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Autor: Pe. Dr. José Donisete

* Este artigo faz parte da TESE de DOUTORADO intitulada

O Sacramento do Matrimonio segundo o Cânon 1055, § 1 e sua Aplicabilidade Pastoral no Brasil, que foi partilhada no Encontro da SBC de 2009 em Aracaju/SE

No projeto de Deus, ninguém é esquecido. Todos são chamados à santidade[1]. A Familiaris Consortio, afirma que, no projeto de Deus, a vocação universal à santidade é dirigida também aos cônjuges e aos pais cristãos. É especificada para eles pela celebração do sacramento e traduzida concretamente nas realidades próprias da existência conjugal e familiar[2].

O § um do cânone 226: Qui in statu coniugali vivunt, iuxta propriam vocationem, peculiari officio tenentur per matrimonium et familiam ad aedificationem populi Dei allaborandi (cf. can. 407 CCEO), faz uma aplicação específica as pessoas casadas do dever moral de exercer o seu apostolado[3], recordando que seu meio privilegiado de evangelização é precisamente o matrimônio e a família[4]. Porém no parágrafo dois deste cânone impõe aos pais uma obrigação jurídica muito séria que é a de educar seus filhos cristãmente, seguindo a doutrina da Igreja. Evidentemente, esta obrigação vai acompanhada pelo direito reconhecido dos pais de levar a cabo esta tarefa, que se encontra no núcleo de um conjunto de direitos e obrigações no seio da Igreja, com repercussões na sociedade civil. Estes aspectos fundamentais como destaca João Paulo II: por um lado, o do sacramento do matrimônio que santifica; e por outro, o da vivencia do espírito cristão na vida cotidiana, ou seja, nas realidades próprias da existência conjugal e familiar.

Proprius fons et singulare instrumentum sanctificationis coniugum familiaeque christianae est matrimonii sacramentum, quod santificantem baptismi gratiam resumit et perficit[5]. Os que vão receber-se em matrimônio precisam estar profundamente convencidos de que vai ser espiritualmente enxertado em Jesus Cristo, da mesma forma como se enxerta um ramo numa videira. Nesse caso, a videira, infinitamente fecunda, é o próprio Cristo. Na hora do casamento, concentrando toda a atenção para o núcleo do seu significado: por esse ato, eles vão saciar sua sede na peculiar e original fonte de santidade que São Paulo chama “o grande sacramento” (Ef 5,32) da união e do amor fecundo entre Cristo e a sua Igreja. O “sim” pronunciado pelos dois não é algo passageiro. Reveste-se de grande importância, pois é o portal, que introduz a uma vida permanente de santificação mutua.

Quapropter coniuges Christiani ad sui status officia et dignitatem peculiari Sacramento roborantur et veluti consecrantur; cuius virtute munus suum coniugale et familiare explentes, spiritu Christi imbuti, quo tota eorum vita, fide, spe et caritate pervaditur, magis ac magis ad propriam suam perfectionem mutuamque sanctificationem, ideoque communiter ad Dei glorificationem accedunt[6].

Não se pode construir uma espiritualidade matrimonial esquecendo aquelas que são as suas tarefas primordiais, ou seja, imprimis est christianam filiorum educationem secundum doctrinam ab Ecclesia traditam curare[7], é recordada em diversos lugares do Código, com diferentes matizes. Assim, se recorda que, em primeiro lugar, têm o dever de formar, mediante a palavra e o exemplo, a seus filhos na fé na pratica da vida cristã[8], toda vez que a participação dos pais na função de santificar se realiza de maneira particular vivendo sua vida conjugal com espírito cristão, e dando uma educação cristã a seus filhos[9], que não é senão outro modo de sublinhar seu dever particular de trabalhar na edificação do Povo de Deus através do matrimônio e da família[10].

Neste contexto temos de entender que as obrigações impostas aos pais em relação à recepção, por parte de seus filhos, dos sacramentos da iniciação cristã[11], a formação dos filhos «ad genuinum paenitentiae sensum informentur» (can 1252), e inclusive a sanção que se pode impor sobre os pais «qui liberos in religione acatholica baptizandos vel educandos tradunt»[12]. Para os pais que exercem seus direitos e suas obrigações como pais, o cânone 793, § 1. Parentes, necnon qui eorum locum tenent, obligatione adstringuintur et iure gaudent prolem educandi; parentes catholici officium quoque et ius habent ea eligendi media et instituta quibus, iuxta locorum adiuncta, catholicae filiorum educationi aptius prospicere queant, aparece como primordial. Não se trata, somente, de instituições de educação no sentido estrito, mas de todos os meios ou instituições que possa prover melhor a educação católica dos filhos. São realidades conaturais ao matrimônio, tais como o amor humano, a procriação e educação da prole[13], a fidelidade e cada um dos deveres que estas implicam, e que, vividas no espírito de Cristo, santificam os cônjuges como tais[14].

