EM DEFESA DA LÍGUA MÃE

Antônio de Abreu ROCHA

In Arquidiocesano de 10  nov 1985,n. 13656,  p. 3.

 

"Não morrerá sem, poetas nem soldados.

A língua em que cantaste rudemente.

As armas e os barões assinalados".

(Manoel Bandeira, a Camões).

 

O Ministério da Educação da Nova República tem revelado interesse pelo ensino da Língua Portuguesa. Com muita razão. Senão, onde é que ia ficar o espírito cívico da gente?

Temos obrigação de falar bem e escrever direito. Falar simplesmente e escrever corretamente. Quem nasceu no Brasil ou vive aqui, tem o elementar dever cívico de respeitar o idioma nacional e tratá-lo com dignidade.

O que se faz contra o Português já vem a ser petulante falta de respeito. Não me refiro aos infelizes, destituídos de meios e informação. Falo dos relapsos, desnorteados e irresponsáveis. O mau gosto é chocante, senão repugnante. Dá dó, mas às vezes cansa...

Se falam "a", erram antes de dizerem "b".  Se alguns poucos perderam o "trem da história", esses aí perderam o rumo do estilo. Já não há o que dizer a respeito da arte de escrever: o ponto é ser natural; escrever com simplicidade é a primeira estação do estilo. Basta ser natural; a originalidade chega como quem não quer nada.

Enfim, o surrado "estilo das estrelas" de Antônio Vieira: tão claro que o entendem os que não sabem; e tão alto que também muito que entender nele os que sabem. Como as estrelas: muito claras e altíssima! Mas com limpeza de forma.

Deixaram de aprender porque esqueceram de ensinar que a elegância gramatical é fundamental. Ninguém pergunta mais pelas qualidades primordiais do estilo. A bem dizer, ninguém pergunta por nada! Antigamente, os "consulentes" não nos davam paz. Todos queriam escrever direito e tinham medo de escrever errado. Pegava mal. Agora, nossos livros dormem o sono dos justos. Não os incomodam.

Contos nos dedos as pessoas que fazem perguntas de Português. Só amigos mais íntimos e, assim mesmo, os coroas... Porque os outros falam mal, sem pelo menos uma ordem razoável. Lógica nenhuma. Convencer não convencem. Comover não comovem. Nos mais ilustrados senhores avolumam-se impropriedades e desacertos de linguagem. Autoridades públicas falam sem cerimoniasamente errado. Documentos oficiais de ministros e até de presidentes são escritos em Português de má qualidade.

Não pode ficar assim.

Herdamos dos portugueses um idioma opulento, rico de meios de expressão, de abundantes flexões e vocabulário, forte na estrutura e flexível na sintaxe. Orgulhemo-nos do próprio idioma. A língua - que é produto social, reflexo e expressão da cultura popular é vinculo poderoso de unidade nacional. A nossa, especialmente, estendeu maravilhosamente seu domínio vigoroso por todo esse país continental. Por ela todos se comunicam. Através dela, por meio dela, construímos uma literatura já abundante, criativa e rica. Tecemos com ela todos os matizes da jovem bela cultural brasileira. Somos todos usufrutuários da opulência do idioma nacional, mas somos também responsáveis por ela. Autoridades e cidadãos. Professores e escritores temos de zelar pela tradição de beleza clássica da língua.

Cumpre voltar a desenvolver a aprendizagem a partir da língua viva, e das belezas do idioma, lendo juntos os textos literários que, de fato, encurtam a distância dos séculos e permitem dialogar através da história. Voltemos à simplicidade. Aprende-se a escrever, lendo, escrevendo e conhecendo as formas de elegância gramatical da língua.

O ministro Marcos Maciel já tinha ordenado à Comissão de Especialistas as novas diretrizes para reabilitar a majestade da língua. Agora, acaba de recomendar ao Conselho Federal de Educação a revisão dos currículos, para ampliar o espaço do Português e da Matemática no ensino básico, e para recriar melhores condições de ensino dessas disciplinas prioritárias.

Está certo o nosso ministro. Muito bem disse aquele pai de aluno à diretora do Grupo Escolar de Carmo do Paranaíba: "larga essas bobagem de ciência e não sei mais o quê; a senhora tem de ensinar meu filho é normar carta e contar juros!".