O capítulo dezenove, em que o Evangelista Mateus apresenta o diálogo de Jesus com os fariseus e estes o procuraram para tentá-lo, deve ser entendido à luz do capítulo dezoito. Neste, Jesus fazia um discurso sobre o Reino dos céus (o novo povo de Deus que Jesus veio constituir). As parábolas presentes no capítulo dezoito são de atitude, ou seja, Jesus fala da atitude que cada um deve ter e assumir para si. Na verdade, trata-se de uma cobrança de atitudes. Depois de um longo tempo em que tinha o seguimento dos discípulos consigo, Jesus os preparou com ensinamento divino e incutiu neles uma nova mentalidade, um novo pensamento fazendo com que mudassem de idéia. E qual foi a primeira idéia? O perdão como atitude de caridade para com o próximo. Coisa de que os fariseus não gostavam e do que nem queriam saber. E o discurso de Jesus era um incômodo para eles e significava uma mudança de mentalidade, pois antes era "olho por olho e dente por dente"; era o que a Lei Mosaica prescrevia e todos deviam assim agir. Jesus pregou então uma mudança de mentalidade para depois cobrar atitude dos discípulos e de todos os seus ouvintes. Só assim poderiam tomar parte no Reino dos céus.

            O exemplo que Jesus usa é exatamente o do matrimônio, do casamento. O discurso não tem a finalidade de transmitir ensinamento sobre a realidade matrimônio, mas apresentado como o melhor exemplo daquilo que deve ser uma constante na vida cristã, ou seja, consórcio entre Deus e o ser humano, que depois da mudança de mentalidade, passa-se à atitude, à ação.

            Por sua própria natureza, a instituição matrimonial e o amor conjugal estão ordenados para a procriação e educação da prole, que constituem sua coroa. O homem e a mulher, que, pela aliança conjugal "já não são dois, mas uma só carne (um só ser)", prestam-se recíproca ajuda e mútuo serviço com a íntima união de duas pessoas e de suas atividades, tomam consciência da própria unidade e cada vez mais a realizam... Veja-se, portanto, o que Jesus quer são atitudes fundadas numa nova mentalidade, nova idéia, a do Reino dos céus que não se confunde com a idéia do mundo.

            Contra todas as paixões humanas, contra todas as tentativas diabólicas, os fariseus foram tentar Jesus, de dessacralizar o matrimônio, a lei divina é firme e incisiva: Não divida o homem o que Deus uniu! A indissolubilidade do sacramento do matrimônio não poderá jamais se ab-rogada, ou seja, tornada sem efeito, por nenhuma autoridade. Somente no caso de união irregular pode e deve ser despedido a esposa ou esposo ilegítimos, argumento sustentado também em Mateus 5,32; Mc 10,10-12, Lc 16,18 e também 1Cor 7,10s.

            Torna-se muito difícil, então, cobrar dos outros sentimentos, quando estes não foram trabalhados e incutidos nas cabeças e nas mentes das pessoas. Somente a Palavra de Deus tem a força capaz de mudar as idéias e a mentalidade. Ressalta-se aqui a importância da tarefa da educação das crianças, adolescentes e jovens. Mas também a importância da própria educação entendida como formação permanente da nossa mentalidade, da nossa idéia. Só assim, será possível um ideal, somente assim será possível atitude. É muito difícil cobrar de quem não foi formado com alguma consciência. E no caso, quem está dentro do cristianismo, mas pouco recebeu de formação cristã. Exemplo típico: quem recebeu má formação humana terá pouca ou nenhuma consciência do respeito que se deve ter para com o outro, por exemplo. E em termos de vida cristã, mais ainda. Difícil cobrar amor de quem nunca nele foi formado, pois se trata de um sentimento que por primeiro deve fazer parte da consciência da pessoa. Eis pois!