Homilia

Missa de abertura da Assembleia da Sociedade Brasileira de Canonistas

- Juiz de Fora - 9 de julho de 2012

Introdução:

 

Desejo saudar, de inicio, e o faço vivamente, o nosso estimado Monsenhor Sérgio de Deus Borges, Presidente da Sociedade dos Canonistas do Brasil, eleito, semana passada, Bispo Auxiliar de São Paulo. À alegria da notícia divulgada nos últimos dos vem assomar-se à grande satisfação de sua presença entre nós, dando-nos oportunidade de aplaudi-lo como nosso Sucessor dos Apóstolos.

 

Saúdo, com especial abraço de acolhida, o Padre Alejandro Bunge, Assessor da Assembleia.

 

Quero saudar e agradecer de modo muito especial ao caríssimo padre Geraldo Luiz Alves, meu Vigário Judicial, bem como a todos os funcionários de nosso Tribunal Interdiocesano e de Apelação de Juiz de Fora, pelo grande trabalho que tiveram que desempenhar para a montagem e realização deste importante evento, trabalho este do qual sou testemunha acompanhando de perto e testemunhando seus ingentes esforços. A este agradecimento associo o Revmo. Padre Rhawy, Secretário, a quem vi também em empenhativo trabalho nestes dias.

 

Saúdo, a todos os demais Oficiais dos Tribunais Eclesiásticos, Juízes, Defensores do Vínculo e Promotores de Justiça, Notários e demais servidores do Direito que aqui se encontram. A todos acolho com máxima satisfação em nossa Igreja Particular de Juiz de Fora, escolhida para sede deste encontro. Alegramo-nos por sediar, neste ano de 2012, o 27º Encontro da Sociedade Brasileira de Canonistas e o 29º Encontro dos servidores dos tribunais eclesiásticos do Brasil, que propõe como tema de aprofundamento o cânon 1095 em sua atualidade e diversidade, sob a assessoria de Pe. Alejandro Bunge, - a quem acolhemos com satisfação - tendo ainda como lema o versículo sexto do capítulo quinto do evangelista Mateus "felizes os que têm fome e sede de justiça".

 

Celebramos esta Missa de abertura do 27º Encontro Nacional, na festa de Santa Paulina, a primeira santa canonizada no Brasil. Certamente devemos aprender com ela a sua disposição de trabalhar pela causa do Senhor, com espírito totalmente imerso no amor de Deus, de forma a descobrir em tudo que fazemos, e, portanto, também no exercício do Direito, a mística que nos move, a fé que nos determina a vida, a espiritualidade que nos garante a permanência fiel no amor de Deus. Neste sentido, só exerceremos bem nossas tarefas pastorais, se elas forem precedidas pela vida de oração, da leitura assídua e meditação constante da Palavra de Deus, procurando, sinceramente pô-la em prática no dia a dia. Santa Paulina é reconhecida como mulher santa que nada fazia sem antes estar demoradamente diante do sacrário. Somos conhecedores dos sofrimentos, dos tormentos, das tribulações pelas quais teve que passar no exercício de sua missão e no desempenho de sua administração, somente superados pela força da fé e pela assiduidade na oração e plena confiança na Eucaristia.

 

O Evangelho de hoje, que acabamos de escutar, nos chama a atenção para o valor da fé capaz de resolver problemas sérios como o da enfermidade de uma mulher atormentada por uma hemorragia de 12 anos e, ainda mais, capaz de vencer até mesmo a morte, ressuscitando a menina. A Palavra de Nosso Senhor, a autoridade do Salvador, foram respostas fiéis à oração de um pai angustiado pela morte prematura de sua filha adolescente e ao pedido clamoroso de uma senhora extremamente sofredora.

 

Assim, na Igreja não exercemos função alguma sem antes colocar-nos humildemente diante de Deus para suplicar as luzes necessárias para não errarmos, para não falharmos em nada do que nos é confiado. O exercício do direito, nos dizem os próprios ministros deste mister, é um campo bastante tênue e até perigoso, uma vez que uma falha pode comprometer vidas. Recordemos que a condenação de Cristo constituiu o fato o maior erro jurídico da história da humanidade. Certamente, o bom exercício da missão jurídico-canônica, que não é uma pura advocacia humana, mas eclesial, dependerá do maior ou menor grau da vida espiritual de quem a exerce.

 

Quanto a isto, recordemos sábias palavras do saudoso Beato João Paulo II na constituição apostólica de promulgação do Código de Direito Canônico "Sacrae disciplina eleges" (25/01/1983), quando afirmou: "Torna-se claro, pois, que o objetivo do Código não é, de forma alguma, substituir, na vida da Igreja ou dos fiéis, a fé, a graça, os carismas, nem muito menos a caridade. Pelo contrário, sua finalidade é, antes, criar na sociedade eclesial uma ordem que, dando primazia ao amor, à graça e aos carismas, facilite ao mesmo tempo seu desenvolvimento orgânico na vida, seja da sociedade eclesial, seja de cada um de seus membros".

 

Os que legitimamente recebem da Igreja a responsabilidade do Direito Eclesiástico são chamados a serem testemunhas infatigáveis de uma justiça superior, num mundo caracterizado pela injustiça e pela violência, pela corrupção e pelo indiferentismo a tantos valores fundamentais à vida humana. Dessa forma, no serviço confiado pelos seus bispos no âmbito do poder jurídico de cada Igreja Particular, se tornam preciosos colaboradores na atividade pastoral da própria Igreja, cuja missão é evangelizar e santificar.

