O Santo Padre, João Paulo II, evoca um princípio do direito romano para indicar o ponto de partida de uma justa interpretação das normas sobre a incapacidade de consentimento: ex intima hominis natura haurienda est iuris disciplina (Cícero, De legibus, II). Por ser uma realidade natural, o matrimônio pode ser contraído por todos que não são proibidos pelo direito (c. 1098). Compreende-se, diz o papa, com facilidade a índole natural da capacidade de se contrair um matrimônio (João Paulo II, A cultura individualista invasora tende a circunscrever e confinar o matrimônio e a família ao mundo privado, in L'Osservatore Romano, n. 6 - 10/02/2001).

A vocação para o matrimônio está inscrita na própria natureza do homem e da mulher, conforme saíram da mão do Criador. O casamento não é uma instituição simplesmente humana, apesar das inúmeras variações que sofreu no curso dos séculos, nas diferentes culturas, estruturas sociais e atitudes espirituais (Catecismo da Igreja Católica, n. 1603). Criado à imagem e semelhança de Deus, que é Amor, também o ser humano é chamado para o amor; essa é a vocação inata e fundamental de todo ser humano. Criado homem e mulher, o amor mútuo do ser humano se torna uma imagem do amor absoluto e indefectível de Deus pelo homem.

Assim sendo, o matrimônio não é uma união qualquer entre pessoas humanas, susceptível de ser configurada segundo uma pluralidade de modelos culturais. O homem e a mulher encontram em si mesmos a inclinação natural para se unir conjugalmente, mas o matrimônio, como observa muito bem S. Tomás de Aquino, é natural não porque 'é causado pela necessidade dos princípios naturais', mas enquanto realidade 'para a qual a natureza inclina, mas que é completada mediante o livre arbítrio'. Por conseguinte, toda oposição entre natureza e liberdade, entre natureza e cultura é totalmente errônea (João Paulo II, A cultura individualista..., in loc. cit.)

Para prestar um verdadeiro consentimento, a pessoa deve ser capaz. Várias são as causas possíveis de incapacidade de auto-governo para auto-doação. O progresso das ciências psicológicas nos ensina que condições doentias ou anomalias psicológicas influenciam diretamente sobre a vontade, de tal modo que frequentemente diminui ou, às vezes, anula totalmente a capacidade de livre decisão da pessoa. (cf. M. F. POMPEDDA, `Incapacitas' di natura psichica', in Il Codice del Vaticano II, Matrimonio canonico, Edizioni Dehoniane, Bologna, pp. 133-147). Por isso o atual código determina: São incapazes de contrair matrimônio os que têm grave defeito de discrição de juízo acerca dos direitos e deveres essenciais do matrimônio que se devem mutuamente dar e receber (c. 1095, 2o.).

 

Pelo texto do cânon 1095, 2, podem-se distinguir dois aspectos inseparáveis no consentimento: um subjetivo, enquanto processo interno na pessoa ou enquanto ato psicológico em que entram inteligência e vontade; outro objetivo, enquanto orientação deste ato psicológico para o objeto que é o matrimônio mesmo. Os dois primeiros números deste cânon se referem ao primeiro aspecto, ou seja, o subjetivo. Teremos, neste caso, um consentimento insuficiente e um matrimônio nulo. Nos dois números as faculdades da inteligência e da vontade são tocadas diretamente pela condição psíquica.

Embora não faltem opiniões que equiparam a falta de discrição de juízo com a falta do uso de razão, a Rota Romana reconhece que se trata de outra figura do consentimento insuficiente (C. Collagiovanni, 13 de dezembro de 1989, n. 7).

A capacidade crítica ou a capacidade estimativa - diferente da puramente cognoscitiva - é imprescindível para chegar à deliberação prática ou à decisão de contrair matrimônio. Se essa capacidade não atinge um nível normal ou suficiente o consentimento é inválido. (CIFUENTES, R. L., Novo Direito Matrimonial Canônico, Ed. Marques Saraiva, RJ, 1988, pp. 315ss).

