Na festa do Apóstolo Santo André, celebrada a 30 de novembro, fomos agraciados com a segunda Encíclica do pontificado de Sua Santidade o Papa Bento XVI que, já mesmo em um primeiro contato, pode ser seguramente descrita como um documento acentuadamente teológico que vem dado para um mundo que vive em crise. Percebe-se, então, muito claramente, que o mundo está em crise, exatamente porque ele está continuamente a abandonar os verdadeiros valores; subsistindo erroneamente fundado em um puro relativismo, por isso mesmo é tão fragilizado naquilo que quer assegurar, tendo como conseqüência, a perda da verdadeira esperança, já que são completamente efêmeras as coisas em que muitos homens e mulheres depositam as suas seguranças; sobre as quais buscam sustentar a própria vida, caindo assim, se chegam a tomar consciência em algum momento, em um profundo e irreversível desespero. Alguns homens, algumas mulheres governos e instituições, mas por um mero instinto de sobrevivência, chegam até a pensar na conservação do meio ambiente, mas se esquecem de que a harmonia desse meio foi, de fato, constituída pelo Criador, por aquele que é o Senhor de todas as coisas. Existe uma salutar preocupação antropológica, mas essa não deve, contudo, prescindir da dimensão teológica, também inerente ao homem, embora o mundo a isso não queira dar o seu devido espaço.

Depois de ter primeiramente refletido sobre a virtude teologal da caridade, aquela que eternamente subsiste, e isso em sua primogênita Encíclica Deus caritas est, o Santo Padre de modo magistral, o que já lhe é tão reconhecidamente peculiar, vem nos fazer perceber, -duma maneira acentuadamente pedagógica, em um documento que se faz necessário debruçar-se ao menos mais de uma vez, para que seja bem compreendido -, o relacionamento muito intrínseco existente entre as outras duas virtudes teologais que são a fé e a esperança, e desse modo, com a autoridade de sucessor do Apóstolo Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, que tem como uma de suas peculiares tarefas confirmar na fé todos os seus irmãos, nesse mundo continuamente dominado pela descrença e desconfiança, sobretudo, a respeito das questões relacionadas com o transcendente, por meio dessa Encíclica, ele vem nos convidar a refletir sobre a realidade de que a nossa salvação, acolhida pela profunda adesão à fé, está fundada na esperança, pois somos, de fato, Salvos na Esperança!

A Encíclica tem, portanto, seu ponto de partida em uma certeza: a vida do cristão jamais acaba em um vazio, porque, na realidade, o seu fundamento não é a matéria, nem tampouco simplesmente as leis naturais, mas o amor de Deus: que é uma Pessoa que se fez e se faz presente na história da humanidade, amando a cada homem e ensinado-o a amar do modo como ele ama que é exclusivo, mas não excludente. Esperar, portanto, é ter uma certeza no futuro, partindo, entretanto, de uma experiência pessoal de encontro no hic et nunc. Desse modo, na experiência do encontro, feito aqui e agora, mas que é sempre uma iniciativa d'Ele, tenho, na fé, esperança nas realidades futuras, naquelas coisas que hão de acontecer. O Santo Padre trata da dimensão da esperança que dentro da vida monástica se busca conduzir, não de modo individualista, como alguns até acusam, mas como a antecipação de um paraíso, vivido agora em sinais, mas a ser plenamente vivido no futuro. A fé e a esperança são dons pessoais, mas que devem ser vividos de modo comunitário. O labor contemplativo vivido pelos monges, e a esses ensinados por Santo Agostinho, São Bento e São Bernardo, deve ser escola para o mundo.

O Romano Pontífice abre um bom espaço na Encíclica para deixar transparecer o modo como podemos peregrinar no caminho da fé, demonstrando, assim, diretamente, algumas críticas e desvios originados pelo mito racionalista e também por alguns filósofos que se utilizam dos conceitos de razão e liberdade de modo bastante errôneo, nos fazendo lembrar, certamente, uma grande verdade, não vivida por esses, e que nos traz a mente uma afirmação feita por um psicanalista judeu que é imensamente atual: ‘ao lado da estátua da liberdade, deveria ser construída sempre a estátua da responsabilidade'.

Três lugares nos são apresentados pelo Papa como nomeadamente privilegiados para que possamos adentrar, como discípulos, na escola da esperança: o primeiro lugar é o da oração, pois mesmo quando não somos ouvidos pelos homens naquilo que pedimos, Deus nos escuta sempre e nos dá sua resposta; o segundo lugar é o da nossa ação e experiência do sofrimento, seja o mesmo pessoal ou vivido também em comunidade, pois ninguém poderá jamais dele escapar, sendo, como categoricamente assinala ‘cruel e desumana' uma sociedade que não aceita aqueles que sofrem; no terceiro lugar o Servo dos servos de Deus aponta o Juízo final, que deve ser percebido como farol do nosso comportamento, ícone da responsabilidade da nossa vida, asseverando: ‘hoje, ninguém fala em Juízo final. Mas teremos que prestar contas. Porque não é a humanidade que se salva a si própria, é Deus' que a salva.

Um mundo que não quer dar espaço para Deus é um mundo, conseqüentemente, sem esperança; desse modo, acreditar no Juízo final é estar direcionado para o valor da vida eterna, vivendo a partir das opções concretas que são feitas cotidianamente. Embora muitas vezes mergulhados nas dificuldades e imundícies de um mundo que se torna cada vez mais imundo, devemos ter a certeza de que o fundamento da esperança em Cristo não nos poderá ser tirado, nem mesmo com a morte, que não é o fim, mas o definitivo encontro com aquele que é fiel e em Quem, na verdade somos unicamente salvos na esperança. Faço votos, de que ainda a ser trocada em miúdos a profundidade do conteúdo da Encíclica possa ser acessível a todos.

D. Hugo da Silva Cavalcante, OSB.