Portanto, não podemos ter uma vida dupla, se queremos ser cristãos: todas as nossas ações, pensamentos e palavras precisam entrelaçar-se numa unidade de vida simples e coerente. Temos uma única vida, composta de corpo e espírito. É esta que tem de ser, tanto na alma como no corpo, santa e plena de Deus. Desse Deus invisível, que se torna patente para nós nas coisas mais rotineiras e materiais, sinais do seu amor providente.

É nessa atitude que, em família, queremos e devemos querer ver Jesus, Caminho, Verdade e Vida[15]. Não há alternativa: ou buscamos encontrar o Senhor em nossa vida de todos os dias, ou não o encontramos nunca.

Esse estilo de vida cristã é o que significa traduzir a vocação universal à santidade nas realidades próprias do amor conjugal, da convivência familiar, a educação dos filhos, o trabalho doméstico e profissional[16].

1 - A Santificação conjugal e a convivência familiar ao lado dos filhos

O sacramento do matrimônio coloca Jesus Cristo, de modo muito especial e concreto, entre os esposos. O amor conjugal tem que ser profundo e progressivo, como o amor a Deus. Por isso, nem os obstáculos, nem as provações, nem a própria monotonia do dia-a-dia poderão deter – para quem ama a Deus – o matrimônio, que é sacramento e vocação, não pode se abalar quando chegam as dores e os contratempos, que a vida sempre traz consigo. Devem recordar que foram chamados por Deus para formar um lar, onde devem amar-se sempre, com aquele amor entusiasmado que tinham quando eram namorados ou noivos. As contrariedades e os sacrifícios generosamente partilhados unem profundamente o casal. Nesse sentido, o espírito de sacrifício, o amor à cruz é indispensável para crescer na santidade conjugal.

Muito especialmente, é preciso saber sacrificar-se como a mãe na hora do parto, para dar à luz filhos bem formados e amadurecidos à sociedade. Santo Tomás diz que a família é como o “útero social”, que vai engendrando e desenvolvendo os filhos, até a sua maioridade, para entregá-los ao mundo satisfatoriamente desenvolvidos[17].

Esse empenho para conseguir a unidade do amor redunda também em beneficio dos filhos. O fruto mais substancial do amadurecimento espiritual dos esposos e a lição pedagógica mais importante que eles devem dar aos filhos é a da sua união sólida e inquestionável, que se dilata no relacionamento fraterno e dos filhos entre si. Por isso, o primeiro dever-compromisso dos pais para com os filhos é o de se amarem um ao outro. A primeira necessidade da criança é crescer num lar unido, estável e encontrar o seu pai e a sua mãe vinculados numa única vontade. É por isso que os filhos vêm reforçar o amor entre os pais. Às vezes, inclusive, representam o único laço, que ainda os mantém unidos.

2 - A Espiritualidade no lar: oração conjugal e a vivência familiar

Em virtude da sua dignidade e missão, os pais cristãos têm a tarefa especifica de educar os filhos para a oração, de introduzi-los na descoberta progressiva do mistério de Deus e no relacionamento pessoal com ele. Um fator importante da educação da fé é o aprendizado da oração. Esse aprendizado não se pode dar por suposto; é necessário aprender a rezar, voltando sempre de novo a conhecer esta arte dos próprios lábios do divino Mestre[18]. É desejável que a Pastoral Familiar junto com os Pastores e Agente de Pastoral possa ajudá-los nessa missão, por meio de subsídios, encontros, retiros, conferências e outras dinâmicas. A oração reforça a estabilidade da família, fazendo com que ela participe da «fortaleza de Deus»[19].

Além das praticas de piedade como a recitação do rosário, a preparação dos filhos para os sacramentos da primeira idade: confissão, comunhão, crisma e com os vários subsídios de evangelização da Pastoral Familiar. Há uma parte essencial e permanente do dever de santificação é o acolhimento do apelo evangélico de conversão dirigido a todos os cristãos... No arrependimento e o perdão mútuo no seio da família cristã, revestem a vida cotidiana, encontram o seu momento sacramental especifico na penitencia cristã.

A Eucaristia é a fonte própria do matrimônio cristão. O sacrifício eucarístico, de fato, representa a aliança de amor de Cristo com a Igreja. Neste sacrifício da Nova e Eterna Aliança é que os cônjuges cristãos encontram a raiz da qual brota e é interiormente plasmada e continuamente vivificada a sua aliança conjugal. A participação na Eucaristia seja verdadeiramente, para cada batizado, o coração do domingo, o dia do Senhor, o ponto central da semana, o dia da esperança dos cristãos... um compromisso irrenunciável, assumido não só para obedecer a um preceito, mas como necessidade para uma vida cristã consciente e coerente[20].

O diálogo é uma exigência intrínseca da própria evangelização. É missão da família contribuir para educar as pessoas para o dialogo, a abertura ao irmão, a aceitação do diferente, o respeito mútuo e a difícil arte de saber ouvir. E pelos laços de amor que une seus membros, a família é convocada a ser a primeira experiência de fraternidade. Partilhando todos os dias do mesmo lar, do mesmo alimento, das mesmas alegrias e angústias, os membros da família acabam desenvolvendo o sentimento de um destino comum.