A falta do consentimento matrimonial, além disso, se verifica se e enquanto um ou ambos os cônjuges sofrem de falta de discrição de juízo, isto é, são atingidos por grave falta da faculdade crítico-valorativa acerca do objeto do consentimento. Em verdade, o objeto do consentimento é designado no cânon pela expressão iura et officia matrimonialia essentialia.

Várias são as causas possíveis de tal falta de discrição de juízo. Não deve ser esquecido que a vontade mesma não é uma força cega que é atraída necessariamente pelo objeto apresentado ao intelecto. O progresso das ciências psicológicas nos ensina que condições doentias ou anomalias psicológicas influenciam diretamente sobre a vontade, de tal modo que freqüentemente diminui ou, às vezes, anula totalmente a capacidade de livre decisão da pessoa. (cf. M. F. POMPEDDA, `Incapacitas' di natura psichica', in Il Codice del Vaticano II, Matrimonio canonico, Edizioni Dehoniane, Bologna, pp. 133-147).

A imaturidade afetiva pode ser considerada causa de falta grave de discrição de juízo. Para isso, tal imaturidade deve implicar em grave distúrbio de personalidade que impeça a liberdade de consentimento pela grave falta de discrição de juízo (Cf. MOTTA, José Barros, Casamentos Nulos na Igreja Católica, RJ, Ed. Forense, 1995, p. 47). Nem toda, nem qualquer falta de discrição de juízo torna nulo o matrimônio, mas somente aquela grave. A gravidade deve ser avaliada em relação aos direitos e obrigações essenciais do matrimônio.

Concluindo, citamos novamente Cifuentes, quando diz que é necessário, para que a falta de discrição de juízo seja causa de nulidade, que o direito-dever captado insuficiente ou distorcidamente seja essencial, quer dizer, represente uma mutilação substancial na própria essência do matrimônio; e que a própria imaturidade na capacidade estimativa seja grave, até o ponto de representar uma anomalia do juízo crítico que uma pessoa normal tem após a puberdade. (CIFUENTES, R. L., Novo Direito Matrimonial Canônico, Ed. Marques Saraiva, RJ, 1988, pp. 321).

Em causas de grave falta de discrição de juízo as declarações das partes podem ter força de prova se dão testemunho de credibilidade. Deve-se dar peso a essas declarações pois muitos sinais que indicam a falta de discrição só se conhecem na experiência da vida íntima do casal. (cc. 1536, 2; 1679)

A consulta ao processo de habilitação matrimonial é importante pois o sacerdote, na preparação do matrimônio pode ter percebido e anotado algum sinal de falta da devida liberdade. Também tem força de prova os documentos privados dos médicos e peritos.

São de grande importância os depoimentos das testemunhas que conheciam a parte ou as partes no tempo da celebração do matrimônio. Os depoentes podem trazer à lembrança os sinais da patologia no relacionamento com os parentes, amigos companheiros de trabalho, escola, modo de administrar os bens pessoais, os costumes da pessoa em matéria sexual. O conhecimento de que gozam as testemunhas é ou de visu ou de auditu. Se de auditu, deve-se notar o tempo da audição, ou seja, se é tempo suspeito ou não.

Sobre o testemunho de parentes e membros da família deve-se notar que freqüentemente os parentes e membros da família, para proteger a fama, dificilmente falam do grave defeito de discrição de outro membro da família (c. Ewers, 25 de março de 1972).

O serviço dos peritos é muito importante e, algumas vezes, necessário aos juízes eclesiásticos (c. 1680). A relação entre juiz e perito deve estabelecer-se com muita cautela.

A única presunção do direito nesta espécie de causa favorece o matrimônio (c. 1060). Dadas as circunstâncias deste caso, freqüentemente é necessário que o juiz eclesiástico proíba novas núpcias (c. 1684, 1).