrados com a consciência de que caminhamos para a perfeição. "Um santo triste é um triste santo", dizia São Francisco de Sales.

O canto, a dança, a arte, os folguedos fazem parte de nossa condição humana. Como atos neutros, podem se desviar do seu fim e é neste sentido que o Carnaval destrói a dignidade. Pelo contrário, se os praticarmos como expressão da nossa corporeidade e sentimentos dirigidos para a realização segundo a natureza  em fomos criados e na consciência de redimidos, representa um crescimento pessoal e um esforço para ajuda aos irmãos, livrando-os das tristezas e penas de cada dia.

Procuremos nos alegrar, descansar dos labores pesados do dia-a-dia, nesse Carnaval. Que eles nos ajudem a preparar todo o rito penitencial da quaresma, já vivendo estes dias na alegria do Espírito Santo.

 

DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO

ARCEBISPO METROPOLITANO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.