É muito importante que os casais encontrem na Igreja um suporte para poderem orientar os seus filhos a educação afetiva e sexual de forma consciente. Assim, poderão contrapor e superar a educação sexual proposta pelo Estado, com freqüência, imposta de maneira unilateral, sem abrir possibilidade a outras escolhas. Pois a influencia dos meios de comunicação é fundamental: caracterizam a cultura atual e podem ser utilizados na difusão dos valores evangélicos[21].

3 - Família: Igreja missionária e domestica

A Igreja por sua natureza é missionária[22]. Os cônjuges e os pais cristãos são convocados a evangelizar a partir da família, pelos valores ético-cristãos. Um dos desafios para a Igreja no Brasil é evangelizar os batizados. Apesar de ser um país onde a maioria das famílias é católica – a capacidade de evangelizar essas famílias, é muito reduzida. Muitas vezes, no trabalho com as famílias, pressupõe-se uma evangelização que não existe. Apresentam-se conteúdos doutrinários sem levar as pessoas a um encontro pessoal com Jesus e a uma opção pessoal com ele e pelo Evangelho. É necessário partir do mais básico e fundamental, sem pressupor a existência de uma formação elementar para chegar aos alicerces. Corre-se o risco de edificar uma casa bonita, mas sem um fundamento sólido[23]. A família, de fato, pode e deve se tornar lugar privilegiado para realizar essa missão evangelizadora. Os pais não somente comunicam o Evangelho aos filhos, mas podem receber deles o mesmo Evangelho profundamente vivido[24].

Nesse sentido, Ecclesia domestica impellitur ut splendidum signum sit praesentiae Christi eiusque amoris etiam pro «longinquis», pro familiis nondum credentibus, pro familiis ipsis christianis non amplius viventibus secundum fidem acceptam[25]. Essa instituição é insubstituível e essencial, dentro do organismo social, foco irradiador de vitalidade cristã, pequena “Igreja domestica”[26], imagem e reflexo da sagrada Família de Nazaré. Deste modo os cônjuges e pais testemunhas de Cristo até os confins do mundo e formando-os verdadeiros “missionários” do amor e da vida.



[1] Ioannes Paulus II, “Adh. Apost. Novo Milenio Ineunte, nn. 30-31.

[2] FC, n. 56.

[3] Cf. cann. 211 e 225; cann. 14, 401 e 406 CCEO.

[4] Cf.CIgC, 902.

[5] FC, n. 56. O sacramento do matrimônio, que retoma e especifica a graça santificante do batismo, é a fonte própria e o meio original de santificação para os cônjuges.

[6] Ibid. Os esposos cristãos são fortalecidos, dando-se um ao outro, se amem com perpetua fidelidade e como que consagrados em ordem aos deveres de seu estado por meio de um sacramento especial; cumprindo, graças à energia deste, a própria missão conjugal e familiar penetradas do espírito de Cristo, que impregna toda a sua vida de , esperança e caridade, avançam sempre mais na própria perfeição e mútua santificação e cooperam assim, juntos, para a glória de Deus.

[7] Can 226, § 2.

[8] Cf. can. 774, § 2; can 618 CCEO; CIgC, 2225, 2226, 2685.

[9] Cf. can. 835, § 4; CIgC, 902.

[10] Cf. can 226, § 1; can 407 CCEO; CIgC, 1914.

[11] Cf. cann. 867, 890, 914; can 686 CCEO.

[12] Can 1366; cf. can 1439 CCEO.

[13] Cf. can 1055 § 1.

[14] Cf Ioannes Paulus PI, Pontificii Concilii pro Familia, 10 octobris 1986, n 4 in: AAS 79 (1987) 286-290.

[15] Cf. CNBB, Projeto de Evangelização 2004-2007. Doc. 72, São Paulo, 2003.

[16] Cf. FC, n. 56.

[17] Cf. R. Llano Cifuentes, Noivados e Casamento, orientações para solteiros e casados. São Paulo, 20002, 280.

[18] Cf. Novo Millennio Ineunte, n. 32.

[19] Ioannes Paulus II, Carta às Familias, n. 4.

[20] Cf. Novo Millennio Ineunte, n. 36.

[21] Cf Ioannes Paulus II. Adhortatio Apostolica Ecclesia in America, 4 augusti 1999, n. 72, in: AAS 91 (1999) 737-815.

[22] Cf LG, nn. 25-27; PO, n. 4-6.

[23] Cf CNBB, Diretório da Pastoral Familiar. ..., 131-132.

[24] Cf. Paulus PVI, Adhortatio Apostólica Evangelii Nuntiandi de evangelizatione in mundo huius temporis, 8 decembris 1975, n. 71, in: AAS 68 (1976) 1-76.

[25] FC, n. 54. A Igreja domestica é chamada a ser um sinal da presença de Cristo e do seu amor mesmo para os afastados, para as famílias que ainda não crêem e para aquelas que não vivem em coerência com a recebida.

[26] Cf. Moretto, A., Igreja Domestica, São Paulo, Loyola, 1986, (citado no Diretório da Pastoral Familiar). 132.