 

O aspecto pastoral do Direito e do Código em vigor foi recordado por meu irmão no episcopado, Dom João Corso, Bispo emérito de Campos - RJ, com quem tive agradável convívio quando eu era Bispo Auxiliar de São Paulo, um dos mais ilustres estudiosos do direito canônico no Brasil, que adverte: "todo o Direito Canônico deve ser pastoral. Uma disposição canônica que não fosse pastoral, não seria Direito Canônico". E continua: "A lei suprema da Igreja, de fato, é a salvação das almas, diz o cânon 1752, com que se conclui o Código de Direito Canônico".

O direito canônico desempenha uma função sumamente educativa, individual e social, no intuito de criar uma convivência ordenada e fecunda, em que germine e amadureça o desenvolvimento integral da pessoa humana e cristã.

 

De fato, o desenvolvimento integral da pessoa humano-cristã, que pelo Sacramento do Batismo é incorporada à Igreja de Cristo e nela constituída pessoa com os deveres e direitos, próprios dos cristãos pertencente à comunidade eclesial (cf. can. 96), somente pode ser realizado na medida em que se rompe com todo e qualquer tipo de individualismo, tome consciência da dimensão pessoal e ao mesmo tempo comunitária da vocação do ser humano. Dessa forma, o direito canônico consente e favorece este aperfeiçoamento integral da pessoa humana, enquanto possibilita ultrapassar o individualismo que impede o crescimento humano integra. Compreende, portanto, um movimento que vai da negação de si como individualidade exclusiva à afirmação de si como genuína sociabilidade, mediante o reconhecimento e o respeito do outro como «pessoa» dotada de direitos universais, invioláveis e inalienáveis, e revestida de dignidade transcendente. O ser humano sem Deus, nada é e nada pode.

 

É necessário recordar que a Igreja, no cumprimento de sua missão confiada por Cristo aos apóstolos, e aos seus sucessores e também por seu mérito histórico, tem o dever de proclamar e defender em toda a parte e sempre os direitos fundamentais do ser humano, não descurando o sentido da transcendência. Assim, a Igreja, no exercício de sua missão é defensora e promotora da verdade, da justiça e da paz, sendo diante do mundo speculum iustitiae.

A Igreja tem neste campo responsabilidade própria e específica. A Constituição pastoral Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II no § 76, acerca dessa responsabilidade própria, e específica da Igreja, afirma: "sempre lhe deve ser permitido pregar com verdadeira liberdade a fé; ensinar a sua doutrina a cerca da sociedade; exercer, sem entraves a própria missão entre os homens; e pronunciar o seu juízo moral mesmo acerca das realidades políticas, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem e utilizando todos e só aqueles meios que são conformes com o Evangelho e, segundo a variedade dos tempos e circunstâncias, são para o bem de todos. Aderindo fielmente ao Evangelho e realizando a sua missão no mundo, a Igreja - a quem pertence fomentar e elevar tudo o que de verdadeiro, bom e belo se encontra  na comunidade dos homens - consolida, para a glória de Deus, a paz entre os homens."

O comprometimento da Igreja com a verdade, a justiça e a paz, deve representar uma tomada de consciência da parte de todo o Povo de Deus, que deve colaborar segundo a condição própria de cada um para a construção de um mundo mais justo e fraterno. De maneira particular, vocês como operadores nos tribunais eclesiásticos têm a missão especial de colaborar com a Igreja na defesa e promoção da justiça. O amor à justiça e ao direito e julgar sempre com justiça devem ser como que o horizonte que deve conduzir cada um no serviço que lhes foi confiado.

 

Na experiência existencial da Igreja, os termos "direito", "juízo" e "justiça" apesar das imperfeições e dificuldades de qualquer ordenamento jurídico humano, lembram o modelo de uma justiça superior, a Justiça de Deus (Divina), que se coloca como meta e termo de confronto inevitável. O Santo Padre o Papa BentoXVI em seu discurso à Rota Romana por ocasião da abertura do ano judicial em janeiro passado (21/01/2012), ajuda-os a compreender bem esse confronto: "o verdadeiro direito é inseparável da justiça. O princípio vale obviamente também para a lei canônica, no sentido que essa não pode se fechar num sistema normativo meramente humano, mas deve ser ligada a uma ordem justa da Igreja, na qual vigora uma lei superior." Esse confronto comporta um esforço inevitável em todos aqueles que servem à Igreja na administração da justiça, que deve ter como modelo a justiça divina.

 

Em conformidade com a sua missão transcendente, o exercício do "ministério da justiça na igreja, a vocês confiado, os coloca diante de uma responsabilidade especial, que é a de tornar cada vez mais visível o rosto da Igreja como speculum iustitiae, que deve resplandecer o rosto de Cristo, lumen gentium, Príncipe da paz e da justiça. Aliás, se pode afirmar que a paz é fruto de justiça, como ensinou o saudoso Papa Paulo VI. O caminho para a conquista da paz, tão necessária ao mundo de hoje e tão almejada em tantos corações, é a justiça, da qual devemos ser defensores e promotores.

Que nunca falte a todos vocês que colaboram na atividade judicial da Igreja- os Presbiteros, os Vigários Judiciais. Os diáconos e leigos, afinal a todos os membros dos tribunais eclesiástico e também aos Senhores Advogados e Peritos (Psicólogos e Psiquiatras) - a consciência da importância da missão pastoral que exercem na vida de cada Igreja Particular, e que não lhes faltem a diligência e dedicação ao serviço á justiça, seguindo o exemplo de São Raimundo de Peñafort, Patrono dos Canonistas.

Sejam todos muito bem-vindos á Igreja Particular de Juiz de Fora e que tenham dias abençoados e felizes entre nós, com pleno sucesso neste Encontro nacional que estamos iniciano sob olhar benfazejo de Deus, o Supremo e Misericordioso Juiz. Amém!