João Paulo II, o homem e o santo

Dom José Cardeal Freire Falcão
Arcebispo Emérito de Brasília

Se os funerais de João Paulo II foram um dos eventos globais da humanidade, sua beatificação, em 1º de maio próximo, será, sem dúvida, o mais significativo acontecimento humano e religioso da história da Igreja Católica e da humanidade. Milhões de pessoas acorrerão a Roma para testemunhar a grandeza humana e espiritual desse homem, um dos maiores santos de toda a história da Igreja e um dos seus maiores papas. "O cristão que mais despertou o interesse dos não cristãos" (André Riccardi).

Amor, cheio de ternura, às crianças, que abraçava e carregava em seus braços com o carinho de um pai. Aos adultos, dizia que são "destinados ao Céu os que são simples como as crianças".

Amor aos jovens. Dizia-lhes: "Vós sois o futuro do mundo, a esperança da Igreja! Vós sois a minha esperança". Como não lembrar as jornadas mundiais da juventude, instituídas por ele!
Amor à mulher. Sua gratidão para com a mulher-mãe, a mulher-esposa, a mulher-filha, a mulher-irmã, a mulher-trabalhadora, à mulher, pelo simples fato de ser mulher. Porque, dizia, "com a percepção, que é própria de tua feminilidade, enriqueces a compreensão do mundo e contribuis para a verdade das relações humanas".

O apreço singular que tinha pela família. Porque "a família é a primeira escola da vida". "O santuário da vida". "O centro e o coração da civilização do amor."
Agradecia os anciãos, porque "ajudam a contemplar os acontecimentos terrenos com mais sabedoria, porque as vicissitudes os tornaram mais experimentados e amadurecidos. São eles guardiões da memória coletiva e, por isso, intérpretes privilegiados daquele conjunto de ideais e valores humanos que mantêm e guiam a convivência social".

Mas, quem era João Paulo II? Primeiro um homem de fé. Fé robusta e simples de um camponês. Já se disse que "cada célula de seu ser respirava fé". Fé profunda na presença de Deus, na criatura humana e na história humana.
Por isso, um homem de oração. Tomava de joelhos suas decisões. Até quando lhe foi possível, debruçado no chão. Já como bispo e arcebispo de Cracóvia, cinco horas de oração por dia. Para ele, "a prece deve abraçar tudo o que faz parte de nossa vida. Não é algo suplementar ou marginal".
Homem de esperança. A esperança que alimentava a força transformadora do fermento evangélico, malgrado todo o mal que há na Terra. Esperança no triunfo da "civilização do amor".

João Paulo II foi o papa da vida, da defesa da vida humana. Desde sua concepção até o seu ocaso. Porque, dizia, "a vida do homem vem de Deus, é seu dom, sua imagem e sua marca, participação de seu sopro vital". Testemunhava esse apreço pela vida, ao abraçar e beijar os doentes terminais.

A palavra de Deus foi objeto para ele de profunda reflexão. Nenhum outro papa escreveu tanto quanto João Paulo II. Seu magistério pela palavra escrita se dirigiu a pessoas de todos os horizontes culturais, sociais e religiosos.
Magistério especialmente dos gestos. Gestos inesquecíveis, como o de beijar a terra de um país, quando o visitava pela primeira vez. A ternura de seus beijos e abraços a crianças, jovens, mulheres e doentes. Os braços abertos para acolher carinhosamente as multidões. No declinar da vida, a bengala, sinal de sofrimento, torna-se meio de comunicação. O papa dos gestos.

Papa missionário. Percorreu todos os caminhos do mundo e dos homens. Foi visto e sua palavra ouvida nas cidades e povoados, nos vales e montanhas, nas estepes e desertos, à beira dos rios e dos mares, até mesmo céus, nas entrevistas aéreas.
João Paulo II, o pai de todos. Um pai com coração de mãe. Uma ortodoxa russa, quando João Paulo agonizava, dizia: "É como se cada um estivesse chorando um amigo pessoal, um pai. É uma espécie de milagre universal".

João Paulo II, o mártir. O atentado na Praça de São Pedro teria sido fatal se a mão materna da Virgem Maria não tivesse desviado o trajeto da bala. O martírio prolongado de seus últimos anos de vida, quando estampava em sua face a face de Cristo sofredor. Mas, na extrema fragilidade física, a grandeza de sua vida interior.
O prodígio de sua morte. "Ao morrer, conseguiu falar também a quem não praticava a fé, a quem pensa de outra maneira, a quem segue outras confissões religiosas, a quem o criticou" (Politi).

João Paulo II, o santo. O clamor por sua beatificação ou canonização imediata, na ocasião de seus funerais, traduzia não só o senso comum dos fieis, mas o desejo de pessoas de todos os horizontes religiosos ou sem fé explícita.