Aborto e excomunhão

 

O arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, tem sido cruelmente criticado pelas declarações que deu à imprensa. Na verdade, o zeloso pastor tão-somente alertou os fiéis para o que prescreve o código canônico. Só isso! Ele não excomungou ninguém. A pena de excomunhão foi infligida automaticamente.

Reza o cânon 1398: "Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão ‘latae sententiae'." A lei é clara: a excomunhão é automática. Neste caso particular, dá-se uma exceção ao princípio de que não se deve punir sem processo ("nulla poena sine iudicio"). Mas, pergunta-se: por que a exceção? Por que não instaurar um "devido processo legal", antes da excomunhão? Isto não ocorre, porquanto o legislador, com toda razão, entendeu que o aborto é um delito gravíssimo, que demanda imediata e salutar reprimenda.

O aborto é muito mais grave que o estupro, conforme explanou dom José.  Deveras, o aborto tem grau de gravidade que excede até mesmo ao próprio homicídio de um adulto. Com efeito, tanto no estupro quanto no assassinato de um ser humano maduro, existe sempre a possibilidade de defesa. Mesmo que seja a sorte ou o acaso. Já houve situações de gente salva da morte, em virtude de a bala ficar alojada numa caneta que estava no bolso da camisa. Por outro lado, o feto, ser humano absolutamente inerme, nunca consegue se defender. Assim, o direito penal canônico excomunga quem realiza o aborto, uma vez que ao nascituro é negado o direito de defesa.

Como já expliquei em outro artigo neste jornal, a excomunhão não é definitiva.  Lembremos do recente levantamento da pena que pesava há dez anos sobre quatro  bispos ordenados sem autorização papal.

Os excomungados no episódio da menina de Pernambuco, vale dizer, os médicos que efetuaram o procedimento abortivo, bem como todos os que auxiliaram diretamente podem fazer cessar a excomunhão, se recorrerem ao foro interno, no sacramento da penitência. Eles têm de se arrepender sinceramente da sua atitude e procurar o próprio bispo ou, então, um sacerdote que disponha de mandato para a absolvição dessas infrações.

O direito da Igreja visa a salvaguardar os bens mais importantes do povo de Deus. Na hipótese aventada, a vida de um ser inocente no útero materno. Ao contrário do Estado, cujas sanções infelizmente degeneraram em vingança reles, haja vista as péssimas condições dos presídios brasileiros, que não recuperam o preso, o direito penal canônico frui de caráter eminentemente medicinal, objetivando a salvação plena de quem delinquiu.

 

Edson Luiz Sampel