Um guião errado

Foi representado um guião errado e assim a revogação da excomunhão aos bispos ordenados em 1988 tornou-se um novo caso mediático cheio de tons emotivos. Com um tempismo apressado foi atribuída a Bento XVI a culpa não só de rendição a posições anticonciliares, mas até, se não a conivência, pelo menos a imprudência de defender teses negacionistas sobre o Shoah. As palavras do Papa nas vésperas conclusivas da semana de oração pela unidade dos cristãos e a sua reflexão na oração do Angelus foram um desmentir destes receios difundidos.

Bento XVI disse palavras importantes garantindo que «entre nós, os idosos certamente não esquecem» o primeiro anúncio do Concílio feito pelo Beato João XXIII «a 25 de Janeiro de 1959, exactamente há cinquenta anos». Um gesto que hoje o Papa Ratzinger define «decisão providente» sugerida pelo Espírito Santo e que o nosso jornal não casualmente recordou com ênfase precisamente no dia da revogação da excomunhão.

É em virtude da convicção em relação ao Concílio como acontecimento inspirado do alto que se deve ler o gesto de revogação da excomunhão. A reforma do Concílio ainda não foi totalmente realizada, mas já está tão consolidada na Igreja Católica que não pode ser posta em crise por um gesto magnânimo de misericórdia. Inspirado além do mais no novo estilo da Igreja querido pelo Concílio que prefere o remédio da misericórdia e não o da condenação.

A revogação que suscitou tanto alarme não conclui uma vicissitude dolorosa como o cisma lefebvriano. Com ela o Papa desimpede o campo de possíveis pretextos para polêmicas infinitas que entram no mérito do verdadeiro problema: a aceitação plena do magistério, incluído obviamente o Concílio do Vaticano II. De fato, se é verdade que a Igreja Católica não nasce com o Concílio, é verdade de igual modo que também a Igreja renovada pelo concílio não é outra Igreja, mas a mesma Igreja de Cristo, fundada sobre os apóstolos, garantida pelo Sucessor de Pedro e por conseguinte parte viva da tradição. Com o anúncio do Papa João a tradição certamente não desaparece, mas continua ainda hoje nas formas próprias de uma pastoral e de um magistério atualizados pelo último grande concílio.

Portanto mostra ser uma prática retórica, ou até ofensiva, pensar que Bento XVI possa desbaratar mesmo se em parte o Concílio a quem quer que seja. Como retórico é também o recorrente perguntar de alguns se o Papa esteja deveras convencido do caminho ecumênico e do diálogo com os judeus. Os compromissos estratégicos do seu pontificado estão sob o olhar de todos e cada um dos atos pastorais e de magistério procedem limpidamente na aplicação da estrategia anunciada no momento da sua eleição. Ele persegue aquele programa na compartilha colegial com o episcopado dos atos mais empenhativos. O diálogo é parte constitutiva da Igreja conciliar e Bento XVI repetiu várias vezes, e de novo agora, que o ecumenismo exige a conversão de todos - também da Igreja católica - a Cristo. Numa Igreja convertida «as diversidades não serão mais impedimento que nos separa, mas riqueza na multiplicidade das expressões da fé comum».

A revogação da excomunhão ainda não é plena comunhão. O percurso de reconciliação com os tradicionalistas é uma opção colegial e já conhecida da Igreja de Roma e não um gesto repentino e inesperado de Bento XVI. Da aceitação do Concílio deriva necessariamente também uma límpida posição sobre o negacionismo. A declaração Nostra aetate, que marca a mais influente mudança católica em relação ao judaísmo, deplora «os ódios, as perseguições e todas as manifestações do anti-semitismo, orientadas contra os judeus em todos os tempos e por quem quer que seja». Trata-se de um ensinamento não opinável para um católico. Os últimos Papas, incluíndo Bento XVI, explicitaram este ensinamento. Em dezenas de documentos, gestos e discursos. As recentes declarações negacionistas contradizem este ensinamento e portanto são gravíssimas e lamentáveis. Feitas antes do documento de revogação da excomunhão, permanecem - como já escrevemos - i naceitáveis.

Carlo Di Cicco